“É uma emoção só, até agora não conseguiram chegar até aqui todas as margaridas, elas ainda estão marchando. É a maior demonstração para este governo de que ele não nos representa. Este congresso, estes homens querem destruir os movimentos sociais, tirar a nossa liberdade e sonhos, mas vocês margaridas fizeram florescer, no dia de hoje, o desejo e a vontade de continuar lutando”, bradou do alto do carro de som a constituinte Benedita da Silva, deputada federal pelo PT-RJ.
Leia também: O poder popular no Brasil que queremos é agroecológico e ecofeminista
100 mil margaridas vão marchar por uma vida livre de violências
Duas horas se passaram da chegada da primeira delegação até que fosse possível ver o final da marcha. Saindo da Praça da Cidade às 7h, as margaridas ocuparam cerca de cinco quilômetros da avenida que dá acesso à Esplanada dos Ministérios, onde ocorreu o ato de encerramento. A organização estima, como era esperado, que cerca de 100 mil mulheres de todos os estados do país participaram desta 6ª edição.
Toda a extensão da marcha estava dividida em delegações, correspondentes a cada estado brasileiro, que traziam em suas alas as bandeiras de luta e as marcas culturais características daquela região. Na primeira delegação do Maranhão, margaridas vestiam trajes da tradicional festa Bumba meu boi. A unidade da marcha das margaridas ultrapassa a fronteira do Brasil. Mulheres de 26 países, da América do Sul, América Central, África, Europa e Ásia, também marcaram presença por meio de suas delegações.
No caminho as margaridas se encontraram com outra identidade que compõe a marcha: as mulheres indígenas. “Estou representando as indígenas, que também somos margaridas. Para nós que vivemos da terra, nossa sobrevivência vem da terra, nosso maior desafio é defender o território, precisamos do apoio da comunidade não indígena, da agricultura familiar e outros segmentos para apoiar na nossa luta.
Leia também: 1ª Marcha das Mulheres Indígenas: em defesa dos territórios e da educação
Mulheres indígenas ocupam Sesai: “não vamos nos calar, não vamos recuar”
Quero me solidarizar com as companheiras indígenas que vem perdendo seus filhos, maridos, sendo violentadas dentro das suas aldeias por causa de um sistema machista, em que os homens querem mandar nas mulheres, serem os donos do nosso corpo, do nosso espírito, do nosso território. Combater a violência contra a mulher significa proteger a família, porque nós mulheres somos a metade da população e mãe da outra metade”, defendeu Luiza Canudo Tabajara, da Serra das Matas (CE), em entrevista ao Catarinas.
“Mulheres camponesas, indígenas, da cidade, em defesa do nosso território, da mãe terra”, afirmou Sonia Guajajara, do Fórum Nacional das Mulheres Indígenas.
“O nosso planeta é nossa casa, é o único que nós temos, e as florestas estão em nossas terras. Parem de comprar anelzinho, colarzinho de ouro, porque carregando esse objeto você está matando um indígena, famílias, crianças, envenenando um povo inteiro”, provocou Watatakalu Yawalapiti, da coordenação de mulheres da Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX).
Assista à fala de Watatakalu Yawalapiti:
Elas não fogem à luta
Na ala de Tocantins encontramos as quebradeiras de coco, mulheres que assim como outras manifestantes, praticam o maior legado de Margarida Alves, expresso em sua célebre frase: é melhor morrer na luta do que de fome. Em Axixá, onde vivem, a única fonte de renda está no processamento do coco. Elas encontraram na organização de classe e de gênero a forma de sustentarem suas famílias e enfrentarem a violência que sofriam em casa, pelos maridos, e no trabalho, pelos latifundiários. Luta para essas mulheres é rotina.
“Ser uma quebradeira de coco, é ser empoderada e livre. Antigamente nossas ancestrais apanhavam do marido, precisavam manter aquele casamento, porque não tinham como sustentar suas filhas. Hoje, depois que nos organizamos enquanto quebradeiras conseguimos manter uma vida estável e alimentação saudável, sem depender de homem. Babaçu é vida! O agronegócio chegou para acabar com o babaçu livre que temos na Região Norte”, afirmou a quebradeira de coco Rojane Batista Alexandre.
