O Monte Serrat integra uma das 16 comunidades do Maciço do Morro da Cruz e é também conhecido como Morro da Caixa. Sua ocupação inicial está ligada ao fim da escravidão, quando a população negra escravizada buscava a região como refúgio.
“Vozes Negras em Florianópolis: Escrevivências Antropológicas do Morro das Mulheres” (Appris Editora) é o primeiro livro de Cauane Maia, em que autora parte das vivências e experiências dos moradores do Pastinho, localizado próximo à cumeeira do Morro da Caixa/Monte Serrat, em Florianópolis, para mostrar o protagonismo da população negra, sobretudo das mulheres.
O livro é resultado de sua dissertação de mestrado, defendida em 2018 no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Seu interesse foi investigar o protagonismo das mulheres negras em uma região onde a população negra é invisibilizada desde a colonização açoriana em Florianópolis e a de outras populações europeias em Santa Catarina.
“Tive grande interesse em investigar como essa população vai reivindicar essa negritude em um lugar em que se reivindica açorianidade, que nega outras culturas”, relata. Na pesquisa, Cauane identificou diversas mulheres atuantes e lideranças femininas. “É o Morro das Mulheres Negras e essa é a grande novidade do meu trabalho”, observa.
Segundo a pesquisadora, as vozes da comunidade são, em grande medida, as vozes das mulheres negras. “As mulheres estão no contexto de construção da comunidade, mas também no contexto de construção da capital catarnse. Elas aparecem durante todo o processo de formação da comunidade e são reconhecidas por todas as pessoas com quem tive contato e, também, nas pesquisas que pude ler. Essas mulheres aparecem em papéis cruciais, de importância muito forte”, conta.
Seja em seus ofícios de lavadeira ou trabalhadoras domésticas para a elite catarinense, seja nos mutirões de construção da comunidade, as mulheres criaram formas de subsistência para suas famílias e são as maiores responsáveis pela viabilidade dos estudos de grande parte da comunidade.
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“Elas percebem a importância da educação nesse processo de emancipação da comunidade, então, elas articulam para a criação desses espaços e para disputar politicamente melhorias para a comunidade. São mulheres que podem contar a história da constituição comunitária a partir de suas próprias histórias, como é o caso da trajetória de Maria de Lourdes da Costa Gonzaga, conhecida como Dona Uda. São mulheres muito dinâmicas que criam o movimento dentro da própria comunidade”.
Método de pesquisa: Escrevivências
Durante seis meses, Cauane morou na comunidade para se aproximar melhor da realidade. Esse contato fez com que ela optasse por abrir mão de técnicas tradicionais de pesquisa e criasse uma metodologia que ela chamou de “escrevivências”, um conceito criado pela escritora Conceição Evaristo que significa escrever as vivências e que Cauane adaptou para a antropologia. “A intenção é valorizar as vivências e experiências das moradoras da comunidade como metodologia, para trazer as vozes das mulheres da comunidade”, explica a pesquisadora.
Segundo Cauane, o método tradicional de pesquisa não funcionava na comunidade, pois não permitia a aproximação com as/os moradoras/es. “Chegar com um gravador e um bloco de notas e realizar uma entrevista estruturada não tinha efetividade. A própria comunidade se fechava e se sentia, de certa forma, intimidada pela formalidade do método. Mas eles gostavam de contar histórias sobre a comunidade, e isso exigia outra ferramenta metodológica. Isso eu só compreendi quando eu fui morar na comunidade”, relata.
Residir na comunidade foi essencial para que a pesquisadora pudesse acessar as memórias do território, que eram compartilhadas de forma mais informal pelos/as seus/suas moradores/as. Além disso, essa memória também tinha registros. Segundo Cauane, a própria comunidade já produzia cadernos de memórias.
“Ninguém contava histórias do morro, então esses materiais recuperam como aquele lugar se formou, as grandes personalidades, e as mulheres estavam sempre ali como importantes lideranças. Eu queria entender, escrever essas vivências e experiências por essa perspectiva da memória, da contação de história, de recuperar o passado, com o viés antropológico”, explica.
Lançamento
Por conta da pandemia, o lançamento oficial do livro não terá um evento presencial. Por isso, entre as ações criadas por Cauane para marcar este momento está o lançamento de um vídeo, gravado na própria comunidade.
Assista abaixo:
Sobre a autora: Paulista, Cauane Maia foi criada em Salvador antes de vir para a Ilha, em 2008. Por aqui, atuou junto a movimentos sociais negros e feministas e atualmente realiza o doutorado em Antropologia Social pela UFSC e integra o grupo Cores de Aidê.