Alguns leitores vão lembrar de nomes de chapas de movimento estudantil ao ler o título dessa análise, mas não há expressão melhor para o que vivemos. As palavras são de Carlos Lamarca, capitão do exército que lutou contra a ditadura civil militar da década de 1960 e foi assassinado na luta. O contexto parece tão difícil, o tamanho dos ataques maiores do que nossa capacidade de enfrentá-los.

O golpe continua em curso e os retrocessos não estão localizados nem no Brasil, nem mesmo na América Latina, são mundiais. A direita fascista e o rentismo ganham espaço político e apoio popular. Apoio de uma população que se depara com perdas, falta de estabilidade, aumento da exploração e se agarra em ideologias de ódio, aceitando a resposta fácil de um inimigo localizável por falta de alternativa concreta.

Aqui no Brasil o processo continua. Várias de suas etapas avançam de vento em popa. O ajuste fiscal, isto é, a destinação do dinheiro público aos banqueiros, tem seu maior apoio na Emenda Constitucional 95/2016, que congelará os gastos públicos por 20 anos. Congelará para a maioria, mas não sem proteger o orçamento do Judiciário, do Senado e da Câmara e as emendas parlamentares, todos com orçamentos individualizados (limites específicos, sem ter que disputar pela prioridade com saúde ou educação, por exemplo) e estes últimos são impositivos (retira poder discricionário do executivo e obriga a que as emendas sejam pagas) e com a desvinculação, montanhas de dinheiro vão para “pagar a dívida pública”, que está entre aspas porque não há ninguém que deva, somente quem pague e quanto mais paga, maior é essa dívida. Atualmente debatem os ajustes de outros níveis de poder, como os estados e municípios. Além de vários outros projetos que aumentam o endividamento, isto é, a transferência de dinheiro aos banqueiros, como o PLS 204/2016 em tramitação e que servirá para aumentar ainda mais a transferência. E o aumento de gastos com setores estratégicos, como a remuneração dos veículos de comunicação do golpe, como a Globo, a Band, a Folha de São Paulo e com a repressão esses também não sofrerão cortes, pelo contrário, aumentarão assustadoramente.

A privatização também vai a todo vapor, não somente com a venda direta de empresas ou com as concessões, que inclusive vem ocorrendo. Campos de exploração do pré-sal e linhas de transmissão estão sendo entregues, a exigência das empresas que bancaram o golpe vão sendo cumpridas e dilapidando o patrimônio do povo e a soberania da nação. Com o “angorá” entrando para o ministério e garantido pelo STF com foro privilegiado, continua tocando o projeto a partir da Lei 13334/2016, o tal plano de Parcerias e Investimentos. Mas, isso é a ponta do iceberg da privatização do Estado e das políticas públicas:

– a desestruturação de bancos públicos, como a Caixa e o Banco do Brasil (este último já registrando perda e deixando de ser o maior banco do país);

– a alteração de toda a política de conteúdo local;

– até mesmo a produção de moeda será privatizada e estrangeirizada;

– os planos populares de saúde para substituir o SUS que será (está sendo) desmontado;

– a própria Reforma do Ensino Médio, o maior plano de mercantilização da educação desde a ampliação do ensino superior da era FHC. O aumento da carga horária somente será possível com a compra de pacote de conteúdo de grandes conglomerados educacionais e no Brasil está a sede do maior deles, a Kroton-Anhanguera, com patrimônio de US$ 8 bi e muito mais.

A abertura da possibilidade de várias áreas de negócios a empresas estrangeiras também avança não somente com a moeda, mas com a exploração de energia nuclear, a posse e exploração da terra e de meios de comunicação tiram a capacidade de aprofundar a soberania nacional. Tem ainda as privatizações encaminhadas como exigências do ajuste fiscal e estados e municípios, como o caso da companhia de água do Rio de Janeiro (CEDAE).

