Em súmula aprovada na semana passada, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) decidiu pacificar o entendimento de que bacharéis em Direito que apresentem histórico ou estejam respondendo processo por casos de violência contra mulher não podem ter as suas inscrições aceitas. A medida, aprovada pelo Conselho Federal da OAB, compreende que mesmo em casos pendentes no Judiciário, sem condenação, a violência contra mulheres caracteriza falta de idoneidade moral, incompatível com o exercício da profissão. A decisão figura ainda como mais um movimento de enfrentamento aos graves índices que o Brasil apresenta no que se refere ao tema.

A presidenta da Comissão da Mulher Advogada da OAB/SC, Rejane da Silva Sánchez, acredita que a medida vem a ser um exemplo para outras instituições, públicas e privadas, podendo figurar como fator de legislação, movimentando o legislativo para a criação de medidas efetivas do combate à violência contra a mulher. A decisão não prevê a negativa de inscrição somente em casos de violência física, mas também em relação a pessoas envolvidas em situação de discriminação e menosprezo contra mulheres, sendo válida não apenas para o ingresso de bacharéis, mas para juízes e promotores ou qualquer pessoa de carreira pública formada em Direito que queira ingressar ou retornar ao quadro.

A súmula, enquanto uma pacificação de um entendimento sobre determinada matéria, inibe que interpretações muito diferentes sobre o tema sejam feitas. Rejane relata um caso em que um juiz de Alagoas que foi exonerado da sua função por violência doméstica e pediu a inscrição na ordem, não sendo esta concedida. Contudo, uma outra situação, em Brasília, um promotor, também com processo em andamento, mas sem condenação, teve o ingresso na ordem autorizado.

“Um estado decide de um jeito e outro de forma diferente. Assim é o Judiciário. Quando você sumula, pacifica o entendimento, todos os órgãos julgadores passam a adotar esse mesmo tipo de entendimento. Por isso a importância”, afirma.

Rejane explica também que a idoneidade moral já era um requisito para a inscrição de bacharéis na ordem e não se refere à uma postura conservadora, mas no sentido de viver com ética, com respeito. “Quando a pessoa assina o pedido de inscrição, nós buscamos informações sobre ela. Se eu perceber que ela tem algum processo em trâmite, por exemplo, por estelionato ou furto, mesmo que o processo não seja transitado em julgado, posso enquanto relatora dizer que não tem idoneidade moral para compor os nossos quadros”, diz. Caso já tenha sido julgado, a certidão negativa necessária já não permitirá o acesso à profissão, pois a vida pregressa também é analisada.

Após este primeiro parecer, a pessoa é chamada para responder sobre a situação e o processo é encaminhado para o Conselho da seccional, no âmbito estadual, sendo o órgão máximo pra este tipo de encaminhamento. Será feita uma votação, com direito ao contraditório, e a decisão será emitida.  Além do processo, caso a relatora ou relator não detectar algum fato, a decisão de ingresso na ordem de todos os advogados é divulgada em edital para que toda a sociedade possa indicar algo que impeça o exercício.

“A análise da idoneidade é subjetiva, mas a OAB atenta para as transformações sociais, sempre na defesa da vida, das mulheres, na defesa da diversidade. E esse gesto do Conselho Federal de aprovação de uma súmula desta natureza é mostrar que a OAB quer dar um recado, mostrar que a sociedade precisa estar atenta e entender que esse é um problema social. A violência contra a mulher virou um epidemia, infelizmente”, destaca.

O pedido de edição de Súmula para estes casos foi feito pela Comissão Nacional da Mulher Advogada, por meio de uma Consulta ao Plenário do Conselho Federal da OAB, sobre os quesitos de idoneidade moral para a obtenção da inscrição como advogado. Para Rejane Sánchez, as comissões tem trabalhado por uma mudança de paradigma, conseguindo atualmente também um olhar diferenciado sobre essas temáticas por parte dos gestores da Ordem, que ainda são somente homens.

“A comissão é permanente, promove ações como essa e tem acompanhado medidas legislativas e participado de discussões em entidades. Ela vem na esteira do que a sociedade está pedindo, que é dizer chega para a desigualdade, chega de desrespeito, nós somos seres humanos”.

Outra súmula importante (nº 10/2019) aprovada na ocasião também se refere à idoneidade moral, definindo “a prática de violência contra crianças e adolescentes, idosos e pessoas com deficiência física ou mental constitui fator apto a demonstrar a ausência de idoneidade moral para a inscrição de bacharel em Direito nos quadros da OAB, independente da instância criminal, assegurado ao Conselho Seccional a análise de cada caso concreto”.

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