Slam é uma forma de arte com poesia falada que surgiu na década de 1980 nos Estados Unidos sendo uma forma de resistência como o rap e o grafite, ocupando os espaços para discutir as questões sociais. Chegou ao Brasil em 2008 e encantou o coração e as vozes das mulheres. Com batalhas de poesia elas tratam do cotidiano falando sobre o machismo, a misoginia, o racismo, a política e o amor, entre outros temas. No ano 2012 o movimento feminino se fortaleceu e a cena se concretizou para dar espaço às mulheres (cis e trans) e às questões de gênero, infelizmente negadas por uma parcela da sociedade.

Minas de oito estados irão representar seus grupos no 1º Torneio Nacional “Singulares” de Slams por mulheres (cis e trans), são elas: Slam das Minas SP (ganhadora da edição de aniversário de três anos do coletivo, que acontece dia 16 de março); Slam Luana Barbosa Presente (SP); Slam Marginalia (SP); Chica da Silva (RJ), Slam das Minas RJ, Camélias (MS), Slam das Manas (MG), Slam das Minas PE, Slam das Mulé (BA), Dandaras do Norte (PA), Slam das Minas BA e Slam das Minas RS. O público escolherá a campeã, que levará o troféu.

Acompanhe ao vivo pelo Instagram

Gratuito, o evento é idealizado pelo Slam das Minas SP, com organização de Mel Duarte, Pam Araújo, Carolina Peixoto e Luz Ribeiro, produzido pela Baderna Produtora e realizado pelo Sesc Ipiranga.

Conversamos com Carol Peixoto do Slam das Minas SP que nos contou um pouco sobre o movimento. 

CATARINAS – O Slam das Minas conseguiu ser uma rede nacional. Há quanto tempo vocês constroem esse movimento? Como são as parcerias com as outras meninas?
Na verdade a gente está idealizando fazer esse torneio desde o início do ano passado, era uma coisa que a gente já tinha pensado. O Slam das Minas tomou uma proporção mesmo de nível nacional em uma rede de batalhas destinada apenas a mulheres. A gente está articulando com programadores para conseguir fazer desde agosto e conseguiu agora para o dia 24 de março. Nosso contato vem muito do Slam BR que é o primeiro Slam realizado no Brasil e nessa de conhecer as meninas dos outros estados em 2015 a gente teve muito contato com as meninas do Distrito Federal e o Slam das Minas nasceu lá, o primeiro projeto. Em janeiro de 2016 nós fizemos uma edição experimental. As meninas do Slam de lá estavam aqui em São Paulo e a gente fez essa edição aqui para ver como era, como seria a adesão aqui. E foi muito positivo. Em março nós fizemos o Slam das Minas aqui em São Paulo por ser essa cena grande de literatura independente. O Slam chegou aqui em 2008 e foi crescendo assim absurdamente todos esses anos.  Hoje tem mais de 70 Slams pela cidade. O Slam das Minas tomou uma proporção muito grande já no primeiro ano e através da internet foi chegando nos outros estados. As meninas já fizeram Slam das Minas no Rio, na Bahia, em Pernambuco. Nasceram outros Slams que tiveram a mesma proposta desse recorte direcionado para as mulheres e alguns para mulheres e pessoas trans. Com outros nomes, mas com esse mesmo recorte. E aí a gente foi começando se articulando, já fez um evento, não era um torneio ou uma competição assim geral, mas a gente já conseguiu começar com articulação nossa do Slam das Minas mesmo. Foi um encontrão onde a gente trouxe todos os Slams das Minas que já tinham até junho do ano passado.

CATARINAS Sabemos que vocês batalham há um tempo na poesia e estão fazendo vários encontros para promover arte e dar visibilidade às questões que envolvem as mulheres. Esse torneio surgiu da necessidade de se construir espaços de discussão social mais representativos?
O Slam BR que garante a vaga do poeta brasileiro para ir para França ele acontece aqui em São Paulo desde 2012. Primeiro era só SP, mas depois que o Slam foi saindo de São Paulo se tornou Slam BR em 2014. Ele é misto, assim como em outros é um lugar onde a maioria é homem, tanto os poetas quanto o público. A gente percebia que muitas meninas não se sentiam à vontade para batalhar e muitas das que batalhavam não conseguiam avançar nas etapas, nas rodadas dos campeonatos.

Nossa sociedade não está acostumada a ouvir mulheres, a valorizar as mulheres e o Slam das Minas surgiu dessa demanda de a gente querer garantir um espaço para que as minas sejam respeitadas, ouvidas, um espaço acolhedor para as meninas conseguirem competir de igual com os homens.

