Conhecida pelo seu rap feminista, a paulistana Luana Hansen, 35 anos, esteve em Florianópolis na última semana para o Rolê das Minas, uma noite que reuniu, na Casa de Noca, mulheres do grafite, da tatuagem, das artes visuais e da literatura. Negra, lésbica, moradora de periferia e produtora de sua própria música dentro de um movimento majoritariamente ocupado por homens, Luana traz no seu trabalho o grito das minorias em composições que protestam contra preconceitos, criminalização do aborto e genocídio da população negra. Exemplo é a recém lançada “Pra quem vai o seu amém”, que integra uma campanha em defesa do Estado laico, da organização Católicas pelo Direito de Decidir. “Intolerância e ódio é projeto de poder/A moralização e o sermão/É só pra esconder/ A ganância pelo dinheiro suado de quem tem fé/ Um sistema de controle/Pra pastor enriquecer”, diz parte da letra. Durante sua passagem pela capital, Luana nos cedeu uma entrevista.

Catarinas: Para você, determinados grupos religiosos que atuam para negar direitos à população LGBTT e impedir o ensino de gênero nas escolas têm responsabilidade nas violências contra essa comunidade?
Luana: 
Eles formam pessoas totalmente ligadas ao preconceito, pessoas que se acham no direito de pegar um objeto e bater na cara de outra só porque ela não segue o padrão imposto. Somos agredidas diariamente pelas mídias e religiosos que caçam e matam pessoas LGBTT com seu discurso.

Catarinas: Recentemente, a trans Dandara dos Santos foi assassinada de uma forma brutal, em Recife. Neste mês, Jennifer foi morta a pauladas em Florianópolis. Para você, o que faz o Brasil ser campeão em assassinatos de pessoas trans? De alguma forma essas violências são contempladas em suas músicas?
Luana:
Isso só coloca o Brasil num ranking que ele nunca fez questão de sair. Nesse país, a expectativa de vida de uma mulher trans é 36 anos. Lutar contra a transfobia e pela vida são temas que trabalho em músicas como “Acorda Cidade” e “Pra quem vai seu Amém”.

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Foto: Livs Fotografia

Catarinas: Você tem mais de 15 anos de carreira. Como era falar desses temas no passado e hoje? Há mais aceitação em função desse novo momento do feminismo?
Luana: 
As mulheres sempre foram feministas no rap. Tenho exemplos como Dina Di, Sharylaine, Rubia RPW, Kamila, Rose MC, Tarja Preta e Nega Gizza – que cantava “Sou Puta Sim”. Todas essas mulheres já vinham derrubando os manos machistas. Hoje, eles continuam a não dar espaço, a gente toma, cria faz e faz a porra toda. Afinal, a máxima é respeita as minas que estão no corre.

Catarinas: Como é ser mulher no movimento do rap, do hip hop? Como é ser mulher, negra, lésbica e moradora de periferia no Brasil?
Luana: 
Ser mulher dentro do movimento hip hop é lutar todo dia pra provar ser capaz. Agora ser negra, lésbica, periférica e feminista é lembrar de Luana Barbosa, que era como eu e morreu por injustiça, por lesbofobia. Sou lésbica e escolhi ser rapper, sei que por isso muitas portas se fecham. E isso é só o combustível pra nunca parar.

Catarinas: Os temas que você toca nas suas músicas de alguma forma têm relação direta com o seu cotidiano?
Luana:
Sim. Letras como Maria da Penha, por exemplo, trazem dados do último dossiê de violência contra a mulher de 2016. Composições como a versão de “Deu Onda” trazem um pouco do empoderamento da mulher por meio da liberdade sexual.

Catarinas: Em que momento você se percebeu artista? Você tem seu próprio estúdio e produz sua música, essa realidade permite maior liberdade na escolha dos temas?
Luana: Rap é minha vida, foi o que me salvou. Foi graças a ele que estou viva hoje. Ter um estúdio é de fato não só gravar o que quiser, mas também dar espaço a quem quiser, sem precisar pedir aval pra ninguém.

Catarinas: Na música “ventre livre”, você defende a legalização do aborto. Como você percebe essa negação do direito ao corpo da mulher pelo Estado?
Luana: Nunca fomos donas do nosso próprio corpo, luto contra isso. Ter o ventre livre é ser dona do corpo para que ele não seja objeto de interesse do estado. Trata-se da defesa da vida de mulheres pobres, negras e periféricas.

Catarinas: Você já sofreu discriminação por tocar em temas tabus?
Luana: 
Todos os dias. Minhas músicas são consideradas pesadas, pois falam de vários temas como genocídio da população negra, aborto e violência contra a mulher, num país onde falar “minha xota te ama” já é polêmico.

Catarinas: Você já havia se apresentado antes em Florianópolis? Como foi participar do Rolê das Minas?
Luana:
Estive em dezembro de 2005, foi a primeira vez que saí de São Paulo pra fazer um show com meu Grupo A-TAL . Desta vez, estou num contexto de carreira solo. Até agora é só gratidão. Rolê das Minas é um sonho realizado, afinal foi um encontro das minas pelas minas.

Catarinas: Luana, para quem vai o seu amém?
Luana: 
Com certeza pros meus Orixás, Motumba Axé!

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