Já é de longa data que o movimento feminista conhece e utiliza o termo transfobia, ou para quem o desconhece trata-se da rejeição e preconceito a pessoas travestis e transexuais. Mas por que a sociedade continua excluindo pessoas transexuais? Por que é tão difícil a família amar uma pessoa trans? Ou por que essas pessoas não têm relacionamentos afetivos e duradouros? Já se perguntou quantas pessoas trans você conhece e quais mantém laços familiares e ou, relacionamento vívido, público?

Existe uma grande dificuldade de pessoas trans em manterem laços de afetividade, seja com família, seja com amigos, ou com alguém para um relacionamento amoroso. Principalmente pela exclusão social que pessoas trans sofrem, uma segregação existente no Brasil desde a época quando éramos colônia, mas que se aprofundou durante o período da ditadura militar.

Sim! Existíamos na ditadura militar, claro que éramos proibidas de sair na rua de dia, só nos era permitida a vida noturna, por isso se cultua tanto no Brasil a ideia de que somente na calada da noite as encontramos, como deusas paradas nas esquinas das cidades brasileiras.

Quando vemos uma pessoa trans, em sua grande maioria como dita anteriormente, não imaginamos que no resplendor da sua beleza e magnitude, paradas como uma fênix nas esquinas, o sofrimento que
elas passaram para estar ali foi concebido principalmente na sua adolescência.

A grande maioria de travestis e transexuais, por volta dos 14 aos 17 anos, quando se identifica como uma pessoa trans e começa a externalizar a sua identidade de gênero, é “convidada” a se retirar de seus lares, a se retirar das suas famílias. Essa é uma das grandes causas de morte de travestis e transexuais no Brasil, o país que mais assassina pessoa trans no mundo, onde a expectativa de vida é de 27 anos.

As violações de direitos humanos de pessoas trans no Brasil, desde o acesso à educação e mercado de trabalho, são normatizadas e aceitas, transmitidas por gerações, sendo as mulheres socioeconomicamente mais empobrecidas e negras as mais vulneráveis aos casos de violências, já que muitas moram nas periferias, regiões onde o Estado está completamente ausente.

Existe uma grande dificuldade em debater com as famílias que têm entre suas/seus integrantes uma pessoa trans, pois há um desconhecimento do que seria uma pessoa com gênero diferente daquele designado no nascimento. São existentes ainda na sociedade brasileira, e mundial, as características societárias de uma pessoa trans, somos ainda vistas como prostitutas, traficantes, usuárias de drogas ilícitas. Somos ainda vistas como objeto sexual.

Enquanto não cessarem esses estereótipos, muitas pessoas trans em sua infância e adolescência serão expulsas de suas casas. Qual o significado do termo pessoas trans? Pois somos transgressoras da norma, realizamos o enfrentamento do desvio social, não concordamos com o modelo binário de gênero.

Infelizmente como mencionado antes, a maioria das pessoas trans expulsa de casa se identifica com o feminino. Claro que pessoas trans que se identificam como homens transexuais também sofrem exclusão familiar, porém a rejeição é mais frequente em casos de transexuais mulheres, pois a família não aceita a ideia de uma mulher trans rejeitar o privilégio de se ter nascido homem. Assim como a sociedade em geral.

A ideia de você nascer homem e transicionar para uma mulher é cultuado como um golpe no útero de uma mãe. O processo da transição de gênero é automaticamente o processo de exclusão social. 90% de pessoas transexuais sobrevivem como trabalhadoras sexuais, não que isso seja algo que devemos criticar, cada pessoa tem liberdade de fazer o que quiser com o seu corpo, mas que a prostituição não seja somente a única oportunidade de trabalho para alguém.

Muitos empresários não contratam pessoas trans, por não saber como lidar com uma pessoa trans na sua empresa, ou porque ele prefere que uma pessoa trans esteja na esquina esperando por ele, do que ele empregando. Sim, homens de classe média e alta que sustentam o mercado de prostituição de pessoas trans, afinal, o Brasil é o país que mais consome matérias pornográficos de pessoas trans no mundo. Se somos o país que mais consome este tipo de material, por que somos o que mais mata?