A bola da vez é a Reforma da Previdência, que atende a ambos os critérios anteriores, pois transfere mais dinheiro ao sistema financeiro, aquele dinheiro que os e as trabalhadoras do Brasil tem guardado, para se prevenirem de eventualidades como doenças e incapacidades, além de poder ter uma aposentadoria quando a velhice chegar. Sim, nossa poupança, afinal todo esse dinheiro foi conquistado a partir das casas de montepios, organizadas pelos próprios sindicatos e que o Estado passou a administrar e organizar a distribuição. Que virou lei e obrigou a contribuição patronal somente depois de muita luta da classe. Junto com a Previdência, o sistema de Seguridade Social da Constituição Cidadã, aquele que conquistamos na derrota da ditadura, com alguma assistência à população, que permite aposentadoria aos trabalhadores rurais ou pensões por morte, já retirada de boa parte das mulheres no final do governo Dilma.

A retirada de direitos atinge prioritariamente as mulheres, que tendo maior formação, tem menores salários e apesar de ter duplas ou triplas jornadas terão que se aposentar somente com muito mais do que o mínimo de 65 anos de idade para alcançar os 49 anos de contribuição. Provavelmente, essa exigência será diminuída, mas ainda assim boa parte da população não alcançará a aposentadoria, porque na iniciativa privada pouquíssimas pessoas conseguirão manter-se em empregos formais por prazos de 40 anos que sejam para alcançar uma aposentadoria que será no máximo a metade de seus rendimentos. Isso além de que, no Brasil, alcançar aos 65 anos trabalhando em jornadas insalubres e sem direitos nem formação será praticamente impossível.

Por outro lado, essa contrarreforma também é privatização, já que anuncia a todos os cantos que a alternativa é adquirir previdência privada e os banqueiros estão deitando e rolando. A publicidade dos bancos já aumentou e a imprensa oficial já explicou a todos que a alternativa passa por esses planos (a menos que, segundo a Globo News, você consiga poupar 1 milhão de reais para aí poder se aposentar… ou que você seja o Mick Jagger e adore trabalhar até os 80 anos). Em resumo, acaba a aposentadoria e sua alternativa. Contribuir a vida inteira e, se você for bobo, dar ainda mais dinheiro aos banqueiros via plano privado e morrer sem se aposentar, porque todo mundo sabe que os planos privados não tem nenhuma garantia.

E tudo isso por quê? Porque o capital não tem limites, nunca está saciado e quando ele percebe que pode avançar e acumular ele o faz. Não tem absolutamente nada a ver com rombo, a média hoje é de 4 contribuintes para cada beneficiário, fazendo uma conta meio bruta, se cada a contribuição é de 33% da renda (11 do trabalhador e 22 da patronal), são necessário 3 contribuindo para cada um recebendo. Ah, e não se esqueça: você vai ter que passar a contribuir com 14%. Isso: paga mais e não recebe nada ou quase nada.

Não se esqueça que aposentadorias especiais vão terminar ou serem extremamente dificultadas. Os auxílios por doença ou as aposentadorias por invalidez foram as primeiras atingidas pela MP 739. Medidas provisórias, aliás, são expedientes que esse governo autoritário suportado pelo Congresso e Judiciário tem usado com frequência típica desse autoritarismo.

Há ainda a Reforma Trabalhista com aumento de jornada, diminuição de direitos como a multa do FGTS por demissão imotivada (é bom lembrar que o Fundo de Garantia foi criado exatamente em troca do fim da estabilidade no emprego que também existia na iniciativa privada) e, principalmente, o negociado sobre o legislado.

Por último, uma parte fundamental do golpe é a repressão e esta é uma parte que avança a passos largos. O desgoverno federa está investindo pesadamente em “segurança”. Antes mesmo das rebeliões nos presídios já estava decidido que a Força de Segurança Nacional terá seu efetivo aumentado de mil para sete mil homens. E os novos membros não serão contratados via concurso, como os anteriores, mas estão sendo recrutados entre reservistas das forças armadas. Além disso, a repressão a todas as manifestações por parte das polícias só aumenta. Várias lideranças estão sendo presas por motivações políticas, lideranças do MST e do MTST e, em duas ocasiões, direções sindicais inteiras tiveram o pedido de prisão. O aumento da burocratização das relações de trabalho no serviço público se torna uma presunção de culpa eterna. A nova decisão do STF sobre o corte de ponto – que não tem nada de realmente novo – joga uma pressão que, na prática, é política sobre gestores nesse novo momento político. Todos sabem que leis valem somente para um lado e assim o Judiciário dá contribuição importante ao golpe, mas os golpistas não acham suficiente. A cereja do bolo da repressão é o pedido de urgência na votação da regulamentação da greve no serviço público. Essa lei equivale, na prática, à proibição da greve entre servidores. A proposta, requentada e que passa a tramitar em regime de urgência exige mínimo de 50 a 80% de funcionamento durante a greve, mesmo repostos, os dias paralisados não contarão para os infinitos 40 ou 49 anos de contribuição.

