Jennifer Célia Henrique, 38 anos, foi encontrada morta pela polícia na manhã desta sexta-feira (10), em um terreno em frente a uma construção no bairro Ingleses, em Florianópolis. Conhecida como Jenni, ela atuava como revendedora de cosméticos. O caso está sendo investigado pela Delegacia de Homicídios da Capital. Enio Matos, delegado titular, diz que aguarda análise do Instituto Médico Legal (IML) para entender como a mulher foi assassinada. “Ele foi morto possivelmente a pauladas”, afirmou referindo-se à vítima.

“Sou uma mulher transexual desde que nasci, quem gostou gostou e quem não gostou, azar”, era assim que Jennifer se definia no seu perfil no Facebook. Segundo noticiou o jornal do bairro “Conexão Comunidade”, Jenni “era uma pessoa alegre, comunicativa, tinha muitos amigos e admiradores na Praia do Santinho, onde morava com a família. Era figura presente em todas as festas de carnaval no Norte da Ilha”. Ainda de acordo com o jornal, o crime sensibilizou a comunidade, “especialmente a legião de fãs que seguia Jennifer pelas redes sociais”.

Segundo o policial, ainda não há como definir a motivação do crime. “As investigações já iniciaram, mas o que temos ainda é muito incipiente. É possível que na próxima segunda-feira surjam novas informações”, afirmou o delegado.  Segundo ele, é a primeira vez que uma mulher trans é assassinada em Florianópolis. “Isso nunca aconteceu”, garante.

Feminicídio e os corpos sem valor
A ativista da organização Estrela Guia e da Associação Catarinas Kelly Vieira contradiz a afirmação do delegado em relação ao ineditismo do crime. Ela relembra pelo menos um caso: o de Laísa, na comunidade Chico Mendes, “brutalmente assassinada pelo companheiro”, frisa. Para a ativista, assassinatos de mulheres trans precisam ser entendidos como feminicídio. “Temos que questionar a falta do dispositivo da lei que observa isso. Cadê as mulheres trans na lei do feminicídio? A marca da vítima era o feminino”, argumenta.

“É mais um corpo. Um corpo que merecia a morte porque manchou o nome da família, veio trazer vergonha para a sociedade e desestabilizar o ensino nas escolas. Mulheres cis entram também nesse lugar da justificativa. A trans é violentada ainda mais, pela falta de respeito à identidade de gênero. A Jenni era uma mulher com nome retificado, reconhecida socialmente no bairro, figura notória no próprio círculo, uma revendedora de cosméticos. Você vê os traços da violência na voz de um delegado que a coloca como masculino, sendo que é totalmente contraditório com a realidade dela”, diz a ativista.

Recentemente, um caso similar repercutiu nas redes sociais. Dandara dos Santos, 42 anos, foi espancada até a morte no meio da rua, em Fortaleza, no Ceará. No vídeo registrado por uma pessoa que estava com o grupo de cinco agressores, a vítima aparece com marcas de sangue pelo corpo. Ela recebe ordens para subir em um carrinho de mão. Sem forças, Dandara não consegue levantar e cai algumas vezes, enquanto os agressores dão chutes direto na sua cabeça.

“O poder público não respeita o lugar do gênero e não dá importância para esses corpos sem valor social, abandonados pela família desde cedo. É como pegar uma espingarda e caçar patos. Aqui no Brasil se caça trans. O risco se impõe à própria existência. Existir é um problema. O cuspe e a pedra na Geni é muito atual. Esse risco que está para mulheres cis, se amplia para mulheres trans e negras”, afirma Kelly.

Cinco pessoas aparecem no vídeo que registrou a travesti Dandara dos Santos sendo agredida (Foto: Reprodução/Youtube)

A brutalidade, no entanto, é comum no país que mais mata mulheres trans no mundo. A cada 21 horas há um assassinato, segundo a ONG internacional TGEU (Trans Murder Monitor Project). Neste ano, já são 25 mortes de mulheres trans, como indica o monitoramento da Rede Trans Brasil. A maioria por tiros, facadas ou espancamento.

Conforme levantamento do Grupo Gay Bahia, 343 pessoas da comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) foram assassinados no Brasil em 2016. Dos 343 assassinatos, 173 eram gays (50%), 144 (42%) trans (travestis e transexuais), 10 lésbicas (3%), 4 bissexuais (1%).

Seis desses assassinatos ocorreram em Santa Catarina. No entanto, segundo Mariana Franco, representante da União Nacional LGBT (UNA), estima-se que 20 a 30 pessoas LGBT morram todos os anos no estado. “O número de mortes no país é muito maior, já que as vitimas não são reconhecidas pelo gênero e não existe nenhuma lei de crimes de LGBTfobia e transfobia. Os reconhecimentos necessários à identidade de gênero na hora da morte só vem através dos movimentos sociais que fazem toda uma repercussão midiática. Somos uma população sendo dizimada diariamente. O requinte da crueldade é enorme, não somos mortas com 1 tiro, é com 20, pedradas, afogamento e até queimaduras. É uma barbárie sem fim”, revolta-se Mariana.

Protesto
Ativistas se mobilizam para um ato de protesto, amanhã (11), às 10h, no local do crime – nas proximidades do supermercado Angeloni.

 

Atualizada às 16h50

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