“O pessoal é político”, frase que estampou os movimentos feministas contra a violência às mulheres nos anos 1980, ganha ainda mais sentido quando se trata da acusação de violência doméstica cometida pelo presidente da república.

É grave a acusação de violência doméstica – ainda a ser apurada –, no entanto, não deveria surpreender ninguém, tampouco seus apoiadores que compartilham de seus valores explicitamente machistas. Caso haja alguma dúvida sobre o caráter misógino de Bolsonaro, pedimos que acesse a lista que enumera 95 situações em que ele manifestou seu ódio e agiu contra a dignidade e os direitos das meninas e mulheres.

O caso de agressão física contra Michelle Bolsonaro foi trazido à tona pelo deputado federal Julian Lemos (União-PB), ex-aliado de Jair Bolsonaro (PL), durante entrevista ao podcast Arretado. Ao responder sobre a ausência de Michelle Bolsonaro em várias aparições públicas do marido, o parlamentar afirmou que a relação entre os dois seria de “fachada”. 

“[A relação de Bolsonaro e Michelle] é de fachada, fachada. Ela não aguenta nem ver ele”, disse Julian. “Ele [Bolsonaro] deu uns tapas nela, durante as primeiras férias dele, que ele foi para uma ilha. Ela foi colocar um silicone e ele deu uns tapas nela, dentro de casa. E agora deu outros empurrões nela de novo”, afirmou.

Na segunda-feira, após o resultado das eleições, o casal deixou de se seguir nas redes sociais. Conforme Julian, Michelle não esteve com Bolsonaro no primeiro discurso após a derrota dele para Luiz Inácio Lula da Silva, por causa das marcas da agressão. “Não tava porque está toda marcada”, disse ele.

A primeira-dama justificou nas redes sociais, porém, que não é o casal que administra as contas. “Eu e meu esposo seguimos firmes, unidos, crendo em Deus e crendo no melhor para o Brasil. Estaremos sempre juntos, nos amando ‘na alegria e na tristeza…’. Que Deus abençoe a nossa amada nação!”, afirmou ela. 

O fato de o assunto estar nas rodas de amigos e desafetos, e não ser levado à polícia pela gravidade que exige, só mostra a naturalização da violência doméstica em nosso país. Tapas, empurrões são violências enumeradas como se fossem o cotidiano normal de uma tradicional família brasileira, não causam assombro sequer ao desafeto de Bolsonaro ao mencioná-las

Durante todo o governo, Bolsonaro seguiu produzindo agressões públicas em tom de piada. Exemplo recente de machismo contra a própria esposa é o que ocorreu em julho deste ano, quando disse a apoiadores, no cercadinho da Alvorada, que a primeira-dama aprendeu Libras porque falava alto em casa. “Como ela falava muito alto comigo em casa, eu falei: Ai você vai aprender Libras”, afirmou, rindo. A coletânea de declarações machistas, contudo, vem sendo construída desde quando foi deputado federal. Para citar mais uma violência intrafamiliar, em 2018, afirmou que sua própria filha é resultado de uma “fraquejada”. 

Derrotado nas urnas, pelo voto popular, o rei da misoginia, que se autodenomina defensor da família, ungido de deus, deixou um legado que não pode ser negado: aquele machismo das sublinhas voltou a ser exibido como se fosse medalha nos jantares familiares.

Deixar Bolsonaro para trás, ou seja, fora do mais alto cargo da política institucional, ainda que seja comparável ao livramento de um relacionamento tóxico – tal qual o experimentado por Bruna Marquezine ao terminar com Neymar, outro seguidor do presidente –, não evita que tantas mulheres tenham que conviver com o seu Bolsonaro dentro de casa: o cidadão de bem do “pintou um clima”, o meritocrata, o machista retrógrado, por vezes retocado de verniz, que sequer lava a louça, mas considera que mulheres merecem receber um salário inferior ao dos homens por “trabalharem menos do que eles”.

De Michelle nos resta compaixão e desejo de que ela receba apoio e consiga romper com o ciclo de violência perpetuado pelo seu abusador. Da justiça, esperamos que a vítima seja protegida e que o caso seja investigado com a celeridade que exige, afinal o possível agressor é o presidente da república e merece uma punição exemplar para a garantia do exemplo público do que a sociedade não tolera.

E para as colegas casadas com bolsonaristas, um alerta: tapas e empurrões são só a ponta do iceberg, se ele pensa como Bolsonaro em alguma das questões que listamos aqui, de maneira a inferiorizar as mulheres, ele também é um abusador em determinada dimensão.  

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