A chica que escreve da semana é a Rafaella Britto que é escritora, poeta, tradutora e professora. Ela também é co-fundadora e editora do Cine Suffragette, uma revista digital dedicada as mulheres e minorias no cinema. Possui textos publicados em diversos veículos nacionais e estrangeiros e como poeta já venceu prêmios literários regionais.

Vamos à entrevista! 😊

Como tradição, poderia começar nos contando um pouco sobre sua trajetória com a escrita? Quando começou a escrever, e por que continuar escrevendo?
Minha trajetória com a escrita se iniciou muito cedo. Quando criança, sempre antes de dormir, meu pai, que também é escritor, lia para mim contos, crônicas e poemas de autores diversos. Aos 7 anos, motivada pelas primeiras leituras, passei a escrever pequenas histórias. Na escola, frequentemente pedia permissão aos professores para ler textos meus e de outros autores frente aos meus colegas de turma. Outras vezes, ao invés de ler, entretinha a sala com histórias criadas de improviso. Porém era uma criança retraída na maior parte do tempo. Estava quase sempre só, preenchendo mil cadernos com rascunhos de novelas, falsas notícias de jornal, pensamentos, reflexões, observações a respeito da vida e do mundo à minha volta.

Por esta época, nasceu em mim o fascínio por cinema clássico e história da moda, e aos 13 anos criei o meu primeiro blog, o Império Retrô, inicialmente para compartilhar minhas descobertas e conhecimentos, de forma muito inocente e despretensiosa. Alguns anos mais tarde, o blog tornou-se um projeto de jornalismo independente, pioneiro na temática vintage/retrô no Brasil. Meus textos e pesquisas passaram a ter visibilidade. Fui convidada para rádio, TV, e para colaborar com sites e revistas mundo afora. Em 2017, fundei, ao lado de outras amigas, o Cine Suffragette, publicação multilíngue dedicada às mulheres e minorias no cinema. Mais tarde, me formei em Letras, e embora fosse mais conhecida como autora de artigos e ensaios, também já expunha meus trabalhos de natureza literária.

Talvez por meu temperamento introspectivo, talvez pela necessidade de desvendar o invisível e encontrar respostas para o que não sei – o fato é que sempre fui atraída pelo mistério das palavras, e nelas busquei refúgio e liberdade. Escrevo, antes de tudo, para ser livre – livre no espaço, no tempo, na imaginação.

A respeito de suas leituras e influências, agora. Quais suas principais influências? Há algum autor/autora para o qual você sempre retorne? Qual sua leitura de cabeceira no momento?
Minhas influências são diversas, passando pela música, o cinema, as artes plásticas, o teatro, a dança… Minhas primeiras memórias literárias são de autores como a Condessa de Ségur, Frances H. Burnett, Machado de Assis, Manuel Bandeira e Gonçalves Dias. Mas minha primeira grande paixão da literatura foi Pagu. Me lembro de, quando criança, havê-la conhecido através de uma reportagem em uma revista. Pagu me seduziu desde o primeiro instante em que travei contato com sua trajetória e seus escritos, ainda que fosse muito pequena para compreender a dimensão política deles. Me encantei por ela e, logo em seguida, por toda a cena modernista brasileira, com Clarice Lispector, Cecília Meireles, Lygia Fagundes Telles… Além delas, também sou largamente influenciada por autores da língua inglesa, Oscar Wilde, Tennessee Williams, Scott Fitzgerald, Katherine Mansfield, Sylvia Plath, Anne Sexton, Maya Angelou, William Blake, o místico indiano Tagore, entre outros.

Por outro lado, amo descobrir e apreciar autores (e especialmente autoras) obscuros, aqueles que, por alguma razão, foram relegados às páginas do esquecimento, e hoje repousam nas prateleiras de velhos sebos. Destes, a mais importante, para mim, é Dinah Silveira de Queiroz. Tamanha é a minha fascinação por sua obra Floradas na Serra, que, certa vez, buscando paz e cura interior, decidi exilar-me por alguns dias em Campos do Jordão, ao lado de um antigo sanatório que outrora abrigava jovens tuberculosos como os retratados por Dinah em Floradas… Quis estar aí, e refazer todos os passos das personagens pelas vilas, bosques, trens e bangalôs. Dinah é uma autora – e uma viagem – inesquecível, para a qual sempre retorno.

No momento, leio a biografia de Isadora Duncan, pioneira da dança moderna, e a obra completa de Sara Teasdale, poeta estadunidense do século 20.

