Os livros “Anatomia – Uma História de Amor” e “Imortalidade”, da autora estadunidense Dana Schwartz, têm como ponto de partida a história ficcional de Hazel Sinnett, uma jovem dama do século 19 que deseja se tornar cirurgiã. Ao salvar uma mulher que tentou realizar um aborto em si mesma, Hazel acaba sendo presa. A duologia aborda um dilema: conformar-se às expectativas de sua família e da alta sociedade, ou escolher a liberdade de decidir seu próprio destino e seguir sua vocação.

Na trama, ambientalizada em Edimburgo, capital da Escócia, e em Londres, capital da Inglaterra, Hazel descreve o que era esperado das mulheres de sua classe na época: “seja paciente, seja silenciosa, seja bela e pura como uma orquídea, e apenas então receberá uma recompensa: uma redoma para mantê-la a salvo”. Mas ela nunca foi assim. Pelos livros da biblioteca do pai, que está longe servindo ao exército, conheceu e se apaixonou pelo mundo das cirurgias, uma área renegada às pessoas das classes mais baixas.

Anatomia – uma história de amor” mostra como para conseguir estudar na Sociedade Real de Anatomistas, Hazel Sinnett finge ser um jovem cavalheiro. Já em “Imortalidade”, mesmo sem o título oficial de médica, a jovem realiza atendimentos e se depara com a missão de salvar a vida de uma mulher que sofreu um aborto inseguro. 

Em 1803, a Lei de Lord Ellenborough tornou um crime punível com a morte uma pessoa realizar ou causar um aborto. Atualmente, no Reino Unido, aborto é legal até as 24 semanas por razões sociais, médicas ou econômicas e acima deste período em casos de risco para a vida ou de doença permanente para a gestante e nos casos de risco de malformação do feto.

O Catarinas conversou com Dana Schwartz, que, além de escritora, é escritora, roteirista de televisão e criadora do podcast Noble Blood (Sangue Nobre, em português), que narra as histórias de alguns dos membros mais fascinantes da realeza, como tiranos e assassinos. Na entrevista, ela fala sobre a construção da personagem Hazel e temas discutidos na história. Confira:

A história de Hazel explora a escolha entre seguir as normas sociais ou buscar a liberdade de seguir o seu sonho. Como foi o processo de desenvolvimento da personagem, ao lidar com essa tensão, um dilema que ainda ressoa com muitas mulheres hoje?

Eu realmente queria que a personagem parecesse “de seu tempo” — este livro se passa no início do século 19, e eu sempre acho artificial quando uma protagonista de um romance histórico se sente como uma feminista moderna totalmente desenvolvida, caída naquele período. Hazel está muito ciente das limitações financeiras e sociais impostas às mulheres e, no início da história, ingenuamente acredita que será capaz de navegar tanto pelo casamento quanto por sua paixão pela cirurgia.

Acho que é absolutamente um desafio que as mulheres enfrentam hoje. Fizemos avanços incríveis e tremendos para as mulheres, mas ainda há limitações não ditas, especialmente quando se trata do trabalho invisível de manter uma casa e cuidar dos filhos.

Como a história aborda, naquele tempo, já havia diversas mulheres que contribuíram com o conhecimento científico, mas não eram creditadas. Durante a pesquisa para o livro, você encontrou histórias dessas mulheres excluídas pela história oficial? Como as experiências delas influenciaram sua escrita?

Madame Lavoisier, que é ficcionalizada como personagem em “Imortalidade”, é uma figura real na história cujas realizações são geralmente quase totalmente absorvidas pelas de seu marido. Fiquei muito inspirada pela mulher da vida real, tentando imaginar como teria sido para ela trabalhar ao lado de seu marido durante uma época em que qualquer uma de suas contribuições era muito mais facilmente aceita se fossem nomeadas pelo seu marido.

Também fiquei muito inspirada pelo cirurgião da vida real James Barry, que foi identificado como mulher ao nascer, mas viveu sua vida como um homem para trabalhar como cirurgiã.

Em “Imortalidade”, Hazel é presa por salvar uma mulher que realizou um aborto autoinduzido. O que a motivou a abordar essa questão na história? Como você enxerga o fato de que, séculos depois, o aborto continua sendo tratado como crime em diversos países, incluindo o Brasil?

É sempre tentador para leitores de ficção histórica colocar todos os eventos desagradáveis firmemente no passado: “Ora, com certeza já fizemos progresso até agora!” Infelizmente, a lei horrível no Brasil, e os retrocessos recentes em relação à autonomia corporal das mulheres nos Estados Unidos, provam que esse não é, de forma alguma, o caso.

Eu queria que os leitores sentissem visceralmente a escolha e a punição de Hazel, e que, com sorte, permanecessem conscientes de que essas são batalhas que ainda precisamos lutar.

Parte dos integrantes do grupo intelectual “Os companheiros à morte” são mulheres brancas e negras, assim como homens negros, que não eram considerados cidadãos plenos na época. Nos discursos dos membros, notei uma esperança na imortalidade como forma de alcançar tempos mais progressistas. Qual você acha que seria a percepção dos membros de “Os companheiros à morte” sobre a atualidade? 

Gosto de pensar que os Companheiros da Morte ficariam felizes com o progresso social que fizemos, mas também acho que, como grupo, eles ficariam furiosos e enojados com o recente aumento do anti-intelectualismo, da desinformação e da teimosia fundamental que ainda existe em nossa cultura. Infelizmente, essas podem ser características universais, mas a internet permitiu que o tribalismo e as teorias da conspiração florescessem mais rápido do que nunca.

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  • Daniela Valenga

    Jornalista dedicada à promoção da igualdade de gênero para meninas e mulheres. Atuou como Visitante Voluntária no Instit...

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