Natal há muito me intriga, porque as religiões cristãs deixaram de fazer sentido pra mim há um bocado de tempo. Tornei-me politeísta, mais ainda, acredito em muitas possibilidades, portanto, duvido de tudo.

A figura do deus único, onipresente, onipotente, onisciente, oni… Me soa estranho por criar um mundo com tantos conflitos com uma espécie que se autodenomina sapiens e é por demais autodestrutiva. Uma só força não combina com tantos elementos contraditórios que compõe nossa amada Terra.

Não bastasse um deus único legitimar todas as tiranias, o nome de deus e de Jesus foi usado e abusado em tantas violências, principalmente contra as mulheres. Fala sério, o cara que teve a ideia de criminalizar o sexo e criar o pecado original onde a mulher nasce pecadora foi um gênio. Nascia junto o patriarcado na sua mais violenta faceta. Justificaram-se guerras, apedrejamentos, fogueiras e isolaram o conhecimento pagão ancestral.

No entanto, se historicamente o nascimento de Jesus iniciou uma cultura tão abusiva, ainda é muito festejado, tem milhões de fiéis e cada linha preconiza a sua verdade, contraditórias a cada divisão que surge gritando que agora, sim, essa é a certa.

Já sabemos que a data do Natal foi determinada no séc IV, pelo Papa Julius, mais uma estratégia de impor uma crença numa data muito comemorada por todos os povos nórdicos (solstício) e também pelos romanos (saturnálias) entre outros, como na Mesopotâmia, onde se comemora o nascimento do deus Mitra. Falava-se em “cristianizar”, portanto, “perdoar” os pecadores e suas comemorações pagãs.

Também sabemos que o Papai Noel tem várias origens. Santo Nicolau foi um bispo católico que tinha o hábito de presentear as crianças em seu aniversário, 6 de dezembro. Na Sibéria, as vestes de pelo branco e roupa vermelha, junto com as renas voadoras, diz-se que eram fruto das visões alucinógenas do cogumelo sagrado de lá. Na Dinamarca havia a lenda do bom velhinho, amigo das crianças. Na Finlândia, na Inglaterra… Deve existir em muitos outros lugares, com seus nomes próprios e tendo em comum um velhinho e a distribuição de presentes.

Mas, a figura do Papai Noel como conhecemos hoje tem origem na Inglaterra, onde existia uma figura jovem, de barba, muito alegre, a distribuir presentes pelas ruas. Um ilustrador norte-americano pegou essa figura e a transformou num velhinho em uma carruagem puxada por renas, mas as vestes eram verdes, e a empresa que o contratou, uma fábrica de doces (Sugar Plums). Um ilustrador australiano foi o primeiro a desenhar o Papai Noel como conhecemos hoje, para uma revista chamada Puck, em 1902.

Mas a Coca Cola se apropriou desse desenho e se intitulou a primeira a estabelecer a imagem estereotipada do Papai Noel, em sua propaganda de 1931, cuja única diferença do desenho australiano é o tamanho desse personagem, criador da ideia de oferecer presentes nessa data, o que funciona comercialmente muitíssimo bem até hoje.

Outra apropriação foi o pinheiro de Natal, símbolo pagão de força, rara árvore que não perde suas folhas no rigoroso inverno do norte europeu. Martinho Lutero a incorporou aos ritos natalinos, e nela foram postas também as velas, simulando um ritual sagrado celta, feito com tochas, onde os sacerdotes subiam uma trilha em espiral pela montanha.

Tudo isso para dizer que a data do Natal, tão comemorada pelos quatro cantos do planeta (embora não em todos os cantos), na real é uma festa ecumênica. Uma misturada de lendas e mitos sagrados de muitas culturas. 

O que proponho aqui é essa ressignificação do Natal. Que nós possamos conhecer melhor sua história e em vez de fazer somente a leitura da passagem do nascimento de Jesus – ou gritarmos a apropriação cultural cristã das lendas e festas pagãs – adicionarmos textos que contam como a data surgiu, que culturas e religiões a usavam e o que representava para elas.

Foi o que fiz com minha família nesse Natal, com muito amor.

Desejo uma comemoração de ano novo extraordinária, que possa reverter os males dessa terra para o bem viver de todas, todes e todos. Agradeço de coração aos leitores dessa coluna, seus comentários e respostas.

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  • Chris Mayer

    Chris Mayer é fotógrafa, jornalista, escritora e palhaça. Dedica-se à fotografia de palco, dramaturgia cômica, crônicas...

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