Homens cis gays, travestis e mulheres  trans, entre 20 e 29 anos, são principais alvos de LGBTIfobia, de acordo com dossiê 

O Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil, divulgado nesta quarta-feira (11), denuncia que durante o ano passado 316 pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersexo (LGBTI+) foram mortas de forma violenta no país. O que resulta em um aumento de 33,33% comparado com 2020, quando o relatório registrou 237 mortes.  

A maioria dessas mortes foram provocadas por terceiros, sendo 262 homicídios, equivalente a 82,91% do total, e 23 latrocínios, que corresponderam a 7,28% dos casos. Juntos, homicídios e latrocínios representaram 90,19% das mortes violentas, enquanto foram registrados 26 suicídios (8,23%). 

Brasil registra aumento de 33% no número de mortes violentas de pessoas LGBTI+

Uma das questões que chamam a atenção são as principais causas de morte. Em primeiro, aparece o esfaqueamento, em segundo, a arma de fogo, e em terceiro, o espancamento.  “O Brasil é um país violento e que mata muita gente, só que as mortes violentas de pessoas LGBTI+ têm requintes de crueldade na maioria dos casos e isso é muito impactante”, revela Alexandre Bogas, um dos coordenadores da pesquisa e integrante da organização Acontece Arte e Política LGBTI+.  

Se consideradas somente estas informações, pode-se concluir que, em 2021, o Brasil assassinou uma pessoa LGBTI+ a cada 27 horas. Porém, esses dados possivelmente são subnotificados, já que a pesquisa tem como fontes notícias de jornais, portais eletrônicos e redes sociais, que nem sempre reconhecem a identidade de gênero e a orientação sexual das vítimas ao reportar as mortes. 

Mortes de acordo com identidade de gênero, orientação sexual e faixa etária 

A população de homens gays são os principais alvos de LGBTIfobia no Brasil. Eles representam cerca de 45,89% (145) do total de mortes. O segundo grupo mais vitimado é o de travestis e mulheres trans, correspondendo a 44,62% (141) dos casos. Seguido por mulheres lésbicas que representam 3,80% (12) das vítimas fatais. 

Considerando a faixa etária, as principais vítimas são jovens entre 20 e 29 anos (30,38% dos casos). Na sequência, estão as pessoas entre 30 e 39 anos (21,52% das vítimas); entre 40 e 49 anos (11,39%), 10 a 19 anos (6,96%); 50 a 59 anos (6,65%); e 60 a 69 anos (4,11% dos casos). Em 18,99% das ocorrências, não foi possível identificar a idade das vítimas.

As mortes de travestis, mulheres transexuais e mulheres cisgêneras totalizaram 153 casos, representando 48,42%. Desse total, as primeiras foram as mais atingindas, com 141 mortes (44,62%), enquanto o número de mulheres cis mortas foi de 12 (3,80%). Os homens cis foram, em números absolutos, os mais vitimados pela violência, com um total de 150 pessoas (47,47%). Já os homens trans somaram um total de 8 pessoas mortas (2,53%).

Vítimas de acordo com estados 

Se considerado o número de vítimas por milhão de habitantes, o ranking da violência LGBTIfóbica é liderado por Alagoas, com 4,75 mortes; Mato Grosso, com 3,36 mortes; e Mato Grosso do Sul, com 3,17 mortes. 

São Paulo aparece no topo do levantamento como o estado com maior número de vítimas, com 42 mortes; seguido por Bahia, com 30; e Minas Gerais, com 27. Essas unidades estão entre as quatro mais populosas do país. 

Os estados menos violentos em termos relativos à sua população são: Roraima,  que não registrou mortes no período, Rio Grande do Sul (0,44 mortes), Tocantins (0,62 mortes), Santa Catarina (0,68 mortes), e São Paulo (0,90 mortes). 

Em Santa Catarina, foram identificadas cinco mortes, de três homens gays e duas mulheres trans. 

Como combater a LGTIfobia

Julgada no Supremo Tribunal Federal em 2019, a homofobia configura crime no Brasil, tal como o racismo. A prática da lei contempla atos de “discriminação por orientação sexual e identidade de gênero”, por isso ainda que o termo homofobia seja utilizado, todas as outras pessoas LGBTI+ são contempladas. A pena pode variar entre 1 a 5 anos, além de multa. 

Ainda assim, criminalizar não é suficiente. O dossiê traz doze recomendações para implementação de políticas para combater todas as formas de violência contra pessoas LGBTI+, como a criação de protocolos policiais unificados com dados referentes à LGTIfobia em boletins de ocorrência. 

Também aponta a necessidade de capacitar e educar agentes públicos em todas as áreas, especialmente órgãos de segurança pública, proteção a vítimas de violência, espaços destinados a mulheres vítimas de violência doméstica e em espaços estatais, a respeito da importância do acolhimento de mulheres lésbicas, das travestis e mulheres transexuais.

Para Alexandre Bogas, além da implementação de políticas públicas, é necessário mudar a educação. 

“A educação é a principal ferramenta para reverter esses índices violentos. Quando tivermos liberdade e tranquilidade de discutir a diversidade sexual e de gênero, direitos sexuais e reprodutivos, na escola, principalmente, mas também nas casas, nas empresas, nas praças, em qualquer lugar, eu tenho certeza que isso vai mudar.” 

Produção e sistematização de dados é realizada a partir de esforço coletivo

O dossiê é produzido por meio do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+, resultado da parceria entre a organização catarinense Acontece Arte e Política LGBTI+, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) e outras colaborações. 

A articulação tem como intuito denunciar as violências sofridas pela população LGBTI+, além de problematizar as condições de vida e de vulnerabilidade dessa população. 

“Um dos principais objetivos é cumprir a lacuna do que os próprios dados governamentais não conseguem catalogar. Somos uma população que fica às margens e esse é um esforço nosso para tentar delinear, entender um pouco mais, debruçar-nos sobre os dados”, explica Bogas. 

A compilação dos registros é prejudicada pela ausência de dados governamentais. Um exemplo é que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), principal provedor de informações geográficas e estatísticas do Brasil, não produz quaisquer dados sobre pessoas LGBTI+. 

“Ter pessoal para catalogar e ampliar cada vez mais essa sistematização é um desafio. O Brasil é um país muito grande e temos poucas pessoas auxiliando, não temos orçamento para isso, o que debilita bastante a coleta dos dados”, complementa o entrevistado. 

Acesse o Dossiê completo aqui.

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  • Fernanda Pessoa

    Jornalista com experiência em coberturas multimídias de temas vinculados a direitos humanos e movimentos sociais, especi...

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