Depois que a gente percebeu o quanto isso foi forte aqui pra gente em São Paulo e como já foi para Belém, já foi para o Rio, vimos que também a cena lá estava precisando disso, a gente pensou “porque que a gente não cria o nosso próprio campeonato mesmo”. Desde 2016 a gente também tem conseguido destaque no torneio misto, mas não conseguíamos avançar. A gente falou:  “vamos criar nosso movimento”. A gente faz o nosso espaço.

CATARINAS – Sabemos que SP é uma referência no movimento nacional. O que vocês diriam para as minas de outros estados que ainda não participaram?
Eu acredito muito no fortalecimento. Nós temos que nos entender enquanto mulheres. Nós somos todas parceiras. Temos que nos fortalecer, nos valorizar. A gente não está em nada atrás dos homens. É acreditar em si. Eu acredito que as mulheres têm que acreditar em si. Tem que se fortalecer umas nas outras. Nós fomos ensinadas por muito tempo a competir por espaço, por visibilidade. De um tempo para cá na última década nós temos entendido que nós somos parceiras e não inimigas. Acreditar no seu trampo, ir atrás. Nós somos muito competentes e muitas vezes mais do que os homens. Buscar as parcerias e as redes.

CATARINAS – Torneio “singulares”, você poderia explicar o motivo da escolha do nome?
Inicialmente no Slam das Minas SP só tinha o recorte para mulheres cis e trans, no entanto, desde o ano passado, a gente tem articulado de como acolher as pessoas trans em geral, por entendermos que somos todxs, de um modo amplo, as vozes a margem da sociedade, mas vozes diferentes. E junto com outros coletivos percebemos o quanto somos únicos diante de uma diversidade e por isso somos singulares.

CATARINAS – Vocês fazem eventos em escolas públicas e também oficinais. Qual o motivo de vocês irem por esse caminho?
A gente sempre, desde que nós entramos nesse universo da literatura independente, cada uma entrou em uma época, em um momento da vida, mas estamos juntas desde 2012, e a gente sempre teve esse cuidado porque nos eventos culturais as pessoas estão lá em geral porque querem, porque conhecem, porque já entendem essa cena literária. A gente sempre teve esse cuidado de ir a escolas, ONGs, quando a gente pode a gente também vai em Fundação Casa, que é para gente poder levar essa discussão das críticas sociais, as lutas feministas, as lutas raciais, a consciência social para os movimentos e outras instituições que atendem mulheres para a gente conseguir dialogar e informar essa pessoa que não está informada e que não participa desses movimentos culturais.

CATARINAS – Quais os temas mais batalhados?
Por ter esse recorte das mulheres e das pessoas trans acaba que as pautas abordam o machismo. Tem muitas meninas presas então elas também falam desse lugar, de sofrer com o racismo, por isso tem uma coisa legal no nosso Slam que talvez não aconteça tanto nos outros que a gente busca falar  de poesia de amor, poesia do cotidiano. Na verdade o tema é livre, mas acaba que tem aquilo que os jurados mais gostam de ouvir como uma poesia que tenha o cunho político, uma discussão social, acaba que torna os temas mais recorrentes por conta disso mesmo, da aceitação do público, da aprovação dos jurados. A gente busca trazer também outros temas para que a gente entenda as lutas, as discussões políticas. A voz também é um ato político. Os mais recorrentes são combate ao nazismo, combate ao racismo, diferença social, política e a gente busca trazer esses outros temas para dar uma diversificada.

CATARINAS – Como você começou?
Minha mãe é escritora, meu irmão é músico e em 2012 eu comecei a frequentar sarau com eles. O primeiro sarau que eu fui foi o da Cooperifa aqui na zona sul e me encantei muito. A primeira vez que eu vi um poeta falando eu fiquei muito encantada. Eu gosto de falar que o sarau dá vida ao texto. Quando o poeta está declamando você tem um outro olhar para a poesia. Depois de uns cinco ou seis meses que estava frequentando o sarau eu quis começar também a tentar escrever poesia. Eu falo que desde então eu tenho me tornado poeta.

CATARINAS – Como é para vocês expressarem seus pensamentos, colocarem as palavras para fora e representarem com poesia?
É muito bom. É meio que uma terapia. Acaba que a maioria dos meus textos é de temas pesados. As minhas poesias são coisas que mexem comigo de alguma forma e, infelizmente, são as coisas ruins que mais mexem. Eu sinto como se fosse um descarrego mesmo, tirar aquele incômodo, mas também acho importante sentir que eu consigo acessar lugares, falar coisas com pessoas de uma forma que talvez em uma conversa ou em uma apresentação não fique tão clara. Eu gosto muito de conversar sobre feminismo com a minha avó. E essas conversas só se tornaram possíveis com as pessoas mais velhas em geral na poesia porque que muitas vezes me perguntavam “você é feminista?”,  eu dizia “não. Eu não sou. Eu não pesquiso eu não vou nas manifestações”.

E depois você começa a entender melhor e eu falo “feminismo é. Eu luto do meu jeito”. Como minha mãe lutou do jeito dela. Quando esses temas estão na poesia a gente consegue dialogar melhor com as pessoas.

