A luta para ter transporte público aos moradores da comunidade do Monte Serrat foi narrado pela jornalista Priscila dos Anjos na grande reportagem “Próxima parada Monte Serrat – a conquista do transporte público nos morros de Florianópolis”. A jornalista recuperou a história de organização da comunidade para conquistar o que já era realidade há décadas aos moradores de outros bairros da capital catarinense: o acesso ao transporte público. Dois anos depois da pesquisa, dia 12 de maio, Priscila voltou à comunidade e num encontro com lideranças e moradores, distribuiu a reportagem impressa que traz o resgate de luta do povo do Monte Serrat.

Acomodados na rua em frente a escadaria da igreja do Monte Serrat, as pessoas que acompanharam a conquista do ônibus no morro, conversavam sobre a importância do projeto de pesquisa da jornalista. O retorno da jornalista com o trabalho acadêmico, foi considerado pela comunidade uma atitude rara, pois de acordo com os moradores, a maioria dos que estudam algum tema do morro, coletam informações do  e não retornam para apresentar as conclusões do trabalho.

A filha de trabalhadores foi a primeira a se formar na universidade, fruto da política de cotas raciais | Foto: Silvia Medeiros/Portal Catarinas

“Eu tinha que retribuir à cidade onde nasci”
Priscila, formada há dois anos em jornalismo, nasceu na região continental de Florianópolis. Cercada de atenção no sábado do encontro, a curiosidade natural de jornalista, dava espaço para a timidez, disfarçada com sorriso e gargalhadas quando ouvia elogios da sua reportagem. A mãe de Priscila é empregada doméstica e seu pai técnico de enfermagem, a jornalista é filha mais velha do casal e a primeira da família a se formar numa universidade federal. Estudante de escolas públicas no ensino fundamental, Priscila entrou na UFSC através das cotas raciais, sendo uma das poucas negras da sua turma.

A grande reportagem do ônibus no Monte Serrat fez parte do projeto de conclusão de curso da universidade. Priscila queria escrever algo sobre a cidade como forma de retribuir a oportunidade de ter estudado numa universidade federal. Foi numa disciplina prática em que ela cobria uma pauta para o jornal Zero da UFSC, que a jornalista teve contato com lideranças do Monte Serrat e conheceu a luta da comunidade na busca de algo que para ela – e tantos outros moradores de Florianópolis -, era normal: ter ônibus que passe no seu bairro e próximo da sua casa.

“Comecei a fazer um cálculo de quando o transporte público começou na capital catarinense. Encontrei resultado que foi na década de 40 e já na década de 60 os ônibus tiveram grande expansão. Dai fui pesquisando e tentando entender por que essa disparidade para os morros? Foi a partir dessa pergunta que fiquei mais interessada em apresentar a história e entender como se deu este processo, até chegar a conquista de ter transporte público para a comunidade”, explica Priscila.

E ela mergulhou na construção da narrativa. Morou por três meses na comunidade e teve a oportunidade de conviver com os moradores do Monte Serrat. A grande reportagem, que foi apresentada no seu trabalho de faculdade, também foi divulgada no portal de notícias do Coletivo de Jornalismo Maruim, grupo de mídia alternativa que Priscila faz parte e que apresenta uma outra narrativa das pautas da cidade.

Parte I – Nem ônibus, nem água
Parte II – A abertura do caminho novo
Parte III – A primeira viagem
Parte IV – Transporte e comunidade hoje

A jornalista percebeu que além dessa divulgação, ela precisava levar para os moradores do Monte Serrat, a reportagem que retrata a luta dos moradores. “Quando eu terminei o trabalho pensei em como posso continuar, não queria que morresse nos arquivos da UFSC. Neste tempo um design amigo meu, Luccas Coelho junto com seu amigo Jefferson Maier, sugeriram fazermos uma reportagem impressa. A partir daí começamos a pensar o projeto e arrecadar o dinheiro necessário para distribuição gratuita aos moradores do Monte Serrat”, salientou Priscila.

Depois de uma arrecadação on line com centenas de apoiadores, mais o suporte financeiro de algumas entidades, que garantiu a impressão de 5 mil editoriais que foram distribuídos no dia do encontro e outros que serão entregues nas casas na comunidade. De acordo com Priscila, a ideia é conseguir recursos para imprimir mais alguns exemplares e fazer atividades noutras localidades da cidade. A ideia é que o maior número de pessoas possam conhecer a história de resistência dos moradores do Monte Serrat, uma comunidade que possui um histórico de privação de direitos. “Eu fui vendo durante as entrevistas que não era só o ônibus que chegou tardiamente na comunidade. Antes do ônibus, também não tinha água, não tinha energia. Tinham vários outros direitos que só pela luta da comunidade e resistência é que eles tiveram acesso. Eles tinham uma histórica privação de direitos aqui no Monte Serrat e continuam tendo”, reforçou a jornalista.

Cerca de 10 mil pessoas moram no Monte Serrat, comunidade que fica poucos minutos do centro de Florianópolis e tem no seu histórico de fundação o local de moradia dos negros e negras que vieram de localidades da região | Foto: Sílvia Medeiros / Portal Catarinas

A comunidade pede: o que já tem noutros bairros, precisa ter no morro
A comunidade que acompanhou o debate aproveitou para lembrar das frequentes melhorias solicitadas à Prefeitura Municipal sobre o atendimento do transporte público. Lucia Godoi, moradora do Monte Serrat há mais de 30 anos, conheceu as dificuldades de subir e descer o morro quando o ônibus não circulava no bairro, mas agora, 25 anos depois ela pede que o atendimento e estrutura sejam iguais aos outros bairros da capital. “Aqui a gente não tem abrigo de ônibus, quando chove preciso ficar dentro da garagem da vizinha pra não me molhar”, explicou a empregada doméstica aposentada que desce semanalmente para o centro, agora não para trabalhar, mas para fazer tratamentos de saúde.

Outra reclamação dos moradores são as ditas caroninhas, que são pessoas que pegam o ônibus em algum ponto do bairro e descem antes do ponto no terminal. Prática comum, que lota a parte de não pagantes na frente do coletivo. Para João Ferreira de Souza, o Seu Teco, liderança conhecida na comunidade e um dos principais nomes que participou da luta para trazer o ônibus para o morro, é preciso conversar e explicar que certas atitudes incomodam os outros. “A gente tem que conversar com as pessoas, foi assim que a gente conquistou o que temos aqui. Sempre conversamos e explicamos as coisas entre nós. Temos que pedir o respeito para quem paga passagem e para quem tem assento preferencial”, refletiu Seu Teco.

Sem abrigo e identificação dos pontos, tanto os visitantes como os motoristas que fazem a rota pela primeira vez, contam com a solidariedade para saberem onde que é a parada certa do ônibus. Outra reclamação desde que os ônibus começaram a rodar é a escassez de horários que atendem o morro. De acordo com líderes comunitários, essa reclamação já foi repassada para a prefeitura, mas há resposta é sempre que estão estudando os horários. “Pra gente tudo parece mais difícil, dizem que não tem abrigo pra gente esperar o ônibus por que o povo que mora aqui vão quebrar tudo. Falam isso de nós, mas os abrigos que estão quebrados estão tudo lá embaixo”, questiona Lucia.

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