As membras do Movimento Estadual das Mulheres do Ministério Público divulgaram “Nota de apoio à Ciência e solidariedade às bravas mulheres de Santa Catarina”, na qual lamentam as opiniões do deputado estadual Sargento Lima (PSL). Em sessão ordinária virtual da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, realizada em 13 de maio, o deputado fez uso de discurso misógino para confrontar os cuidados recomendados pela Organização Mundial de Saúde, para evitar a transmissão do novo coronavírus.

“Quem vai construir o futuro de Santa Catarina serão os homens de coragem e não as pessoas que estão se lambuzando de álcool gel, atochando uma máscara no rosto e escondidos embaixo de uma cama feito mocinhas na menarca”, afirmou o deputado na ocasião.

A declaração foi dada durante votação de projeto de lei nº 135/2020, de autoria do parlamentar, que considera o transporte coletivo urbano e intermunicipal como essencial no estado, ainda que em período de epidemia. O transporte coletivo está proibido em Santa Catarina desde 18 de março, após ser decretada situação de emergência para tentar frear o contágio da Covid-19.

De acordo com a nota, manifestações como essa a desse parlamentar “menosprezam o conhecimento científico consolidado, provocam desrespeito às medidas sanitárias, fomentando a desinformação e condenando à morte as pessoas que enfrentam a pandemia instalada – que ganha contornos mais graves por se tratar de opinião de membro do parlamento – mas revelam sobretudo a persistência de uma cultura machista e misógina ao igualar o agir de forma impensada, imprudente e egoísta a uma suposta qualidade masculina”.

“No Estado que leva o nome da apologética Santa Catarina de Alexandria era de se esperar que seus representantes pretendessem demonstrar a verdade de suas ideias, defendendo-a de teses contrárias, e não desqualificando a maioria de sua população – segundo o último censo o Estado de Santa Catarina possui entre a sua população 500 mil mulheres a mais do que homens – atribuindo-lhe covardia e referindo-se ao seu desenvolvimento biológico como se vergonhoso fosse”, afirmam.

Manifestações públicas atravessadas pelo machismo já são uma marca da atuação do PSL no parlamento catarinense. Em 2019, o também deputado Jessé Lopes fez colocações declaradamente machistas, tanto em plenário quanto em ruas redes sociais, conforme cobrimos nesta matéria.

Ao portal G1, o o deputado estadual tentou se explicar. Disse que não teve intenção de ofender, que a declaração “foi forte” e que, ao usar a expressão “mocinhas na menarca’, quis dizer que “é se comportar como alguém que, naturalmente, teria medo”. “Uma menina de 13 anos que tem medo de tudo. Foi com essa intenção: de dizer que a gente não pode agir de forma covarde”, justificou.

“Não se trata de ser mocinha nem se trata de ter coragem. E não se trata de dizer que quem utiliza álcool gel, que são milhares de pessoas no mundo inteiro, são menos homem ou menos mulher (…). Não gosto desse termo, mocinha, me senti ofendida como mulher”, contestou a deputada Luciane Carminatti (PT) durante a sessão.

Leia a nota do Movimento MP Mulheres – Santa Catarina na íntegra:

NOTA DE APOIO À CIÊNCIA E SOLIDARIEDADE ÀS BRAVAS MULHERES DE SANTA CATARINA

As membras do Ministério Público integrantes do Movimento MP Mulheres – Santa Catarina, ao tempo em que lamentam as opiniões emitidas pelo Deputado Estadual Sargento Lima, pelas quais declarou: “Quem vai construir o futuro de Santa Catarina serão os homens de coragem e não as pessoas que estão se lambuzando de álcool gel, atochando uma máscara no rosto e escondidos embaixo de uma cama feito mocinhas na menarca”, vêm esclarecer que a manutenção de hábitos de higiene pessoal e o uso de máscaras, aliado às medidas de isolamento, protege o indivíduo e a sociedade da infecção pelo Coronavírus e de inúmeras outras doenças, sendo isso uma verdade científica estabelecida há muitos séculos.

Que agir de forma a não adoecer a si próprio e aos demais com quem se tem contato é um ato lógico e solidário com os seus iguais.

Que quem vai construir o futuro do Estado de Santa Catarina serão Mulheres e Homens saudáveis, trabalhadores e iguais em direitos e deveres.

Manifestações que menosprezam o conhecimento científico consolidado provocam desrespeito às medidas sanitárias, fomentando desinformação e condenando à morte as pessoas que enfrentam a pandemia instalada – que ganha contornos mais graves por se tratar de opinião de membro do parlamento – mas revelam sobretudo a persistência de uma cultura machista e misógina ao igualar o agir de forma impensada, imprudente e egoísta a uma suposta qualidade masculina.

Coragem é um substantivo feminino e significa ausência de medo diante de riscos ou do perigo; bravura, valentia. Força espiritual para ultrapassar uma circunstância difícil; confiança. Capacidade de enfrentar algo moralmente árduo; perseverança. Característica das mulheres que ajudaram a construir o Estado de Santa Catarina e das encarregadas da limpeza, auxiliares e técnicas em enfermagem, enfermeiras, paramédicas e médicas, que no melhor uso de sua ciência, arriscando as suas próprias vidas, cuidam dos que se contaminaram, sem questionar sobre o seu agir eventualmente imprudente. Características igualmente de todas as trabalhadoras, servidoras públicas, policiais, cuidadoras e empregadas domésticas que diuturnamente saem de seus lares para manter os serviços essenciais funcionando com cuidado, perseverança e determinação.

No Estado que leva o nome da apologética Santa Catarina de Alexandria era de se esperar que seus representantes pretendessem demonstrar a verdade de suas ideias, defendendo-a de teses contrárias, e não desqualificando a maioria de sua população – segundo o último censo o Estado de Santa Catarina possui entre a sua população 500 mil mulheres a mais do que homens – atribuindo-lhe covardia e referindo-se ao seu desenvolvimento biológico como se vergonhoso fosse.

A infeliz manifestação enfatiza a necessidade urgente de desconstrução de estereótipos de gênero e de sério debate sobre a discriminação das mulheres na sociedade brasileira. Dessa discussão, não se furtará o MP – MULHERES – SC que, reiterando o seu objetivo de promover a igualdade de gênero e a valorização das mulheres dentro e fora das carreiras jurídicas, permanecerá atento a condutas dessa natureza e solidário a todas as mulheres, com vistas à construção de uma sociedade mais consciente, justa e democrática e que prime pela dignidade das mulheres e pela prevalência e efetividade dos direitos humanos.

Florianópolis, 15 de maio de 2020.

Movimento Estadual das Mulheres Ministério Público – Santa Catarina
Coordenação Estadual – SC

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