Existe também uma exclusão social por parte de amigos, onde muitos possuem vergonha de sair em público com uma pessoa trans, para não ser identificado como uma, ou para as demais pessoas não julgarem que este esteja se relacionando afetivamente ou financeiramente com uma pessoa trans. Por isso o índice de depressão e ansiedade entre pessoas trans é exorbitante, pois são pessoas sozinhas, excluídas, renegadas. Para além da convivência societária, a vida afetiva de uma pessoa trans é dolorosa.

Violências psicológicas se perpetuam no questionamento sobre a cirurgia de transgenitalização, principalmente a mulheres trans, situado no fetiche criado a partir da sexualização dos corpos trans. Mas a sociedade esquece que não somos objeto, não leva em conta nossas vontades e sentimentos. Por isso, existe um grande aumento dos relacionamentos de mulheres transexuais lésbicas, ou seja, quando uma mulher trans namora uma outra mulher, independente dela ser cisgênero ou transexual.

Percebemos um aumento também dos relacionamentos heterossexuais entre pessoas trans, quando uma mulher trans namora com um homem trans. Existem muitos homens que possuem o desejo de se relacionarem afetivamente com uma pessoa trans, mas não são preparados para lidarem com o preconceito da sociedade, por isso nos pedem “sigilo”, termo que toda pessoa trans conhece.

Muitos pedem encontros com pessoas trans sem ninguém mais ficar sabendo, escondidos de tudo e de todos, pois namorar uma pessoa trans ainda não foi aprovado pela sociedade. Nada pode ser em público.
A exclusão social e a falta de afetividade que pessoas trans sofrem diariamente, resultam a aceitarem este tipo de relacionamento, o do sigilo, e viverem diariamente relacionamentos fictícios de certa forma, pois muitos homens são casados, e a maioria desses relacionamentos é abusivo. As propostas vão desde encontros na madrugada, ou em dias específicos, até a proibição em se comunicarem diariamente.

Importante ressaltar aqui, que um homem hétero ao namorar uma mulher trans, não faz dele homossexual. Se ele identifica a mulher trans como uma mulher isso nada afeta na orientação sexual dele. O ponto central de homens não se relacionarem com mulheres trans se dá quando um homem hétero sente a sua masculinidade ridicularizada ou diminuída por namorar uma pessoa trans. Coloco aqui uma observação que estamos falando de um homem cisgênero hétero que no auge do seu privilégio
estaria sofrendo preconceitos pela primeira vez. A masculinidade é algo que não pode ser tocado.

A sociedade julga o relacionamento de uma pessoa trans com um homem cisgênero heterossexual como algo depravado, algo que seja desumano. Não seria um relacionamento civilizado, aceito pelas instituições da família e religiosa. Não seria alguém decente para apresentar a família, a amigos. Não seria alguém digna de aceitabilidade. É considerado por consenso entre grupos feministas e LGBTI brasileiros, a existência de uma sociedade doentia e intrinsecamente voltada para a agressão física, moral, e psicológica às mulheres trans. A  aculturação do machismo e do patriarcado que se perpetua durante décadas no Brasil faz a sociedade não amar as pessoas trans.

*Nota da redação: O Brasil segue como o país que mais assassinou pessoas trans do mundo. Entre 1 de outubro de 2018 e 30 de setembro de 2019 registrou 132 mortes seguido do México (65), e Estados Unidos (31). Neste intervalo 331 pessoas trans ou de gênero diverso foram assinadas no mundo. Entre 1º de janeiro de 2008 e 30 de setembro de 2019 já são 3314 homicídios reportados de personas trans em 74 países. Os dados divulgados em alusão ao Dia da Memória Trans, no último 20 de novembro, são do recém lançado relatório anual Transrespect versus Transphobia Worldwide da Transgender Europe (TGEU). O relatório traz dados do Observatório de pessoas trans assassinadas em 2019, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), que nesta semana lançou o Dossiê da violência contra pessoas trans brasileiras.

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  • Mariana Franco

    Mariana Franco é formanda em Serviço Social pela UFSC, Colunista no Portal Catarinas, Pesquisadora em Direitos Humanos n...

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