Mas, de alguns lugares vem a prova de que os que se organizam,e lutam podem vencer. E vencem.
O exemplo dos servidores municipais de Florianópolis, que foram surpreendidos pelo prefeito recém-empossado com um pacote proposto em regime de urgência, convocando a Câmara de Vereadores extraordinariamente para apreciar os projetos ainda em janeiro, alegando um suposto rombo nas contas da prefeitura. Eram 39 projetos e, entre eles, um projeto que revogava o Plano de Carreira, Cargos e Salários de todos os servidores. O sindicato imediatamente convocou os servidores ao enfrentamento, na defesa de direitos conquistados ao longo de décadas.

Apesar de muita mobilização e da entrada em greve dos servidores – com alta adesão, mesmo no período de férias dos servidores em educação – sob repressão, incluindo gás de pimenta, socos e várias bombas de gás, os projetos foram aprovados.

Tudo aprovado e a categoria permaneceu em greve e decidiu que faria o prefeito e Câmara voltarem atrás. Chega o dia do início das aulas, mas elas não começam, apenas as comunidades das escolas são informadas de que servidores estão em greve. A mobilização inclui passeatas centralizadas, assembleias quase diárias, caminhadas nas comunidades, trabalho de base, quase 80% de adesão à greve, articulação com sindicatos e movimento populares de todas as áreas, deliberação em assembleia dos trabalhadores no transporte público que parariam suas atividades em solidariedade aos municipários. No 38º dia de greve, em mediação no Ministério Público, o prefeito golpista aceita apresentar projeto na câmara e volta atrás na maioria dos projetos, especialmente os que retiravam direitos dos servidores.

Essa categoria é majoritariamente composta por mulheres que trabalham nas áreas de saúde e educação. Majoritariamente de mulheres e crianças é a população que precisa e usa os serviços que estavam e estão sendo precarizados. As mulheres no Brasil, recebem em média 73,8% dos rendimentos dos homens. Essa diferença é maior entre as mulheres negras, que recebem em média apenas 35% do rendimento dos homens brancos. Se comparada a diferença entre homens e mulheres é mais significativa para mulheres que chefiam famílias, vivendo somente com as crianças, obviamente as populações mais vulneráveis. E as piores médias de mulheres estão entre as rurais, também tem a maior proporção de mulheres sem rendimento algum, trabalham em casa e nas propriedades de produção familiar. No Brasil o índice de mulheres que não tem rendimento algum caiu de 2001 a 2010 (data do último censo do IBGE), mas certamente voltará a subir.

No mundo todo, as mulheres sofrem com violência de gênero, salários menores, subjugo e exploração. São as primeiras e as maiores vítimas da onda de retirada de direitos trabalhistas, previdenciários, sociais e humanos. Também são as que veem e se revoltam primeiro quando são retiradas as políticas de assistência que atendem a infância. Nas faixas de maior pobreza, é que estão a maioria das famílias sustentadas e compostas exclusivamente por mulheres adultas e crianças. Se são trans, lésbicas, negras, indígenas ou muçulmanas são vítimas de crimes de ódio, de intolerância e preconceito. As primeiras a perderem os empregos quando o desemprego cresce são as mulheres.

E em um contexto de avanço internacional do rentismo e do fascismo, da guerra e de aumento da exploração tanto no centro, quanto na chamada periferia do mundo, nesse contexto a força das mulheres chama uma greve internacional no principal dia de luta das mulheres, em 8 de março. E a luta das mulheres também tem mostrado sua força e a importância de lutar.

Só é possível terminar como o texto começou: ousar lutar, ousar vencer!

Elenira é professora do Instituto Federal de Educação de Santa Catarina (IFSC) e diretora do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica – Seção Santa Catarina (Sinasefe/SC).

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  • Elenira Oliveira Vilela

    Professora do Instituto Federal de Educação de Santa Catarina (IFSC) e diretora do Sindicato Nacional dos Servidores Fed...

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