Nos próximos dias, Florianópolis recebe mulheres de todo o mundo para o 11º Fazendo Gênero (FG) e para a 13º Mundo de Mulheres (MM). Em sinergia com as mobilizações feministas que marcaram 2017, a programação dos encontros vai contar com uma tenda popular que reunirá debates sobre saúde das mulheres, área que no Brasil resiste ao congelamento dos investimentos em políticas públicas. A Tenda de Educação Popular em Saúde também antecede a 2ª Conferência Nacional de Saúde das Mulheres (CNSMu) entre os dias 17 e 20 de agosto, no Distrito Federal.

Nomeada como Maria Theresa de Medeiros Pacheco, primeira médica-legista brasileira, a tenda foi idealizada pela organização da 2ª CNSMu e pela Comissão de Saúde e Segurança do FG/MM. O espaço pretende acolher pessoas interessadas nas discussões sobre saúde a partir da perspectiva feminista. É o que afirma Melissa Barbieri, pesquisadora do Núcleo de Identidade de Gênero e Subjetividades (NIGS/UFSC) e uma das responsáveis pela construção do espaço. “A tenda de Educação Popular em Saúde será instalada em frente à reitoria da UFSC, na Praça da Cidadania, local que também acolherá outros espaços como é o caso da tenda Mundo de Mulheres e da tenda Feminista e Solidária, ambas construídas em conjunto com os movimentos de mulheres e feministas de várias partes do Brasil”, reforça.

A infraestrutura e o pessoal foram cedidos pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), permitindo que o local seja um núcleo de trocas de saberes, mas também um ambiente de cuidados, com práticas integrativas e complementares em saúde. “A tenda é uma construção coletiva, em parceria com o CNS que entrou em contato com a organização do FG/MM, em virtude da realização das conferências municipais, estaduais e da 2ª Conferência Nacional de Saúde das Mulheres”, explica Ana Maria (Alejandro) Mujica, doutorande em Saúde Coletiva pela UFSC e integrante da Comissão de Saúde e Segurança do FG/MM.

O ponto de encontro tem como objetivo a discussão e o compartilhamento de experiências relacionadas à saúde das mulheres. Entre os temas que devem impulsionar os diálogos, estão a saúde sexual e reprodutiva, a saúde das pessoas trans, das mulheres lésbicas e bissexuais, entre outras. Segundo Ana Maria, o esforço coletivo buscou a pluralidade como mola de apoio. “Tentamos trazer os diferentes recortes e marcadores sociais que perpassam a vida das mulheres. Entendendo mulheres no plural, como uma multidão de corpos e subjetividades. Assim, como tentamos articular essas temáticas com a atual conjuntura política e socioeconômica”.

Equidade para corpos e ideias plurais
Melissa Barbieri aponta que as articulações propiciadas pelos debates da saúde das mulheres perpassam temas como direitos sexuais e reprodutivos, políticas públicas, questões étnico-raciais, parto humanizado, violências, obesidade, saúde mental, trabalho e especificidades da saúde de mulheres lésbicas, bissexuais e trans, reforçando o que propõe o evento de uma forma geral. “A oportunidade de discutir tais temas em rodas de conversa e nos fóruns programados proporciona o fortalecimento do debate em relação às especificidades e subjetividades das mulheres, que podem ser discutidas e levadas também para outros lugares do Brasil e do mundo”.

Para atender às demandas de saúde das mulheres, é importante respeitar a heterogeneidade que está por trás dessa grande categoria chamada mulheres. É o que diz Ana Maria Mujica sobre as expectativas diante deste espaço de construção coletiva.

“É preciso um diálogo empático com as diferenças e uma escuta qualificada com as demandas. São muitos os desafios, entre eles, entender as diferenças e a diversidade como um lugar de aprendizagem e de construção de caminhos para o cuidado à saúde. Outro desafio é a desconstrução das relações hierárquicas e verticais dentro dos serviços da saúde e no processo de cuidado que deslegitima a autonomia das pessoas e o seu protagonismo”, defende.

A tenda Maria Theresa de Medeiros Pacheco busca a interação entre a produção acadêmica em saúde das mulheres, as demandas dos movimentos sociais e suas especificidades, além de discutir caminhos para as políticas públicas em saúde. As discussões também se contextualizam na conjuntura brasileira, em que medidas como a PEC que corta investimentos em áreas essenciais, a reforma trabalhista aprovada pelo Congresso e mesmo a reforma da previdência em pauta, impactam na saúde das mulheres. Katia Souto, técnica do CNS e integrante da comissão organizadora da 2ª CNSMu, destaca que o principal desafio para atender as necessidades das mulheres é a luta por nenhum direito a menos.

