A desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, acolheu recurso da deputada estadual eleita, Ana Caroline Campagnolo (PSL), para que ela volte a incitar em suas redes sociais estudantes catarinenses a gravarem e filmarem todas as “manifestações político-partidárias ou ideológica” por parte de professores que ela chama de doutrinadores. A decisão cautelar suspende a ordem liminar do Juiz da Vara da Infância e da Juventude da Capital, expedida em 1° de novembro, em atendimento à ação civil pública ajuizada pelo MPSC. O mérito do agravo de instrumento ainda vai passar por julgamento do colegiado, por parte da 3ª Câmara Cível do TJ.

Entenda o caso. 

Divulgada na tarde de quinta-feira (24), a medida gerou manifestação imediata da Confederação Nacional das/os Trabalhadores em Educação, que pede ao Ministério Público de Santa Catarina – autor da ação contra a deputada – que recorra da decisão. O pedido busca “cessar a malfadada apologia a práticas ilegais contra professores no Estado de Santa Catarina”. De acordo com a assessoria de imprensa do MPSC, o órgão ainda aguarda intimação da decisão para avaliar possibilidade de recurso.

Na nota “Decisão de desembargadora do TJ-SC sobre práticas da “Escola sem Partido” afronta liminares do STF”, a entidade afirma que a decisão desrespeita recentes liminares concedidas pelo Supremo Tribunal Federal contra leis estaduais e municipais denominadas “Escola sem Partido”, “incluindo a prática lesiva do denuncismo contra professores em razão de conteúdos lecionados em sala de aula”.

Conforme o texto, ao desconsiderar cinco decisões do STF relacionadas à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5537/AL e da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 457/GO, 461/PR, 465/TO e 526/PR, a desembargadora desafia o entendimento majoritário, embora preliminar, do tribunal responsável pela garantia das normas constitucionais do país.

O documento destaca que as cautelares do STF, que suspenderam leis da Escola sem Partido no Estado de Alagoas e em outros municípios do Brasil, embora não tenham efeito vinculante, “apontam inconstitucionalidades formais e materiais em todas as legislações aprovadas por parlamentos subnacionais, chegando a explicitar as consequências danosas da prática de perseguição a professores”.

A decisão

O título da matéria que divulga a decisão da magistrada no site do TJSC dá o tom da decisão: “Tribunal permite retorno de postagem de deputada contra proselitismo em sala de aula”. Para a desembargadora, a questão passa pela chamada “Escola sem Partido”, que no seu entendimento é a possibilidade ou não do professor ultrapassar “o limite de sua cátedra para ingressar na seara da doutrinação político-ideológica”.

Segundo a matéria, a desembargadora foca em dois pontos que antecedem esse debate: a possibilidade da deputada se colocar como uma espécie de “ouvidora social em defesa de alunos vítimas de abusos ou excessos em sala de aula, e o direito dos estudantes gravarem aulas ou momentos pontuais em que agressões dessa natureza ocorrem”.

A desembargadora Rocio não vê qualquer impedimento legal tanto no canal de denúncias, a qual chama de ouvidoria social, quanto na possibilidade das/os estudantes gravarem as aulas.  “Não vislumbro nenhuma ilegalidade na iniciativa da (…) deputada estadual eleita, de colocar seu futuro gabinete como meio social condensador do direito que todo cidadão possui, estudantes inclusive, de peticionar a qualquer órgão público denunciando ato que entenda ilegal praticado por representante do Estado, sobretudo quando se tratar de ofensas e humilhações em proselitismo político-partidário travestido de conteúdo educacional ministrado em sala de aula”.

Rocio determina também o chamamento de outros atores, tais como associação de pais, sindicato de professores, dirigentes da rede de ensino, para intervirem na “ouvidoria”.

Práticas ilegais


Tanto a criação de canal de denúncias, quanto a gravação em sala de aula, acolhidas pela desembargadora, foram considerados ilegais na ordem liminar do Juiz da Vara da Infância e da Juventude da Capital ,que estabelecia multa diária de mil reais em caso de descumprimento. Em relação ao “canal de denúncias”, o juiz Giuliano Ziembowicz, seguiu a sustentação do Promotor de Justiça Davi do Espírito Santo na Ação Civil Pública. Segundo ele, os serviços de recebimento de denúncias acerca da atuação de servidor público só podem ser realizados no âmbito do Poder Público, nunca por particulares, sob pena de ferir a Constituição Federal e o princípio da impessoalidade.

“O princípio da impessoalidade, próprio da Administração Pública e que vem de encontro a qualquer direcionamento ideológico, ao contrário do que aparentemente proporciona o ‘canal de denúncias’ criado e utilizado pela requerida, onde existe expressa referência às eventuais discordâncias ideológicas que são objetos das pretendidas denúncias”, sustenta a liminar.

Sobre a gravação das aulas, o juiz manifestou que tal atitude configura descumprimento da Lei Estadual n. 14.363/2008, que proíbe o uso do telefone celular nas escolas. “Sua conduta ao recomendar a realização de filmagens nas salas de aula representa, exploração política dos estudantes, pois está ligada à intenção de deles tirar proveito, político ideológico, com prejuízos indiscutíveis ao desenvolvimento regular das atividades escolares, quer pelo incentivo à desconfiança dos professores quer pela incitação dos alunos catarinenses ao descumprimento da Lei Estadual”.

Como explica o juiz Giuliano Ziembowicz, na decisão liminar, a deputada eleita teria

“implantado o que seria um regime de delações informais e anônimas, visando impor um regime de medo e terror nas salas de aula”. Além disso, estaria “desafiando e humilhando professores com suas postagens”.

À época, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Sinte-SC (Sindicato dos Trabalhadores em Educação na Rede Pública de Ensino do Estado de SC) também se manifestaram contrários à postura da deputada eleita.

Antes mesmo da manifestação do MPSC, o MPF em Chapecó recomendou que o projeto que se intitula “Escola sem Partido” configura claramente mais uma concepção ideológica, também constitui um “credo em luta”, pois pretende restringir o ensino e a aprendizagem a um conjunto de temas e conteúdos e segundo uma específica concepção pedagógica que crê serem os únicos adequados a se trabalhar em sala de aula.

Uma petição lançada no site Avaaz pede a impugnação da deputada e já colheu quase 500 mil assinaturas. O projeto intitulado “Escola Sem Partido” e chamado pelos professores de “Lei da Mordaça” já foi considerado inconstitucional pelo Ministério Público Federal (MPF).

 

 

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