Para Isabela Del Monde, do MeToo Brasil, PL 5091/20 é resposta populista que não promove mudanças na raiz do problema

No início de novembro deste ano (02/11), trechos do vídeo da audiência de julgamento do empresário André de Camargo Aranha, acusado por estupro, foram divulgados pela imprensa e causaram indignação social. Nas imagens, a vítima, a influencer Mariana Ferrer, é humilhada e vulgarizada pelo advogado de defesa Cláudio Gastão da Rosa Filho – que apresenta fotos de Mariana, faz julgamentos desrespeitosos classificando as imagens como “ginecológicas” e afirmando que “jamais teria uma filha do nível dela”. De vítima, Mariana torna-se julgada.

Em resposta às violências sofridas na ocasião, a Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (10/11) o Projeto de Lei (PL) 5091/20. O PL tipifica como crime práticas de violência institucional, ou seja, atos de agentes públicos que prejudiquem o atendimento à vítima ou testemunha de violência ou causem a sua revitimização. Após aprovação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania ( CCJC ) da Câmara dos Deputados, o PL segue para aprovação no Senado Federal. A pena prevê detenção de três meses a um ano e multa. O PL 5091/20 é uma atualização da Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019, que trata sobre abuso de poder de autoridades. 

Audiência do julgamento de André André de Camargo Aranha. Foto: NDMais.

Na proposição, violência institucional é caracterizada “pelo discurso ou prática institucional que submete a vítima a procedimento desnecessário, repetitivo, invasivo, que levam a vítima ou testemunha a reviver a situação de violência”.  É importante destacar que embora seja fruto de violência institucional no Judiciário brasileiro, o PL não restringe a punição a essa esfera. Nesse sentido, poderia atingir outros agentes públicos.

Isabela Del Monde, fundadora da Gema Consultoria em Equidade e coordenadora do MeToo Brasil, alerta que embora seja importante ter o reconhecimento na legislação brasileira do que é revitimização e violência institucional, não há de fato avanços no PL.

“Vamos pensar uma coisa, estupro é crime há muitos anos no Brasil. Isso serviu de alguma maneira para redução dos índices de estupro no Brasil? Não. A mesma coisa pode acontecer com esse PL. A resposta penal é uma resposta fácil e populista. Sendo um PL na esfera penal, a gente já sabe que não vai resolver o problema e que é uma resposta simples que joga com a plateia (sociedade), mas que não visa resolver a causa”, aponta Del Monde.

Políticas públicas que promovam ações educativas continuadas sobre gênero para os agentes de segurança pública, melhoria nos equipamentos e qualificação das técnicas de inteligência policial nas investigações são apontadas por Del Monde como ações mais efetivas para enfrentamento das violências institucionais. “São recomendações que já constam no Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista De Inquérito, publicado em 2013, que investigou todos os estados brasileiros e o funcionamento das estruturas de segurança pública do estado”, explica. 

“Não é uma resposta que visa de fato uma transformação, que busca uma mudança estrutural do que causa o problema. Se fosse um PL que exigisse a formação dos agentes de segurança pública, se fosse um PL que previsse responsabilidade ao invés de punição, eu estaria muito mais de acordo”, Isabela Del Monde. 

Em entrevista ao Portal Catarinas, na época em que a Justiça catarinense considerou o empresário paulista André Camargo Aranha inocente em decorrência da “ausência de provas contundentes”, Del Monde apontou a estrutura racista e machista que sustenta a justiça brasileira.

Isabela Del Monde. Foto: Arquivo Pessoal.

Del Monde também destaca a importância de promover uma formação dos agentes a respeito do que é violência baseada no gênero e doméstica, visto que há erros da própria polícia no registro do boletim de ocorrência (BO). “Muitas vezes é mal feito, não é tipificado corretamente de acordo com a conduta. E isso prejudica todo o procedimento da investigação e do processo”, ressalta.

As deputadas federais Soraya Santos (PL/RJ), Flávia Arruda (PL/DF) e Margarete Coelho (PP/PI), em justificativa no texto do PL, afirmam que “a justiça deve ser um local de acolhimento da vítima, buscando a punição correta e justa para cada crime cometido”. Além de complementarem que “o caso Mariana Ferrer apenas escancara o que ocorre entre quatro paredes em diversas instituições públicas, como delegacias e tribunais”. 

Além das humilhações propagadas por  Cláudio Gastão da Rosa Filho, nas imagens divulgadas não há nenhuma interferência do promotor do MInistério Público, Thiago Carriço. O juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, fez poucas intervenções e pediu para que se mantivesse o “bom nível”. Já Mariana Ferrer, a vítima, desgastada por todo processo, chorou durante as acusações a respeito de sua índole.  “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lágrima de crocodilo”, foi a resposta que obteve do advogado de defesa Gastão da Rosa Filho. 

Além do PL 5091/20, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou outras oito propostas escolhidas pela bancada feminina para marcar os 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher. Entre elas, foram aprovadas a criminalização das violências política e institucional contra mulheres; a determinação de políticas integradas de combate à violência; e homenagens a grandes figuras femininas nos espaços da Câmara dos Deputados.

Leia a cobertura completa do Portal Catarinas sobre o Caso Mariana Ferrer. 

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  • Inara Fonseca

    Jornalista, pesquisadora e educadora. Doutora (2019) e mestra (2012) em Estudos de Cultura, pela Universidade Federal de...

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