“Alcançar a equidade de acesso e direitos na saúde das mulheres passa por ressignificar nossas bandeiras e nossos corpos na dimensão das expressões das diferentes vulnerabilidades. Somos mulheres de classe social, raça, etnia, orientação sexual, geração e especificidades singulares que trazem como eixo mobilizador de nossas lutas a equidade para a igualdade de direitos com respeito às diferenças. E para essa equidade ser alcançada é fundamental a participação social, a democracia, o reconhecimento de nossa cidadania e nossas identidades e direitos”, argumenta.

Divulgação FG/MM.

Maria Theresa de Medeiros Pacheco
Visibilizar mulheres brasileiras que se destacaram na área da saúde foi o que motivou a escolha do nome da médica-legista alagoana, Maria Theresa de Medeiros Pacheco, para a tenda de educação popular em saúde no FG/MM. A médica se formou na Faculdade de Medicina da Bahia em 1953 e atuou em maternidades da época. A experiência em ginecologia e obstetrícia rendeu, em 1954, o convite para periciar vítimas de violências sexuais, especialmente crianças, adolescentes e mulheres, no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues. Especialista na área, se tornou a primeira mulher médica-legista do Brasil e a primeira diretora de um Instituto Médico Legal no mundo. Como professora da Faculdade de Medicina da Bahia, foi pioneira ao assumir a cátedra de Medicina Legal.

A história e o trabalho de Maria Theresa estão compilados na dissertação de mestrado, produzida pela acadêmica Sabrina Guerra Guimarães, do programa de Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia (PPGNEIM/UFBA), intitulada “Medicina legal na Bahia: trajetória de Maria Theresa de Medeiros Pacheco (1928-2010). Uma leitura feminista”.

De acordo com as organizadoras do espaço, a programação da Tenda de Educação Popular em Saúde Maria Theresa de Medeiros Pacheco foi construída considerando as experiências nas diferentes áreas de conhecimento e os trânsitos nos diferentes espaços acadêmicos e de militância e ativismo.

Confira:

Programação da tenda de educação popular em saúde “Maria Theresa de Medeiros Pacheco”.

Conferência Nacional de Saúde das Mulheres
Com a proposta de discutir os desafios para a integralidade em saúde com equidade, a 2a CNSMu acontece em um momento de ebulição. De um lado, 2017 foi marcado pela mobilização de mulheres em defesa de direitos e contra a violência de gênero. Por outro, o Brasil vive um momento complexo, de incertezas políticas, com medidas de cortes de recursos para as políticas públicas e ofensiva a direitos sociais e trabalhistas que impactam diretamente na vida e na saúde das mulheres.

Segundo Carmen Lúcia Luiz, da Comissão Intersetorial de Saúde das Mulheres do CNS, são elas as principais usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), pois além de acessarem os serviços como usuárias, as mulheres são as principais acompanhantes de crianças e idosos. Carmen lembra também que 1ª Conferência de Saúde e Direitos das Mulheres, em 1986, já orientava evitar a medicalização a sintomas decorrentes da situação social imposta às mulheres. “Basta lembrar que mais de 70% da medicação psiquiátrica oferecida pelo SUS são reservadas às mulheres que absorvem a carga das triplas jornadas de trabalho e da violência sexista, algo que se intensificou nos últimos 30 anos, intervalo entre a primeira e a segunda conferência”.

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A tenda da saúde no FG/MM buscou articular sua programação com os eixos norteadores da 2ª CNSMu. “A contribuição da tenda à Conferência Nacional será duas em especial: o debate das ideias, da reflexão sobre as temáticas e o aprofundamento das reflexões, apontando caminhos de luta e de produção do conhecimento, além da interação das diferentes atrizes presentes em ambos os espaços, da articulação e construção de um diálogo entre a produção acadêmica sobre gênero e a experiência de luta das ativistas dos diferentes movimentos sociais presentes”, sugere Katia Souto.

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Para ela, o atual cenário brasileiro é de turbulência que ameaça conquistas democráticas e direitos sociais e humanos. “Quando a democracia brasileira está em questionamento, quando as instituições do Estado brasileiro não correspondem as suas missões e funções e os poderes constituídos perdem sua respeitabilidade, todos perdemos. O sentimento de insegurança social e política se expressa de forma difusa, numa certa letargia, mas também num ódio sobre o diferente que extrapola as ideias e se confirma no aumento da violência, da intolerância e do preconceito. As políticas públicas estão sendo retiradas, há cortes no orçamento da saúde e da educação, há o desmonte de espaços governamentais de articulação e execução de políticas públicas sociais para as mulheres, a igualdade racial, a juventude e os direitos humanos”.

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