“O ato é um convite, um chamamento, a luta dos povos indígenas é de todos. E as mulheres brancas têm uma responsabilidade grande de estar ao nosso lado” – Avelin Buniacá Kambiwá.

Alerta de gatilho: a matéria abaixo contém descrição explícita de violações.

Na última semana (23/11), Ana Beatriz, uma menina indígena de cinco anos, da etnia Sateré-Mawéfoi, foi mais uma vítima de feminicídio. A criança foi capturada por volta das 4h30 em sua casa, na aldeia Nova Vida, enquanto dormia. Após o rapto, Ana Beatriz foi levada a uma região de mata – onde foi estuprada e morta. A mãe, de apenas 25 anos, ao notar o sumiço da filha começou as buscas com apoio da comunidade. O crime ocorreu no município de Barreirinha (330 km de Manaus, capital amazonense), conforme informações da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). 

O médico do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), Rafael Lopes, em entrevista a um jornal local, afirmou que a menina apresentava laceração vaginal e hematomas no pescoço e boca e que, após ser estuprada, foi morta por estrangulamento. A polícia prendeu um adolescente que assumiu a autoria do crime e alegou estar sob efeito de drogas e bebidas alcóolicas. Outros dois homens adultos suspeitos seguem foragidos. O caso está sendo investigado pela 42ª Delegacia Interativa de Polícia (DIP) de Barreirinha. 

O silêncio em torno do estupro e feminicídio de mais uma criança indígena mobilizou hoje (30/11), nas redes sociais, a ação #JustiçaporAnaBeatriz. Em vídeo no twitter, Avelin Buniacá Kambiwá, guerreira indígena, socióloga e professora, conclamou por visibilidade para o caso. 

“Hoje faz uma semana que o caso ocorreu e o silêncio em torno dele é assustador. Não teve divulgação nas mídias, nos movimentos sociais. Fingir que nada aconteceu é invisibilizar a violência contra as mulheres e as meninas indígenas. Nós estamos morrendo há 520 anos. E, no momento da pandemia, estamos sofrendo ainda mais”, afirma Avelin Buniacá Kambiwá em entrevista ao Portal Catarinas. 

“Justiça por Ana Beatriz! Chega de morte e violência contra mulheres e meninas indígenas”

Na tarde do último domingo (29/11), ocorreu uma manifestação organizada pelo coletivo “Justiça por Ana Beatriz”, em Parintins (AM). Além desta, um ato está sendo organizado para acontecer amanhã (01/12), em Belo Horizonte, às 17h, na Praça 7. 

Além de visibilizar o feminicídio, o ato “Justiça por Ana Beatriz” tem a intenção de chamar a sociedade não indígena para corresponsabilidade na luta contra violência de mulheres e meninas indígenas. “O que ocorreu é a culminância de vários séculos de violência. Em tempos de internet, de empoderamento feminino, a indignação não pode ser seletiva”, diz Avelin Buniacá Kambiwá. 

Como lembra a socióloga e guerreira indígena, o caso da pequena Ana Beatriz, infelizmente, não é isolado. O estupro de mulheres e crianças indígenas é um problema sistêmico que ocorre desde a colonização do Brasil e permanece nos dias atuais, como estratégia de controle patriarcal dos corpos e das terras. 

Em “A violência sexual como uma ferramenta de genocídio”, Andréa Smith, da etnia cherokee – um dos povos originários do território atualmente chamado Estados Unidos da América -, afirma que: “O projeto de prática de violência sexual nas colônias estabelece a ideologia de que os corpos indígenas são naturalmente violáveis – e, portanto, as terras indígenas também são naturalmente violáveis”.

A invisibilidade da morte de Ana Beatriz revela também o racismo estrutural, a dupla violência à qual as mulheres e meninas indígenas estão expostas, como afirma Avelin Buniacá Kambiwá. “O caso não foi numa comunidade isolada, estava a menos de 500 km de Manaus. O silenciamento traz luz a feridas ancestrais na invenção do Brasil. O processo de miscigenação ocorreu em cima de estupros”, denuncia. 

De acordo com um relatório da ONU a nível mundial, publicado em 2010, mais de uma em cada três mulheres indígenas são estupradas ao longo da vida – e a violência faz parte de uma estratégia para desmoralizar a comunidade ou como “limpeza étnica”. O Relatório “Violência contra os Povos Indígenas no Brasil”, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), documentou 15 casos de estupro de indígenas em 2018, sendo sete deles envolvendo criança (em declaração, o Cimi explicou que os dados dos Relatórios de Violência do Conselho carecem de informações que proporcionem uma análise mais aprofundada dos casos). 

Edição de Morgani Guzzo.

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  • Inara Fonseca

    Jornalista, pesquisadora e educadora. Doutora (2019) e mestra (2012) em Estudos de Cultura, pela Universidade Federal de...

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