O ano de 2025 não será fácil para a Bancada Feminista de São Paulo. Composto por Dafne Sena, Letícia Lé, Naiara do Rosário, Nathalia Santana e Silvia Ferraro, o grupo filiado ao PSOL e reeleito em 2024 com 34.537 votos, vê com cautela o avanço de vereadores de direita eleitos e o aumento de pautas conservadoras dentro da Câmara da capital paulista. Somente o PL passou de 498 para 1012 vereadores, um aumento de 103,2%.
Em entrevista ao Catarinas, as vereadoras comentam sobre o uso das redes sociais, os principais desafios para 2025 e como veem os rumos da política e da esquerda para os próximos anos.
A ideia de um mandato coletivo pode ser um pouco difícil de compreender, afinal, trata-se de um grupo de pessoas dividindo um único cargo, o que, supõe-se, poderia gerar entraves na hora de tomar decisões. Isso, segundo Dafne, porém, não é um problema.
“É muito simples, temos um diálogo constante. O grande segredo é um alinhamento político prévio, que vem muito antes da formação do mandato”.
Com uma nova composição – após a saída de Natália Chaves e a migração de Paula Nunes e Carol Iara para a esfera estadual – as vereadoras consideram a bancada “um projeto que deu certo” e que permanece vivo e fiel a seus posicionamentos independente da formação.
Dentre as pautas defendidas pelo grupo está a defesa dos direitos reprodutivos de pessoas que gestam, uma das mais atacadas pela extrema direita no último ano, quando o Projeto de Lei 1904/24, conhecido como “PL do estupro”, que equipara aborto a homicídio, encontrou crescente apoio dentro da Câmara Federal.
Em São Paulo, o tema tem tido desdobramentos igualmente dramáticos. Com a desativação do serviço de interrupção de gravidez do Hospital Municipal e Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, único a realizar o procedimento acima de 22 semanas, a cidade realizou, no primeiro semestre de 2024, apenas 15% dos abortos autorizados pela justiça, de acordo com dados do DataSUS levantados pelo jornal Folha de S. Paulo. E a expectativa é que o número diminua ainda mais.
“O cenário é preocupante. O fechamento do Cachoeirinha, a dificuldade de acesso a métodos contraceptivos, de fazer exames básicos. É uma forma de fazer política da extrema direita, atacar os direitos reprodutivos e sexuais. A gente tem esse compromisso de fazer o enfrentamento à extrema direita, especialmente nessas pautas que atacam os direitos das mulheres”, comenta Nathalia.
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A presença de mulheres defendendo pautas conservadoras, como a deputada federal Julia Zanatta (PL-SC), coautora do PL 1904/24, não é vista como um problema pelo coletivo. “Causa distorções [tal participação], mas não chega a atrapalhar. A gente tem que combater”, diz Dafne, “não tem sororidade no mundo que vai me fazer não combater essas mulheres”.
Ela também não considera que a repercussão de falas e posicionamentos como os de Zanatta representem um enfraquecimento da esquerda na capacidade de dialogar com a sociedade sobre suas pautas e propostas.
“O aumento dos ataques é uma resposta direta da nossa organização. Não é à toa. Não é porque estamos fracos, acho que é porque estamos crescendo e evitando retrocessos. Fizemos grandes atos, estamos nos organizando, mas há outros espaços que precisamos ocupar. Precisamos estar em muitos lugares ao mesmo tempo”, pontua.
O alcance da esquerda nas redes sociais, no entanto, ainda é uma dificuldade reconhecida pelo grupo, que vê na internet um dos grandes obstáculos para os próximos anos. “A lógica da internet não nos favorece”, comenta Nathalia, “se a gente entra na lógica da competição, a gente perde e, a longo prazo, não conseguimos entrar nesse combate”.
Para Naiara, este é o momento de compreender melhor tais ferramentas e agir para movimentar as pessoas. “Temos um desafio para trazer as pessoas para o nosso movimento, mas os últimos atos nas ruas que tivemos vieram puxados pelo movimento feminista, nós também estamos lá”.
O interesse das camadas mais jovens pela política e seu acesso a conteúdos de extrema direita também são preocupações. Segundo Naiara, nesse sentido, ações presenciais como aulas, encontros e debates, especialmente nas periferias, podem ajudar a trazer outras reflexões a esse público. “Temos que fazer cada vez mais. O jovem vai ter contato com a extrema direita, mas no sábado ele vai estar com a gente, vai debater. Precisamos fazer isso, senão, quem vai ganhá-los é o extremismo”.
O maior desafio para 2025, e para as próximas eleições, no entanto, não está apenas em tal combate ideológico dentro do mundo digital, mas também em tentar entender como se comunicar e atrair um público que uma vez apoiou a esquerda e hoje migrou para a direita e extrema direita.
“Acenderam um alerta que diversos territórios a gente perdeu para a direita. Muitas lideranças fizeram alianças com a direita e isso traz um diagnóstico de que a lógica do PT não funciona”, defende Nathalia. “A gente precisa fazer uma política que não pode ser esse toma lá dá cá, do ‘me apoia que eu te dou algo em troca depois’”.
A resposta para tal desafio, no entanto, não difere do que as vereadoras enxergam para a problemática das redes: o diálogo e a ocupação de diferentes espaços.
“Temos um desafio de trazer as pessoas para o nosso lado. É justamente conquistar as pessoas a partir das realidades delas, a esquerda precisa engajar nessa batalha”, pontua Dafne.
Tais dificuldades, porém, não desanimam o grupo, que acredita ser possível reconquistar quem se afastou da esquerda. “A maior batalha nos próximos dois anos é a ideológica. Como vamos alcançar as pessoas, como chegar com elas. É difícil, mas estamos aqui para isso, essa é a importância do coletivo”, finaliza.