Elas lutam para a implementação da Lei do Babaçu Livre, vigente em cidades de três estados, que garante que as palmeiras não sejam derrubadas e que o coco não seja vendido sem antes ser processado.
As quebradeiras catam e quebram o coco, e fazem dele artesanato, azeite, carvão e outros produtos. Aquelas que não têm terra precisam enfrentar os latifundiários. Elas já viram de perto colegas sofrerem agressões por exercerem o ofício. “Tem companheira que já foi laçada e arrastada, abusada, assassinada, muitas pelos fazendeiros, outras pelos maridos”.
Apesar de todas as dificuldades, as extrativistas do coco acumulam conquistas desde que iniciaram o movimento. “É a sexta marcha que participo como quebradeira de coco e mulher. Temos filhos na universidade, temos casa, a cada ano melhoramos”.
Ao ser perguntada se as quebradeiras são feministas, ela responde: “Amém, por que não?”
A unidade na luta
As margaridas defenderam durante toda a marcha um modelo de vida, produção e consumo, baseado na agroecologia feminista, que preserve a sociobiodiversidade e respeite a existência das mulheres, que além de expostas aos latifundiários do agronegócio, ainda são vítimas de violências pelos seus parceiros e familiares. Elas reafirmam a necessidade da garantia de uma previdência pública, universal e solidária frente ao desmonte proposto na reforma da previdência. Diante do avanço do conservadorismo e do ódio, as margaridas dizem não ao desmonte das políticas públicas, à negação do direito ao próprio corpo na criminalização do aborto, a criminalização dos movimentos sociais, à concentração de renda, a destruição e mercantilização de seus territórios pelo agronegócio, à violência contra as mulheres.
Leia também: Do campo à floresta mulheres ocupam Brasília em luta
Leia mais
“Nós vamos sair daqui muito mais fortalecidas, com mais resistência para continuar na luta, defendendo o direito da classe trabalhadora, sobretudo das mulheres. Nós somos todas margaridas, porque acreditamos nesta luta, nós mulheres somos as mais penalizadas quando se retiram direitos”, afirmou a coordenadora geral da marcha, Maria José Morais.
“Nesta marcha queremos explicitar ao governo brasileiro que não é uma reforma da previdência, assim como a reforma trabalhista de 2018, é um desmonte. O Estado brasileiro está desmontando as políticas públicas e a previdência social, que está dentro do sistema de seguridade social que congrega o SUS, o SUAS, e a previdência. Isso aumenta a pobreza, a vulnerabilidade em particular das mulheres e mulheres negras”, afirmou Cleusa Aparecida da Silva, da Casa Laudelina de Campos Mello, organização de mulheres negras.
A cada marcha mais segmentos de mulheres pactuam a unidade da luta das margaridas. Nesta 6ª edição, elas reafirmam a identidade cultural como parte da diversidade das mulheres do campo, das águas e da floresta, são agricultoras familiares, camponesas, sem-terra, acampadas, assentadas, assalariadas, artesãs, extrativistas, quebradeiras de coco, seringueiras, pescadoras, ribeirinhas, quilombolas, indígenas e outras identidades construídas no País. Pela primeira vez, as mulheres quilombolas se integraram à marcha.
“Essa 6ª marcha das margaridas do ponto de vista político e histórico tem uma grande importância para as mulheres negras, porque a marcha congrega várias categorias de mulheres e nesse conjunto de mulheres têm uma presença massiva de mulheres negras e índias, é fundamental demarcar a questão da democracia, soberania, mas também o respeito não só a diversidade humana, de pensamento, mas também aos rios e florestas neste nosso país tão valioso e rico, a 8ª economia mundial”, avaliou a integrante do movimento de mulheres negras.
Fora Bolsonaro
“Fora Bolsonaro”, foi a palavra de ordem presente durante toda a marcha, isso porque o atual presidente da república sustenta em sua política a continuidade dos maiores algozes das margaridas. “Estamos aqui mais uma vez e quantas forem necessárias para honrar a luta e o sangue de Margarida Alves, morta pelo latifúndio na Paraíba. Ela faz florescer a vontade de lutar, de ter terra, educação, de lutar contra a violência às mulheres. Estamos tendo que enfrentar novamente neste Congresso Nacional tudo que Margarida Alves enfrentou no passado. Enfrentar aquele maldito que está lá com a faixa presidencial, mas que tira os direitos dos mais pobres, ele não gosta de nordestino, ele odeia as mulheres, entrega o Brasil pra Trump para quem ele bate continência. Ele tem que engolir a força das margaridas, a força da luta popular, do movimento sindical, juntas vamos resistir. Não a Bolsonaro, viva as margaridas”, afirmou a deputada federal pelo PCdoB-BA, Alice Portugal.
