#9M, dia de protesto contra todo e qualquer trabalho doméstico não remunerado.

Na Itália, desde o dia 5 de março, manifestações, passeatas, encontros e eventos públicos foram proibidos, museus, teatros, cinemas e bibliotecas foram fechados, as atividades didáticas de escolas e universidades foram suspensas em todo o território nacional, assim como os eventos esportivos. As autoridades pediram à população para ficar em casa e, possivelmente, trabalhar em regime de home office.

A “quarentena forçada” é uma das várias medidas de segurança apresentadas no decreto ministerial assinado, na noite de 7 de março, pelo Primeiro Ministro, Giuseppe Conte, como forma de conter a transmissão do coronavírus, uma vez que o País concentra um número altíssimo de casos confirmados: são 6387 resultados positivos, segundo dados do Ministério da Saúde e da Proteção Civil, atualizados em 8 de março de 2020.

Os coletivos e grupos feministas decidiram, então, protestar on-line, através das redes sociais. O coletivo radical transfeminista Non Una di Meno, o mais expressivo do país, decidiu acatar e respeitar as medidas de segurança em nome da coletividade, alegando que sair às ruas para protestar colocaria em risco muita gente. Mas ressaltam: “as mulheres são as mais afetadas por essa medida”, uma vez que “somos precárias, dentro e fora de casa”. Ainda que se trate de uma situação “nunca antes vista, são as mulheres as que mais sofrem com tais medidas, uma vez que, como se não bastasse a diferença de salários entre os gêneros, o trabalho doméstico será, mais uma vez, responsabilidade da mulher que não for trabalhar por causa da medida ministerial”, declararam em nota à imprensa.

8 e 9 de março: greve transfeminista: “um único dia de greve não é o suficiente!”

8 e 9 março: paralisação geral: greve global feminista 2020: um único dia não é suficiente, precisamos de dois! 

A seção local Non Una di Meno Perugia, em sua página no Facebook, deu algumas sugestões de como protestar “de casa”: usar o pañuelo fúcsia – símbolo de luta e resistência para o coletivo –, tirar fotos e postá-las nas mídias sociais, criando uma rede de protestos online, através de hashtags como #8M #ScioperoTransFemminista (greve transfeminista, ndr). Outra ideia seria gravar um vídeo do tango transfeminista (letra disponibilizada pelo próprio coletivo, ndr). 

As ruas de algumas cidades italianas acordaram com cartazes e protestos visuais:

 

 Já a seção romana de Non Una di Meno decidiu protestar seguindo a distância de segurança de 1 metro, de acordo com o decreto ministerial. As participantes organizaram um flashmob contra a violência de gênero.

Em Bolonha, cidade que conta com 49 casos confirmados de coronavírus e cujas cidades vizinhas estão em quarentena forçada, o protesto teve hora marcada: às 16h, hora local, Non Una di Meno Bologna convocou as manifestantes a sair na janela e gritar, fazer barulho, bater panela por 5 minutos e usar a #LottoTuttiIGiorni (luto todos os dias, ndr) para compartilhar os vídeos e fotos nas redes sociais.

A direção geral do coletivo convocou também uma paralisação total das atividades domésticas no dia 9 de março (#9M). Ressaltam que é importante “fazer greve de todo e qualquer trabalho doméstico e de todas aquelas atividades em que, todos os dias, nos vemos obrigadas a fazer, simplesmente por sermos mulheres”. A ideia de fazer greve também na segunda-feira pós-8M é uma forma de chamar a atenção da sociedade sobre as tarefas invisíveis pelas quais as mulheres são as únicas responsáveis, como planejamento, organização e tomada de decisões em casa, a famosa carga mental. 

Entenda o caso italiano

De acordo com o portal InGenere, o trabalho não remunerado das mulheres italianas equivale a 5% do PIB da Itália. Isso porque as mulheres italianas exercem, em média, 16 horas a mais de trabalho não remunerado por semana, em casa, em relação aos homens italianos. As italianas são também as únicas responsáveis pelo cuidado com os familiares, casa, filhos e principalmente com os familiares idosos.

Outro fator que afeta diretamente a vida das mulheres italianas é a grande incompatibilidade entre carreira e maternidade: só em 2018, mais de 11% das mulheres não conseguiram se reinserir no mercado de trabalho após o parto. A licença-maternidade, no país, cobre somente os cinco meses após o nascimento do bebê, não contemplando, desta forma, os estágios finais da gravidez. Somado a isso, também há uma grande a pressão, por parte dos superiores, para que deixem o trabalho no retorno da licença e, claro, a precariedade do trabalho. Muitas acabam, por fim, deixando o emprego e dedicando-se exclusivamente às atividades domésticas – não por escolha, mas por falta de políticas públicas que lhe assegurem uma estabilidade na carreira.

Non Una di Meno ressaltou, ainda, a importância da criação um movimento global transfeminista, não se esquecendo de jamais incluir as mulheres trans e as pessoas LGBTQIA+ na luta. Declaram que sem elas, o movimento feminista não é somente excludente: está destinado a falir. Na Itália, só em 2020, foram mortas mais de 15 mulheres no total, dos quais seis mulheres trans.

Autoria: Bruna A. Paroni

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