Uma coisa que é bom a gente sempre ressaltar é que as meninas, as pessoas trans, nós que estamos há muito tempo sendo oprimidas, e que por muitas gerações acreditamos que a gente não era capaz, porque por muitos anos colocaram a mulher por trás daquele grande homem, que nós somos fortes, que nós temos potencial. Esse torneio está sendo produzido desde o design, assessoria de imprensa, produção, apresentação, somente por mulheres e pessoas trans. E está sendo lindo. Vai acontecer amanhã um evento incrível. Com pessoas de oito estados diferentes. Vai ser tão bom quanto um evento misto. Acredite no nosso potencial e não deixe que o outro nos rebaixe ou que nos diminua porque nós somos tão boas quanto.

CATARINAS Vocês fazem vários encontros no domingo. Qual o motivo? É para reunir todo a família?
O Slam é todo terceiro domingo do mês de forma itinerante. A gente começa à tardezinha, assim primeiro para ter cuidado mesmo porque é um evento realizado por mulheres para que as famílias consigam ir, para que as mulheres conseguiram ir, às crianças, nós mesmas da coletiva. Só a Bel não tem filha, então a gente leva as nossas filhas também. E cada família tem o seu entendimento do que quer que se acesse ou não, mas eu particularmente acho muito importante que desde as crianças até os mais velhos tenham acesso ao que está sendo falado. E a gente tem esse cuidado. A data de domingo foi escolhida para isso, para ser um dia família, para que possa ir a mãe, a avó, as crianças, todo mundo.

CATARINAS – Sempre há uma tradutora para Libras? Vimos que vocês têm esse cuidado.
Na edição oficial nem sempre a gente consegue custeá-la,  mas nem por isso a gente deixa de fazer, que são essas do terceiro domingo. Quando a gente consegue ter recursos para financiar o evento a gente consegue contratar a tradutora de libras, porque nós não temos no nosso coletivo uma pessoa. Então a gente precisa terceirizar esse serviço. Sempre que a gente pode a gente contrata esse serviço para a gente conseguir que seja acessível o máximo possível. Inclusive no torneio amanhã vai ter.

CATARINAS – Vimos que você lançou alguns livros sobre educação infantil. Qual a relação entre a pedagogia e a poesia?
Eu sou pedagoga, trabalhei por muitos anos para educação infantil. Eu tenho dois livros infantis e um adulto. O meu segundo livro eu publiquei o ano passado em outubro e chama “Mete a mão”. É um livro artesanal com propostas de textura para crianças de zero a seis anos. Quando eu comecei a frequentar sarau eu busquei formas de me envolver. Na época eu estava trabalhando como professora, e quando surgiu a ideia eu pensei em escrever um livro infantil. A gente fala muito isso que as crianças têm que estar na cena cultural desde cedo, mas muito pouco é pensado principalmente na cena independente, em como atingir elas. Eu fiquei uns seis meses escrevendo pensando nisso de que as crianças se sentissem acolhidas no sarau. E o livro de 2013 chama Bola, Lápis e Papel. E depois que eu trabalhei com ele na escola onde eu trabalhava eu vi que os pequenos, que as poesias já tinham uma linguagem infantil, que o livro em si por ter várias poesias não consegui atingir os pequenos na primeira infância. Por isso que o meu segundo livro já trouxe uma proposta sensorial para que os nenenzinhos pudessem brincar e ter contato com o livro mesmo.

 

#8MElasPorElas

Todo lugar é nosso
Também queremos as nossas

Poder trabalhar um livre pensar

Igualdade sem ter que brigar

Ser dona de casa, dona do tempo,

Dona de mim, dona do mundo

Pelo fim da misoginia

Chega de violência

Não ao patriarcado, ao coronelismo

Cultura do estupro, pro ralo o machismo

Um salve pra aquelas que lutam

Por todas que morrem e as que vencem

Estamos juntas,  sempre

Somos muitas, senti

Parceiras de vida e boas de briga

No front unidas

Se liga, hein

Direito ao voto,  Dilma na Alvorada

Tomamos um golpe, não tamu parada

No corre com as manas de várias quebradas

Ocupando espaços, criando outros laços

Longe de quem nos quer apenas pedaços

A história deixou marcas que não vamos esquecer

E de tanto apanhar aprendemos bater.

 

O jornalismo independente e de causa precisa do seu apoio!


Fazer uma matéria como essa exige muito tempo e dinheiro, por isso precisamos da sua contribuição para continuar oferecendo serviço de informação de acesso aberto e gratuito. Apoie o Catarinas hoje a realizar o que fazemos todos os dias!

Contribua com qualquer valor no pix [email protected]

ou

FAÇA UMA CONTRIBUIÇÃO MENSAL!

Últimas