Você é poeta também, certo? Poderia nos contar um pouco sobre o seu trabalho na poesia e suas publicações?
Meu trabalho na poesia é recente. Na adolescência, arriscava alguns versos, porém não me sentia madura o suficiente para fazer o que considerava “boa poesia”. Talvez ainda não esteja e reconheço que estou apenas engatinhando, mas posso dizer que já não tenho mais os mesmos receios. Como mencionado antes, por muito tempo publiquei apenas ensaios e artigos que versavam a respeito de moda, cinema, e também (embora menos frequentemente) literatura. Aos poucos, e conforme fui criando laços no meio literário, passei a me sentir mais confiante e motivada a expor textos de caráter mais lírico. Decidi inscrever alguns desses textos em concursos regionais de poesia. Venci alguns deles, como o I Concurso de Poesia Negra da cidade de Itapevi (SP). Fui finalista do XV Concurso Poesia Sem Fronteiras, promovido pela Academia de Letras de Teófilo Otoni (MG) e outras entidades, e tive um poema publicado em antologia. Também, em outro concurso, tive um poema interpretado em vídeo pela atriz Nana Pequini e traduzido em Libras. De lá para cá, também tive poemas traduzidos em inglês e espanhol, e publicados em revistas do Brasil e do exterior. Mais tarde, compilei os poemas premiados e outros mais em minha primeira coletânea.

Seu primeiro livro “Prelúdio in Blue” foi publicado recentemente pela editora Penalux. Poderia contar um pouco do livro? Vi que ele tem relações com música e cinema que permeiam os poemas, poderia falar mais sobre isso?
Prelúdio in Blue é o meu primeiro livro, lançado em julho de 2020 pela Editora Penalux. São 33 poemas-canções nascidos da paixão pelo jazz e o samba, recordações de infância e estudos acerca da “blues poetry” de autores e compositores norte-americanos. Uma obra de caráter musical, que presta homenagem às raízes da cultura negra, e a grandes nomes do cinema clássico e do jazz. É, também, uma obra de caráter confessional, que discorre acerca de minha própria busca pela identidade enquanto mulher negra, e a superação pessoal através da arte.

Muitas leitoras escrevem ou gostariam de escrever. Que conselhos você daria para quem deseja se tornar escritora ou aprimorar-se na escrita?
Penso que o primeiro passo para escrever com liberdade é conhecer a escrita e seus processos. Tendemos, muitas vezes, a acreditar que a escrita é um dom divino que apenas os escolhidos detém. Porém, o estudo das línguas e dos processos de construção de textos literários (prosa e poesia) nos faz perceber que nem mesmo os autores celebrados se fizeram sem suas influências, seus tropeços… Conhecer os processos, dominar a língua (em instâncias para além da norma culta), é o que nos traz segurança ao escrever. Neste sentido, a faculdade de Letras foi muito importante para mim, mas há outras alternativas: há oficinas literárias, cursos livres, além de muitas ferramentas e materiais disponíveis na internet.

Agora, poderia nos contar um pouco também sobre como foram seus processos de publicações? O que mais te marcou neles?
Eu estava familiarizada com publicações independentes, e cogitava publicar meu material dessa maneira, caso não fosse aceito pelas editoras. Para minha surpresa, fui acolhida de maneira calorosa pela Penalux, que acreditou em mim e em meu trabalho desde o princípio. Por se tratar de uma editora pequena, pude acompanhar de perto todo o processo, desde o projeto gráfico até a impressão, tudo realizado de forma cuidadosa. O livro já estava pronto em março, e minha intenção era fazer um evento tradicional de lançamento. Porém veio a pandemia, e precisei adiar a apresentação até que a situação se normalizasse. Chegamos a julho e nada mudou, então decidi ceder ao formato digital e lancei o livro através de uma live no Instagram. Apesar das limitações, a recepção do público foi a melhor possível, e assim têm sido até o momento, o que me deixa muito feliz.

Por fim, há algo que você gostaria de dizer para outras mulheres que escrevem? Alguma mensagem final?
Meu recado às mulheres que escrevem é que escrevam mais e sempre, e com liberdade. O mercado literário é ainda dominado, em grande parte, por homens (sobretudo brancos e heterossexuais), que insistem em relegar a nossa escrita à pecha de “sensível” ou “cor-de-rosa”. Mas, apesar de tudo, é importante que sigamos acreditando na força de nosso trabalho e de nossas ações. Cabe a nós, mulheres, a revolução pela palavra.

Além dessa entrevista deliciosa a Rafaella fez a gentileza de enviar as seguintes dicas:

Um livro: Margarida La Rocque: A Ilha dos Demônios, de Dinah Silveira de Queiroz.

Um filme: Cléo das 5 às 7, de Agnès Varda.

Uma série: Hilda Furacão.

Gostaria de agradecer imensamente a Rafaella Britto por ter aceitado por ter aceitado meu convite para participar e disponibilizar seu tempo para esse bate-papo online. Por hoje é só, por favor, lembre-se, leiam mais e leiam mulheres!

 

 

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  • Laura Elizia Haubert

    Laura Elizia Haubert é doutoranda em Filosofia pela Universidad Nacional de Córdoba, Argentina. Graduada e Mestre em Fil...

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