É aquela que mexe, que transborda, que transforma. Não, gente, não vou falar sobre Wagners, Queers, nada disso, embora tenha no espírito que a arte é absolutamente livre.

Estive num show, da Ná Ozzetti e Zé Miguel Wisnik, em 3 de outubro, no SESC Prainha, em Florianópolis. Saí diferente, levitando. Cheia de boa vontade. Olhando prum mundo mais bonito. Quanta beleza. Como cheguei no show? Pra dentro, nervosa por fotografar músicos que representaram essa mesma transformação há 30 anos quando os assisti pela primeira vez em um bar pequenininho láaaaa na distante Porto Alegre da minha criação.

“A primavera é quando ninguém mais espera, e desespera tudo em flor.”

Sou uma aprendiz, curiosa por natureza, a arte me ensina, quase sempre. Aprendo línguas através de filmes, seriados. Tenho insights com quadros. Quando vi uma pintura do Bosch no MASP, caí de joelhos, tamanha a força, a inquietude d’A Tentação de Santo Antão, pintado cerca de 1500. 1500, gente, mesmo ano que Cabral aportou no Brasil.

Quando assisto um show da Ana Paula da Silva, saio cheia de amor no coração, o mundo fica cor de rosa. Transforma. Mexe. Toca em pontos, às vezes, que nem sabia que existiam na alma.

 

 

 

 

Ana Paula da Silva – Senhora do Tambor –  fotografada por mim no Teatro Álvaro de  Carvalho,  Florianópolis: 

“Negra pele, mãe raiz (…) Teu tambor também bate em mim”

 

 

 

 

 

Lembro nitidamente de momentos que deixaram marcas, de beleza, de aprendizado, de alívio, de acolhimento, de enlevo, de paz, de transcendentalidade.

Marina Lima fez o público cantar muito baixinho, quase sussurrando, “eu não sei dançaaar, tão devagar”, no Teatro Leopoldina, depois Teatro da Ospa, depois, o prédio foi demolido (que tristeza). O grupo Térpsi de dança encenou um almoço/jantar em família que me fez entender meus jantares de família com música experimental da Meredith Monk.

No São Pedro, adormeci sentada no corredor. Acordei envergonhada, mas percebi que toda plateia estava dormindo. A música transcendente de Egberto Gismonti fez um teatro inteiro, lotado, cair num transe adocicado. Tive a sorte de acordar um pouco antes e assistir um acorde estrondoso provocativo despertar esse povo. A força da música.

 

 

Marília Pera em Brincando em Cima Daquilo, com trilha sonora de  Oswaldo Montenegro, foto do acervo digital do Teatro São Pedro,  Porto Alegre.

“Eu me vesti de cigana, pra cantar o sol,  fiz comício e deu cana, pra cantar o sol (…) virgem, santa e sacana, pra cantar o sol”

 

 

 

 

 

 

 

 

Marília Pera e sua peça feminista Brincando em Cima Daquilo, dos italianos Dario Fo e Franca Rame, em 1985. Tenho o vinil compacto da trilha sonora até hoje. Hanna Schygulla tocando piano e falando que somos que nem bonecas russas, abrimos uma, outras menores e mais essenciais vão aparecendo.

A transformação lenta que os palhaços provocaram, trazendo a tona meu sorrir brincante de novo; Wim Wenders me fazendo acreditar em anjos caídos por quererem experimentar o amor, e que continuam sendo anjos, apenas sem asas. Telma e Louise falando de uma liberdade que o dia a dia nos amassa e nós nos perdemos na rotina. Falando de abusos. O grito de Edvard Munch, assombrando minha alma torturada e reprimida. Precisando e querendo sair do armário das dores.

Mundo Costrini, palhaço argentino fotografado por mim no V Festival Ri Catarina, Circo da Dona Bilica, Florianópolis

Um grupo de dança de um país nórdico (não lembro nome, não lembro o país), deixaram aparecer apenas partes íntimas do seu corpo – até as cabeças estavam cobertas – e manipulavam seios e pênis dançantes em um teatro emudecido e assustado. E eu querendo rir, simplesmente genial. As imagens incríveis e penetrantes de Sebastião Salgado, que nos leva ao lugar onde ele fotografou. Mercedes Sosa fazendo uma plateia muito séria e cansada levantar e dançar, levou quase uma hora, mas conseguiu com sua leveza, com sua empatia transformadora.

O filme Hair (1979, assistido umas dez vezes quando eu tinha 16 anos) me fez querer ser uma heroína a distribuir liberdade e amor livre por aí, sem distinção de raça, credo, sem distinção de orientação sexual, contra a guerra, contra o consumismo, a favor da dança, da alegria. Certamente sou o que sou influenciada pelo seu recado bem dado. De tempos em tempos assisto de novo, pra lembrar da onde eu vim e reafirmar pra onde quero seguir.

O musical Hair foi feito filme por Milos Forman, o clipe 3500 fala contra a violência racial e as guerras

E a lista é infinita.

Ná e Zé recuperaram uma trajetória que me fez ser e estar aqui com meu pensamento, meus valores e emoções, alinhadas e desenvolvidas através da arte.

E você?

Que filme, que peça, que show trouxe algo significativo pra sua vida? Qual performance, pintura, dança te fez questionar, te fez dançar? Que artistas ou que trechos, você nunca esqueceu?

E que hoje fazem parte permanente de quem você é?

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  • Chris Mayer

    Chris Mayer é fotógrafa, jornalista, escritora e palhaça. Dedica-se à fotografia de palco, dramaturgia cômica, crônicas...

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