Neste período que a maioria das pessoas está vivendo um isolamento social, minha reflexão, hoje, é sobre como aliamos o trabalho doméstico, o cuidado com as crianças e o trabalho que as mulheres já desempenhavam antes do período da pandemia (dentro e fora de casa). A maioria das pessoas está percebendo que, também neste contexto, as atividades domésticas ainda são realizadas, na sua maioria, por mulheres. É claro que muitos homens realizam muitas atividades domésticas e cuidam de crianças. Mas ainda há uma naturalização de que essa é uma atividade de responsabilidade das mães e isso se reflete quando pensamos como será a volta do trabalho após o período de isolamento social.
Se as feministas reivindicam o direito a creches a educação pública e de qualidade para as crianças, desde a educação infantil, e essa é uma demanda que verifiquei nos periódicos feministas que estudei durante o meu mestrado, como conciliar trabalho e cuidado quando creches e escolas estão fechadas?
Esse é um grande desafio para as mães que nesse momento lutam por sobrevivência e precisam cuidar de seus filhos. Como comumente são outras mulheres que se ocupam das crianças quando as mães vão trabalhar fora de casa, como as avós, neste momento, em que há uma preocupação da transmissão do vírus para pessoas idosas, se acentua a dificuldade vivida pelas famílias que se encontram isoladas das pessoas idosas para evitar o contágio.
Muitas vezes, são as mães que estão mais sozinhas nessas tarefas. Claro que isso muda muito dependendo da região do país, da classe social, e das mães estarem ou não vivendo sozinha com seus filhos. Ao lado de minha casa, uma empregada negra continuou durante toda a pandemia servindo à família branca no cuidado dos filhos gêmeos do casal. Não sei se em algum momento foi cogitado o pagamento do salário da mesma, sem o efetivo trabalho, como muito bem fizeram inúmeras empregadoras e mulheres que tinham diaristas fixas em suas casas. Mas como essa é uma situação excepcional, as empregadas domésticas e faxineiras dependeram do bom senso e da consciência feministas de outras mulheres para permaneceram isoladas em suas casas e cuidando de si, com seus empregos preservados.
Mas o que quero dizer é que muitas mães estão cuidando sozinha de suas crianças, acrescido ao trabalho doméstico habitual, a limpeza com as compras que neste período precisa de um cuidado especial, e ainda o acompanhamento das crianças (que estão em idade escolar) nas atividades propostas por muitas escolas em uma espécie de ensino remoto ou a distância. Mas neste momento em que muitos trabalhos fora de casa estão retornando, em diferentes Estados do Brasil, como pensar que o trabalho das mulheres é o mais facilmente considerado como dispensável?
Reflito isso porque ao trabalho das mulheres fora de casa está acrescido o gasto com o cuidado das crianças, pois novamente estão naturalizando o cuidado exercido por elas, por amor e de graça.
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Para as mulheres é acrescida a responsabilidade para com as crianças, que estas permanecessem saudáveis, ativas e realizando a todo o vapor as atividades da escola, mesmo que muitas mães desconheçam os ambientes virtuais de aprendizagem. Muitas mães já se encontravam exaustas com suas atividades diárias quando tudo começou, porque já aliavam o trabalho fora de casa ao trabalho doméstico. E isso tudo foi sendo aumentado neste período de isolamento.
O que quero propor é uma reflexão sobre que o fato de que os pais quando cuidam de seus filhos não estão ajudando, e sim exercendo a paternidade, e que as mães não nasceram sabendo sobre cuidados de casa e crianças. Quero pensar junto com vocês que existe todo um aprendizado que é longo, e muitas vezes se inicia na infância, quando os brinquedos das meninas são restritos a bonecas, casinhas e seus apetrechos, sendo que aos meninos a um maior incentivo para que seus brinquedos e brincadeiras os distanciem do lar e do cuidado de outras pessoas, sendo que para as meninas há um reforço na atividade dos cuidados. E que quando se inicia uma relação maternal, muitas mulheres entendem que esse é um cuidado e uma atividade só para as mulheres pois “naturalmente” sabem fazer.
Não mesmo! Não nascemos sabendo. O cuidado é aprendido em cada dia da relação que se estabelece entre mães e seus filhos e os pais também podem (e devem) criar relações mais próximas que incentivem o cuidado e fazem com as crianças se sintam seguras sob os seus cuidados.
Ser pai não se restringe a “colocar dinheiro dentro de casa”, por que o exercício da paternidade está muito além de ser um provedor. Pois há muito tempo já aprendemos que aproximação entre os pais e seus filhos traz somente bons resultados para as relações parentais.
Mas o que queria refletir é como faremos para que nossos trabalhos fora de casa não sejam pensados apenas como ajuda e em momentos de crise sejam dispensados em primeiro lugar? Se existem impactos diferentes para homens e mulheres neste período de pandemia, o que podemos perceber nas dificuldades enfrentadas pelas mães para conciliar trabalho e cuidado neste período, precisamos refletir sobre como será a vida quando as atividades retornarem de forma normal, pois neste milhões de desempregados no Brasil, muitas foram as mulheres que perderam seus postos de trabalho.
A proposta aqui é pensarmos em estratégias sejam elas em forma de legislação protecionista ou por outras vias, como parcerias, compartilhamentos, entre outras formas que podemos somar neste esforço conjunto. Se neste momento temos um governo que não considera as pautas das mulheres como importantes (pois não temos uma secretaria forte e propositiva como tínhamos nos períodos da Secretaria de Políticas para as Mulheres dos governos anteriores), apenas uma ministra que leva na brincadeira a vida das mulheres e suas famílias, o que concluo ao ter conhecimento de que neste momento a proposta de um concurso de máscara por Damares Alves somente pode ser uma forma de brincar com a vida e as dificuldades vivida por muitas mulheres brasileiras.
Entendo que o valor dobrado para mulheres chefes de família no que se refere ao Auxílio Emergencial seja uma proposta muito ínfima diante da problemática vivida neste período. A proposta é pensamos como faremos para que os nossos trabalhos, empregos não sejam considerados menos importantes somente porque temos filhos, porque como já disse o cuidado com as crianças não é uma responsabilidade apenas das mães, mas é de todos, dos pais, que compartilhem ou não a casa e vida com seus filhos, e de todo a sociedade.
*Claudia Regina Nichnig é historiadora, advogada e doutora em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, na área de Estudos de Gênero, e pós-doutora em História e Antropologia Social.