Cerca de 30 parlamentares, entre deputadas/os e senadoras/es, de partidos progressistas, como PT, PCdoB, PSOL e PSB, marcaram presença com falas de apoio. A deputada Jandira Feghali PCdoB-RJ expressou sua solidariedade à luta das margaridas que precisam enfrentar os coronéis do latifúndio no Brasil. “É impressionante a amplitude deste movimento. Eles vão ter que lidar com as mulheres sendo protagonistas desta transformação no Brasil. Cada margarida que cai nos causa sofrimento e dor profunda. O assassinato pelo latifúndio é inaceitável. Não queremos perder uma só vida, nem uma a menos, de cada sangue que corre mais mil margaridas se levantam. É nossa coragem, nossa ousadia para lutar pela reforma agrária, pela floresta em pé, contra o desmatamento. Porque a liberdade pressupõe território. De mãos de dadas, nós somos um coletivo, essa força do comum, ampla, suprapartidária da luta, da nossa batalha”, reforçou a deputada.
Feghali criticou ainda a falta de visibilidade às línguas indígenas faladas na nação. “A pluralidade das línguas das mulheres indígenas precisa ser reconhecida. Nós não falamos só português, temos mais de 200 línguas a serem reconhecidas”.
Apontando um dos mais recentes retrocessos à classe trabalhadora, e principalmente às mulheres, Benedita da Silva lembrou a Medida Provisória, aprovada pela Câmara Federal na última terça-feira (13), que entre outras alterações, libera o trabalho aos domingos. “Exploram as nossas águas, matas, entregaram a Amazônia, exterminaram indígenas, acabam com os quilombos e com os nossos direitos, como votaram, ontem, para não haver mais folga no domingo. Domingo é dia que representa a confraternização com a família e amigos. Esse governo tem compromisso com o capital, não tem compromisso com as mulheres”, criticou.
“Essa é uma das maiores manifestações feministas que já se viu no Brasil. Vamos honrar a memória de Margarida Alves e de Marielle Franco, com coragem, justiça e vida de luta. A nossa luta pela Marielle precisa seguir, ainda hoje não sabemos quem mandou matar Marielle Franco. O Estado brasileiro não respondeu quem mandou matar uma jovem negra, lésbica, vereadora e lutadora”, afirmou a deputada pelo PSOL-RS, Fernanda Melchionna.
Lula Livre!
O grito de Lula Livre que ecoou durante várias atividades desde que as margaridas chegaram na última terça-feira (13), em Brasília, tomou ainda mais fôlego após a fala do candidato pelo PT à presidência nas últimas eleições, Fernando Haddad. “Quero muito cumprimentar a coragem desta marcha que leva as mulheres para verem e serem vistas pelos poderosos de Brasília. Olhem bem pra eles, para que eles vejam o povo desta terra, a quem devem respeito, para quem deveriam trabalhar e proteger a nossa soberania. Será que outro presidente, senão os do PT, marcharam com as mulheres do campo? Mesmo que coloquem paredes para impedir a nossa presença, continuamos juntos lado a lado nesta marcha”, afirmou o ex-candidato.
À pergunta de Haddad as margaridas responderam com um sonoro “não”. O ex-prefeito de São Paulo lembrou a relação de respeito que o ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, mantinha com os movimentos sociais. “Ele, que todo ano recebia o movimento social para estabelecer uma agenda de trabalho e, no seguinte, prestava contas do que tinha feito no ano anterior”, colocou.
“As mulheres voltarão a ter o respeito e carinho que merecem. O ódio não vencerá o amor, o medo não vencerá a esperança, a grosseria não vencerá a solidariedade. As margaridas chegaram e eles não poderão deter a primavera. Viva o Brasil, viva o povo brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, Lula Livre!”, enfatizou, seguido por gritos de apoio da multidão.