A chica que escreve da semana é a Nara Vidal formada em Letras pela UFRJ e mestre em Artes é escritora e vive em Londres desde 2001. Publicou vários livros infanto-juvenis e dois títulos adultos. Seu romance Sorte recebeu o prêmio Oceanos em 2019.

Vamos à entrevista! 😊

Sempre começamos pela trajetória, então poderia nos contar sobre sua história com a escrita? Quando começou a escrever, e por que continuar escrevendo?
Meu interesse por palavras, letras começou desde muito cedo, ainda criança. Gostava de ficar olhando dicionários, em inglês, inclusive. Então, acho que, naturalmente, esse era um universo que me interessava. Também venho de uma cultura de oralidade muito forte, com histórias contadas na calçada de casa, entre grupos de amigos e família. Tudo isso foi virando bagagem e quando fiz a Faculdade de Letras, tive oportunidade de mergulhar em obras literárias, em teorias, idiomas e talvez tudo isso tenha sido uma espécie de preparo. Quando minha filha nasceu, escrevi alguns livros bilíngues e a partir de lá, não parei mais de escrever. Depois, já com as publicações dos meus trabalhos, eu pude entender que a escrita para mim é uma companhia, é uma característica minha. Eu tenho sempre a escrita como trabalho, distração, companhia, projeto, incômodo. Então, continuar a escrever é a mesma coisa que continuar existindo. Sei que isso soa tolo e prepotente, mas não escrever não é uma opção.

Penso que a escrita e a leitura estão muito interligadas, portanto gostaria de saber um pouco sobre suas leituras. Quais suas principais influências? Há algum autor/autora para o qual você sempre retorne? Qual sua leitura de cabeceira no momento?
Eu não tenho autores como referências, exatamente, mas tenho muitos livros dos quais eu gosto imensamente. Tenho absoluta convicção de que ninguém consegue escrever sem o exercício constante da leitura. São correlações que existem entre escrever, ler, narrar, ouvir. Quem escreve precisa ter uma familiarização com as formas de narrar uma história e o exercício da leitura proporciona isso. Não digo isso para que o texto se torne mais complexo, mas o oposto: para simplificar um texto, para deixar uma narrativa enxuta é preciso muito exercício como escritor e como leitor.

Estou envolvida com três livros agora: Manual da Faxineira (Lucia Berlin), São Bernardo, uma releitura, na verdade (Graciliano Ramos) e Longe, aqui – poesia incompleta (Maria Esther Maciel).

Você já publicou vários livros. Então, vamos falar um pouco sobre eles. Conte-nos um pouco sobre “Lugar comum” e “A Loucura dos outros”.
Apesar de serem narrativas mais curtas, não poderiam ser mais diferentes. O Lugar Comum foi a primeira vez que eu publiquei para o público adulto. Foi em 2015 e, por isso, quando leio alguns textos, não me reconheço mais. Isso é normal. Um livro é sempre o que a gente consegue fazer de melhor naquele momento específico. Então, todo livro é uma maneira de tentar. A Loucura dos Outros foi interessante de escrever. Foi a primeira vez que me soltei mais, que ouvi o narrador de forma clara, me livrei da minha autoria como narradora e corri mais riscos. Foi um processo que me ajudou muito a entender o que escreveria dali pra frente, mas sempre é uma tentativa. E a gente segue tentando. Não é possível nunca chegar a um lugar exato dentro da escrita de ficção porque ela está viva e se modifica junto com a gente que lê e escreve.

