Um estudo da União Interparlamentar analisou que a participação feminina na política tem andado a passos muito lentos — com taxa quase estagnante de crescimento mundialmente — e que as mulheres mais proeminentes da política têm se retirado da esfera pública em razão do cansaço e do assédio sofrido ao ocuparem esse espaço.

Uma das grandes perdas foi a da neozelandesa Jacinda Ardern — que foi elogiada em razão do ótimo desempenho na gestão de crise da pandemia do Covid, e hoje sai da política e não pretende retornar em razão da violência política de gênero que sofreu.

Além dela, outras mulheres proeminentes na política vêm enfrentando batalhas muito públicas contra a misoginia – e, embora haja movimentos de resistência, a mensagem que tamanho desdém pelas mulheres que ocupam esses cargos passa para a sociedade não poderia ser mais clara: “o seu lugar não é aqui”.

Essas atitudes produzem consequências para as mulheres na política — as candidatas e as eleitas — para as cidadãs que gostariam de ver seus interesses também pautados dentro do sistema que aprenderam ser representativo, e também para a sociedade como um todo, pois ao despriorizar demandas de 50% da população — fato que ocorre quando não há representantes dos interesses dessa parcela da população em esfera pública — criam-se problemas de ordem de direitos humanos, saúde pública, economia, entre outros.

Dentre os problemas que a violência política de gênero — que mais comumente se manifesta na forma psicológica, tendo o assédio moral como meio preferido de manifestar-se —, ressaltaremos aqui algumas das implicações sociais da interrupção da participação política de mulheres em decorrência da violência.

A primeira delas diz respeito à representatividade. Embora ela sozinha não mude estruturas, o ato de ver uma figura semelhante a si na política inspira meninas e mulheres a começarem a enxergar o campo das decisões públicas sobre a sociedade como também seu.

De forma similar, ao observar episódios de violência tal qual aconteceu em casos já citados anteriormente, há um desestímulo para a participação política de mulheres.

Isso é prejudicial não apenas no nível da política institucional, mas também na política de base. Ora, se as mulheres não se vêem representadas na esfera pública, nem tampouco têm seus interesses vistos como prioridade nas pautas dos tomadores de decisão, há um desestímulo para que participem de organizações políticas locais, dado que qualquer envolvimento em prol de advogar por direitos e acessos pode ser visto como perda de tempo – recurso tão caro às mulheres, geralmente ocupadas com uma carga contínua de trabalho.

Vale dizer que a participação de mulheres na política de base é, inclusive, base para práticas de desenvolvimento social e de ampliação do acesso à direitos de outros grupos vulneráveis, como crianças e idosos.

Em decorrência do trabalho de cuidado — desproporcionalmente atribuído às mulheres —, muitos governos criam estratégias desenvolvimentistas contando com as ações locais de mulheres na construção de cidadania, por meio de grupos de discussão e formação de liderança, pela colaboração de cuidado de crianças informais que elas gerenciam nas periferias, por programas de transferência de renda que vinculam essa transferência à presença de crianças na escola, como é o caso do Bolsa Família, entre outros.

Ao atacar a participação das mulheres na esfera política, ataca-se também a possibilidade de todas as mulheres se enxergarem como cidadãs plenas em direito e em possibilidade de tomada de decisão e liderança comunitária.

O segundo ponto no qual a interrupção da participação feminina na política afeta é, justamente, no avanço dos direitos das mulheres. Ora, se não há na política institucional representantes suficientes dos interesses femininos para formar uma maioria, quanto tempo as mulheres deverão aguardar até que tenham sua cidadania e seus direitos humanos respeitados? 

Países nos quais há maior representatividade feminina na política também são países nos quais há um maior avanço nos direitos reprodutivos, no combate à violência doméstica e à desigualdade salarial, no avanço dos direitos de crianças e de maternidade — e esses fatos não parecem ser independentes um do outro.

Nesse sentido, enquanto atualmente o conservadorismo avança a passos largos na política institucional mundo afora, impulsionados pelos algoritmos de plataformas que se beneficiam e muito desse avanço, mulheres, meninas, crianças e outros grupos minoritários veem seus direitos conquistados diminuindo, sua própria humanidade negada e seus acessos dificultados.

Por fim, o maior impacto talvez seja o democrático: quando violências em âmbitos institucionais são naturalizadas, quando metade da população não se vê representada na esfera política, e quando os direitos que essa parcela da população precisa para ter acesso à uma vida digna simplesmente não são prioridade, há um enfraquecimento claro da democracia.

Ora, se democracia é o governo do povo, então o povo deve ver-se representado. E se não o faz, toda a teoria do contrato social é posta a prova: quem, afinal, assinou o contrato dando aos homens o direito de decidir sobre todos os sujeitos? Com toda certeza não foram as mulheres. E se não foram elas, de que forma poderiam validar esse sistema “representativo”?

Nas eleições de 2020, 2022 e 2024, uma análise se repetiu: foram as mulheres as responsáveis por barrar o extremismo nas urnas. São elas quem têm decidido as últimas eleições e, se são elas a não estarem representadas, por quanto tempo o Estado Democrático de Direito poderá contar com esse papel essencial?

As instituições precisam ser ativas na prevenção à violência política de gênero, e rápidas nas punições quando elas ocorrem. Também precisam incentivar a participação política de todas as mulheres – em suas diferentes raças, origens geográficas, etnias, orientações sexuais, entre outros. Somente dessa forma a paridade representativa poderá acontecer e, somente dessa forma a democracia brasileira será fortalecida.


Este texto faz parte da Cartilha Violência Psicológica Contra a Mulher, produzida pelas organizações da Aliança Pelas Mulheres (APM).

Sobre a APM 

Aliança Pelas Mulheres (APM) é uma coalizão de organizações que atua na promoção dos direitos das mulheres através de advocacy, eventos, pesquisas e a promoção de conscientização sobre violência de gênero.

A coalizão nasce do entendimento que as violências contra as mulheres e a estrutura patriarcal da qual elas nascem, sempre atreladas às estruturas racistas e classistas, são um problema complexo e que, portanto, depende de múltiplas soluções.

Ainda, a coalizão entende que a diversidade do Brasil, com suas múltiplas regiões, costumes e desigualdades, também deve ser observada ao construírem-se ações coletivas que visem a promoção dos direitos das mulheres, usando da interseccionalidade como método para pensar ações e estratégias de educação, prevenção e enfrentamento à todas as formas de violência contra as mulheres. 

Formada por organizações e consultoras residentes nas 5 regiões brasileiras, com atuações nas áreas do direito, assistência social, comunicação, educação em direitos humanos, pesquisa e psicologia, a APM traz um olhar sobre gênero multiprofissional e com foco nas interseccionalidades entre raça, classe, gênero, origens geográficas e outros marcadores sociais.

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  • Gabriela Toso

    Formada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá, especialista em Comunicação Pública pela USP, e mestre em Econ...

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