Grávida de 15 semanas, a professora Marina Canesin, 28 anos, se alegra ao falar da expectativa para o nascimento de sua filha com a jornalista e pesquisadora Jessica Gustafson, 34 anos, previsto para o final de outubro. Em conversa com o Catarinas, o casal conta como foi passar pela fertilização in vitro (FIV) e como os padrões de gênero afetaram as percepções de ambas sobre a experiência da dupla maternidade.

As duas se conheceram quando Jessica, que é de Porto Alegre (RS), se mudou para Florianópolis (SC) para fazer o mestrado em Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 2016. Seis meses depois, ela e Marina, natural de São Paulo, passaram a morar juntas. A vontade de ser mãe sempre foi um desejo compartilhado entre o casal. 

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Jessica a Marina | Crédito: arquivo pessoal.

Um pouco antes do início da pandemia de Covid-19, em 2020, Jessica e Marina tiveram uma conversa mais concreta sobre a gravidez e qual método iriam utilizar. A escolha foi pela fertilização in vitro, em uma clínica particular. O tratamento realiza a fecundação de óvulos com espermatozoides no laboratório, formando embriões que são transferidos para o útero. Com o início da pandemia, as duas decidiram adiar o tratamento pela insegurança que a doença causou no mundo.

“O padrão binário não dá contas dos nossos desejos”

No início de 2022, elas começaram o tratamento. A princípio, Jessica foi quem iniciou os procedimentos hormonais. “Fizemos a transferência do embrião para o meu útero, mas esse procedimento não deu certo, e nesse período achei o processo muito pesado, é tudo muito regrado: os dias, os horários, são muito hormônios, muitas injeções, muita informação”, recorda. “Às vezes é muito difícil, porque a gente só queria um filho e temos que ficar fazendo muitas escolhas, isso nos deixou um pouco chocadas”, completa a pesquisadora.

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A FIV envolve injeções de hormônios | Crédito: arquivo pessoal.

No meio do caminho, Jessica se deu conta de que seu desejo de gestar era, na verdade, o desejo de se tornar mãe, enquanto Marina descobria que para além de ser mãe, também queria gestar. “Essa questão tem muito a ver com o fato de eu performar menos feminilidade do que a Jessica. No início foi automático para mim que ela, que usa maquiagem e vestido, gestaria a nossa filha”, explica.

Da mesma forma, hoje, quando as duas falam da gestação para outras pessoas, percebem que seus interlocutores fazem a mesma leitura, pressupondo que Jessica é a gestante, já que apresenta uma performatividade de gênero com mais características compreendidas socialmente como femininas.

“A gente aciona esse padrão binário para significar as coisas o tempo todo, mas ele não dá conta dos nossos desejos”, destaca Marina.

Gravidez

“Parece que era pra ser, porque daí deu tudo certo”, reflete Jessica. Foram transferidos dois embriões para o útero de Marina, que já está na 15ª semana de gestação. Ela conta que as 12 primeiras semanas foram as mais difíceis, com enjoos, fraquezas e pressão baixa, mas que já se sente melhor. Para as duas, acompanhar outras mães de dupla maternidade tem sido fundamental para passar pelas diversas etapas da FIV e pela gestação. “Vamos descobrindo caminhos com elas”, diz Jessica.

Segundo o casal, na clínica onde elas realizaram os procedimentos da FIV, cerca de 50% dos atendimentos são de pacientes que fazem parte de casais formados por duas mulheres cis. Jessica e Marina acreditam que, por conta disso, não sofreram preconceito, mas estranharam o fato de os embriões serem tratados como bebês. “Eles usam alguns termos como ‘o embrião está aqui na creche’, dão uma caixinha com o embrião e escrevem que é o berço”, conta a professora. “É um sentido que eles atribuem, mas não deveriam, as pessoas deveriam atribuir os próprios sentidos”, ressalta a pesquisadora em jornalismo.

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Jessica com brinquedos da filha | Crédito: arquivo pessoal.

Porém, a experiência não foi a mesma em toda a rede de saúde. Ao realizar a primeira ultrassonografia, em outra clínica, se sentiram alvos de preconceito. “Eu fui tratada como uma acompanhante, uma amiga da Marina, me agradeceram pelo acompanhamento, como se eu não quisesse ver o embrião que viria a ser meu filho”, desabafa Jessica.

“Não precisa de homem?”

As famílias de ambas estão felizes e apoiam a gravidez – inclusive aqueles que não compreendem o procedimento.

“Minha vó ficou maravilhada, ela disse ‘isso é inacreditável, nunca imaginei que isso poderia acontecer, não precisa de homem?’, perguntou se iríamos ser duas mães, eu disse que sim, e ela ‘que coisa maravilhosa’. Para mim, essa foi a melhor parte, de sentir esse acolhimento e esse reconhecimento também”, relata a pesquisadora. 

Com a mesma alegria, a avó de Marina até torcia para serem gêmeos, mas Jessica e Marina descobriram, por meio do ultrassom, que se tratava de uma bebê. A rede de apoio também se estende às amigas do casal. “Temos boas amigas que eu sinto que irão participar com a gente do nosso processo”, diz Jessica.

Apesar da ansiedade e das expectativas para conhecer a nova integrante da família, o casal tenta não fantasiar sobre a vida da filha. “Sabemos que vamos colocar no mundo um ser que vai conhecer livremente as experiências deste mundo, que bom que vamos nos dedicar ao cuidado e mediações desse ser, mas não adianta ficar tão ansiosa, porque não temos a menor ideia de como será. Isso faz com que eu me sinta feliz de encarar esse desafio”, finaliza Jessica.

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  • Daniela Valenga

    Jornalista dedicada à promoção da igualdade de gênero para meninas e mulheres. Atuou como Visitante Voluntária no Instit...

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