“Caramba mamãe! Todo mundo aqui no parque tem duas mães?”, perguntou uma criança de seis anos a uma de suas mães ao chegar ao primeiro encontro presencial do grupo de WhatsApp Dupla Maternidade, que reuniu 50 mulheres e crianças no parque Ibirapuera, em São Paulo, em 2021. Criado naquele ano pela empreendedora Daniela Arrais, atualmente o grupo é formado por mais de 600 mulheres de todas as regiões do país.

A ideia de criar o grupo surgiu quando Daniela e a esposa, a fisioterapeuta Laura Della Negra, perceberam, ao passearem com o filho Martin, que só encontravam casais formados por mães e pais. “Eu acho que a criança, principalmente, se reconhece muito no que vê. Na época, eu juntei as poucas amigas que eu tinha, acho que uns quatro casais, e falei para fazermos um grupo de WhatsApp”. Com a criação do grupo, elas resolveram organizar o primeiro encontro presencial. “Quando pensamos no encontro, cada uma foi espalhando na sua rede. Eu não conhecia nem 10 casais de duas mães e de repente tinham 50 pessoas. Foi muito impactante”, recorda Daniela, que é sócia da Contente.vc.

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Daniela, Laura e Martin | Crédito: arquivo pessoal.

A partir do primeiro encontro, o grupo Dupla Maternidade se espalhou por todo o país. Em outros encontros presenciais em São Paulo, a média de participação é de 100 pessoas. Também existem subgrupos regionais, em outros lugares do país, e que se formam por afinidades, como esportes – iremos contar uma dessas histórias no quarto perfil da nossa série especial de Dia das Mães, sobre um coletivo que começou com uma mensagem no grupo Dupla Maternidade de uma mãe convidando outras para jogar futebol.

Rede de apoio

“O Dupla Maternidade é uma construção coletiva de informação, de acolhimento, de pertencimento, em que realizamos trocas sobre tudo que nos atravessa”, define Daniela. As centenas de mães que integram o grupo, trocam mensagens sobre todos os tipos de informações. 

“Alguém está tentando fazer o registro, estão dizendo que não pode botar o nome das duas mães no RG, a gente já sabe que pode, a maioria já fez, tem advogadas que ajudam, dão informações. Quando está chegando o Dia dos Pais, conversamos sobre como se trata isso nas escolas, como as crianças estão se sentindo?”, exemplifica Daniela sobre algumas das questões tratadas no grupo.

“O que eu acho mais incrível é que essa rede de apoio virtual se desdobra no real”, ressalta Daniela ao descrever como potentes os encontros presenciais. Ela explica que algumas mulheres se sentem mais confortáveis em interagir pessoalmente do que de maneira virtual. O último encontro presencial aconteceu em março, no Parque do Povo, em São Paulo.

Essa também é uma forma das filhas e dos filhos conviverem com outras famílias com as mesmas configurações que a deles. “É poderoso quando as crianças se veem com famílias iguais às delas. Depois dos encontros, as pessoas falam sobre como foi a primeira vez que o filho viu famílias como as delas, crianças mais velhas vivendo isso pela primeira vez e muitas crianças mais novas que nem vão ter essa sensação da primeira vez, porque desde pequenas já estão com esse grupo e com essa sensação de pertencimento”, diz.

“Me preparo sempre para o preconceito”

Daniela e Laura estão juntas há cerca de 7 anos. A fisioterapeuta sempre teve o desejo de gestar e ser mãe. Por volta de 2020, as duas começaram a falar e pesquisar sobre como seria feito o procedimento por Fertilização in vitro (FIV). “O período da gestação foi tenso porque estava no meio da pandemia. Também foi um pouco solitário, não tivemos chá de bebê ou outras pessoas pegando na barriga”, conta Daniela. Em 2021, Martin nasceu.

“É incrível o convite que o filho faz, todos os dias, para a gente estar presente, se olhar, entender o que quer da vida, do mundo, como queremos exercer essa maternidade. É tudo muito vivo, muito mutante”, descreve Daniela sobre os últimos anos.

Ao criar o grupo no WhatsApp, as mães do Martin aumentaram uma rede de afeto e acolhimento. “Somos duas mulheres brancas, vivendo num grande centro urbano, ainda não enfrentamos um preconceito muito forte na nossa cara”, aponta Daniela. Porém, ela diz ter medo porque sabe que um dia a família poderá enfrentar preconceitos. “Isso vai acontecer, porque vivemos em um país que é homofóbico e heteronormativo, não vemos representações de duas mães na cultura, por exemplo. Eu me preparo sempre para o preconceito, mas por enquanto, ainda estamos protegidas”, afirma.

Para Daniela, é necessário normalizar mais configurações de família plurais, que vão para além do padrão heteronormativo, como de duas mães, dois pais, integrantes trans, mães e pais solo. “Fica o convite para que possamos abraçar a pluralidade do mundo, em vez de só ir para o padrão”.

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Laura, Martin e Daniela | Crédito: arquivo pessoal.

Como participar?

As mães interessadas em participar do grupo Dupla Maternidade no WhatsApp, podem entrar em contato pelo perfil no Instagram @coletivoduplamaternidade.

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  • Daniela Valenga

    Jornalista dedicada à promoção da igualdade de gênero para meninas e mulheres. Atuou como Visitante Voluntária no Instit...

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