“Transfobia é crime. Transfobia mata”, gritavam os manifestantes em passeata pelas ruas do bairro Ingleses, em Florianópolis, neste sábado (11), em protesto pelo assassinato de Jennifer Célia Henrique, 38 anos. Ativista do movimento LGBT, ela foi encontrada morta com marcas de pauladas, na manhã da última sexta-feira (10). A passeata com cerca de 100 pessoas, entre amigos e ativistas, teve início em frente ao local do crime e seguiu até a 8ª Delegacia de Polícia. O corpo de Jenni, como era conhecida, foi sepultado hoje, às 9h, no cemitério do bairro.

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Os cartazes traziam reivindicações do movimento e nomes de pessoas LGBT assassinadas neste ano, como Dandara dos Santos, 42 anos, espancada e morta a tiros, no meio da rua, em Fortaleza, no Ceará, no dia 15 de fevereiro. Durante o ato, manifestantes falaram sobre a admiração pela ativista engajada na luta contra o preconceito e manifestaram revolta contra declarações do delegado Enio Matos, titular da Delegacia de Homicídios da Capital. Ao Catarinas, ele afirmou que nunca houve um assassinato de mulher trans em Florianópolis e ao Diário Catarinense que o crime tinha como motivação “uma transa mal resolvida”.

A vítima trabalhava como revendedora de cosméticos. “Eu sou prostituta, tenho mais chances de ser morta. Jenni nunca trabalhou como prostituta. Ela não era prostituta como estão afirmando”, enfatizou a ativista trans Sophia Carolina em referência à afirmação do delegado.

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Lirous K’yo Fonseca Ávila, presidenta da ADEH, entidade que atua há mais de 20 anos em defesa dos direitos das trans e travestis, contou que Jenni já havia registrado boletins de ocorrência por lesão corporal. “Certa vez, ela precisou se fingir de morta para não morrer”, relatou. A ativista lembrou do assassinato de uma das fundadoras da entidade por policiais militares. “Faço parte de uma minoria que é respeitada em casa e acessa a universidade. Dizem que eu vejo transfobia em tudo. Tudo que sofro é transfobia sim. Tenho medo de ser quem sou. Sou tão natural quanto qualquer um. Essa é a minha natureza”, afirmou.

Lirous direcionou sua crítica ao movimento cristão que, segundo ela, ampara e justifica crimes contra pessoas que não se enquadram nas classificações tidas como padrão pela sociedade. “Que sociedade é essa que só encontra felicidade na tristeza do outro? Que Deus é esse do amor eterno que endossa o coro ‘que bom que morreu porque não seguia o padrão’ ou ‘agora a família descansou’”.

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Alexandre Gastaldi, representante do Conselho Estadual de Direitos Humanos, defendeu um ensino formal que leve em conta o respeito às diferenças humanas. “A mudança cultural ocorre através da educação. Desde criança se aprende a tratar um ser humano e isso reflete na família. É na família onde a violência acontece, é lá que as pessoas são expulsas e não têm sua identidade respeitada. No mínimo, as mulheres trans precisam ser chamadas pelo nome que respeite a sua identidade”, argumentou ele que se formou recentemente na primeira turma de pós-graduação da UFSC em Gênero e Diversidade na Escola.

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Assim como muitos ativistas que participaram do ato, Alexandre era amigo pessoal da vítima. “Ela era lutadora, ia a congressos em Brasília falar de transfobia, de saúde das trans e da importância de educação que trate as questões de gênero. Nós nunca calamos e não vamos nos calar. Vamos ocupar a Câmara de Vereadores, a Assembleia Legislativa e as escolas”, afirmou Alexandre que também integra a organização Acontece – Arte e Política LGBT.

Os ativistas lembraram ainda da lei municipal que pune atos de homofobia, lesbofobia e transfobia, e o veto do prefeito Gean Loureiro (PMDB) à multa prevista. “O prefeito considerou que R$ 60 mil é muito dinheiro para punir esses atos. Quanto vale a vida humana?”, questionou Selma Light.

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O vereador Tiago Silva (PMDB) lembrou do assassinato de Norton Batista da Silva, que aconteceu há 26 anos na avenida Hercílio Luz, no centro de Florianópolis, e prescreveu por falta de provas. “Hoje é dia da nossa morte. Estamos morrendo junto. Se tivessem prendido o assassino de Norton teríamos outra realidade hoje”, afirmou.

Em entrevista sobre o caso, publicada ontem (10), Kelly Vieira da organização Estrela Guia e Associação Catarinas falou sobre o descaso das autoridades na prevenção e punição de crimes como esse. “É mais um corpo. Um corpo que merecia a morte porque manchou o nome da família, veio trazer vergonha para a sociedade e desestabilizar o ensino nas escolas. Mulheres cis entram também nesse lugar da justificativa. A trans é violentada ainda mais, pela falta de respeito à identidade de gênero. A Jenni era uma mulher com nome retificado, reconhecida socialmente no bairro, figura notória no próprio círculo, uma revendedora de cosméticos. Você vê os traços da violência na voz de um delegado que a coloca como masculino, sendo que é totalmente contraditório com a realidade dela”, diz a ativista.

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Kelly defendeu que o assassinato de mulheres trans seja tratado como feminicídio – que tipifica como hediondos casos motivados por ódio contra a mulher. “Temos que questionar a falta do dispositivo da lei que observa isso. Cadê as mulheres trans na lei do feminicídio? A marca da vítima era o feminino”, argumenta.

Liderança na morte de trans
Esse tipo de violência é comum no país que mais mata mulheres trans no mundo. A cada 21 horas há um assassinato, segundo a ONG internacional TGEU (Trans Murder Monitor Project). Neste ano, já são 25 mortes de mulheres trans, como indica o monitoramento da Rede Trans Brasil. A maioria por tiros, facadas ou espancamento.

Conforme levantamento do Grupo Gay da Bahia, 343 pessoas da comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) foram assassinados no Brasil em 2016. Dos 343 assassinatos, 173 eram gays (50%), 144 (42%) trans (travestis e transexuais), 10 lésbicas (3%), 4 bissexuais (1%). Seis desses assassinatos ocorreram em Santa Catarina. No entanto, segundo Mariana Franco, representante da União Nacional LGBT (UNA), estima-se que 20 a 30 pessoas LGBT morram todos os anos no estado. “O número de mortes no país é muito maior, já que as vitimas não são reconhecidas pelo gênero e não existe nenhuma lei de crimes de LGBTfobia e transfobia. Os reconhecimentos necessários à identidade de gênero na hora da morte só vem através dos movimentos sociais que fazem toda uma repercussão midiática. Somos uma população sendo dizimada diariamente. O requinte da crueldade é enorme, não somos mortas com 1 tiro, é com 20, pedradas, afogamento e até queimaduras. É uma barbárie sem fim”, revolta-se Mariana.

“Cadê as mulheres trans na lei do feminicídio?”, questiona ativista

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