Li neste ano “Sorte”, e uma das coisas que mais me chamou atenção foi a escrita extremamente enxuta, não há nenhuma gordura ali. Como foi seu processo de criação? Como foi a opção por uma escrita mais limpa?
Eu tinha duas opções com o Sorte: a primeira delas era escrever um livro de quinhentas páginas desdobrando e levando à exaustão cada tópico dentro da narrativa. Era uma alternativa que, talvez tivesse agradado a mais pessoas, não sei. Mas, há muitos livros assim, narrativas, sagas histórias longas, demoradas, esticadas. O poeta português Daniel Jonas disse uma coisa sobre o Sorte que eu acho que é pertinente: é um livro que chega ao osso da palavra. É um livro “osso” nesse sentido. Não havia necessidade de me alongar nas passagens dramáticas das mulheres da história porque é essa hesitação e reticência propostas que ecoam no leitor quando ele termina o livro. É a insatisfação de não conseguir saciar o conhecimento sobre determinadas personagens que seguem sendo sombrias, caladas, escondidas. Foi uma proposta estética e de estrutura. Claro, foi proposital e eu conto com o que o leitor tem a contribuir.

Aliás, ainda falando de “Sorte”, ele recebeu o Prêmio Oceanos, poderia contar um pouco sobre como foi receber essa premiação tão importante.
É um prêmio importante que reúne obras em língua portuguesa e isso é formidável. Foi honestamente, uma surpresa receber o telefonema me comunicando sobre o prêmio. Fiquei num estado de euforia por dias, não conseguia nem dormir. Foi importante para mim. Mas, o fundamental é continuar trabalhando e guardar aquele momento numa caixa e seguir tentando narrar uma boa história. O Oceanos foi uma pausa, uma festa, mas escrever é trabalho.

Muitas leitoras escrevem ou gostariam de escrever. Que conselhos você daria para quem deseja se tornar escritora ou aprimorar-se na escrita?
Escrever e ler. Seguir seu caminho próprio. Tem quem goste de uma estrutura, tem quem escreva por pura intuição. Tentar achar uma maneira que te dê prazer e que não seja penoso talvez seja um bom começo. É fundamental também ser coerente. Se queremos ser autoras, devemos ler, mas mais que isso, devemos comprar os livros que formam a nossa literatura contemporânea. Como é possível enviar um original para uma editora sem nunca nem ter comprado um livro daquela casa? É incrível, mas há quem faça isso. A outra sugestão que eu faço é a de nunca deixarmos que nos subestimem. Se temos algo importante a contar, que sejamos ouvidas.

Agora, poderia nos contar um pouco também sobre como foram seus processos de publicações? O que mais te marcou neles?
O primeiro livro que publicaram em meu nome foi o da série bilíngue, um infantil. Mas há uma história de publicação que é muito especial para mim. Quando a minha mãe morreu, em 2009, ela deixou um dinheiro para cada uma das três filhas. O meu foi usado para financiar uma publicação de um livro de crônicas, jovem adulto, publicado por conta própria. Claro, hoje em dia, não publicaria aquele livro, mas foi uma maneira de aplicar a herança da minha mãe em algo que para mim seria significativo. A ironia é que a minha mãe era a pessoa da minha casa que mais lia, mais amava as artes e eu só comecei a publicar depois da morte dela, com o dinheiro que ela me deixou. A partir de lá, não parei nem de escrevem e nem de publicar.

Por fim, há algo que você gostaria de dizer para outras mulheres que escrevem? Alguma mensagem final?
É importante que a gente invista na nossa educação, no nosso conhecimento. Sejamos leitoras, antes de qualquer coisa.

Além dessa entrevista a Nara fez a gentileza de enviar as seguintes dicas:

 Série: A última série que vi foi Ratched que é de suspense e gostei bastante. Gosto muito também da série Normal People, baseado no livro da Sally Rooney. Uma história de uma simplicidade absurda, mas muito bem escrita e com uma série que correspondeu à profundidade do trivial narrado no livro.

Filme: Eu adoro Bergman. Para mim, ele representa o melhor do cinema. Há muitos filmes dele que eu amo, mas minha recomendação fica sendo Sonata de Outono.

Gostaria de agradecer imensamente a Nara Vidal por ter aceitado por ter aceitado meu convite para participar e disponibilizar seu tempo para esse bate-papo online. Por hoje é só, por favor, lembre-se, leiam mais e leiam mulheres!

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  • Laura Elizia Haubert

    Laura Elizia Haubert é doutoranda em Filosofia pela Universidad Nacional de Córdoba, Argentina. Graduada e Mestre em Fil...

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