Hoje não levantei bem. Ontem deitei pensando que eu preciso sintonizar na vida, mas é tanto retrocesso, discurso vazio, repetição da barbárie… O que resta é nós por nós, mas quantos de nós ainda restam? 

Levantei, tomei um gole de café com pão dormido na frigideira e me coloquei a fazer umas atividades obrigatórias do mestrado. Esse passo é importante, mas por vezes dá aquela balançada do tipo: o que eu estou fazendo? Diante de tudo que tá aí, essa balançada é entendível, eu acho.

Aí fui lavar a louça do almoço, ariei umas panelas, ah esse momento! Esse momento é ótimo pra pensar em tudo e é uma avalanche de pensamentos. Ariando fiquei pensando na charge que está nesta postagem, ela me lembrou uma aula de geografia na época que eu fazia o cursinho. Lembrei da teoria Malthusiana, essa que é sim, retroalimentada, proporcionando o genocídio dos nossos. Porque pra essa sociedade quem mais faz filhos são os pretos pobres, logo, mais da metade da população brasileira.

Essa metade da população pode ser matada ou morrida, o que casa perfeitamente com a COVID e a maneira que este desgoverno vem violentamente impondo sobre nós essa morte, e aqui é por qualquer via, compreende?

Meu sentimento é que o nós por nós ainda não alcançou os nossos, está parecendo tão longe…

Enquanto fazia força na panela fiquei pensando na liberação das armas, da quantidade de armas. São 60 unidades de armas, para quem? E por quê? Como as pessoas podem defender esse tipo de coisa? Eu não estou falando da elite que tem carrão blindado e um cofre dentro de casa onde guardam dinheiro e arma, não. Tô falando de nós, os nós por nós, sabe?

Eu não sei se já contei pra vocês que minha mãe foi doméstica/ diarista/ lavadeira até o momento em que não tinha mais saúde, nem para limpar e lavar para os outros, e nem para fazer isso na sua própria casa. Então, a gente morava em uma Cohab e ela costumava fazer faxina naquela casa. Casa de gente branca. Um certo dia, apareceu um policial com um documento pra minha mãe assinar, ela foi tida como suspeita do desaparecimento de uma arma. Eu não lembro do desfecho, pois eu acho que tinha entre 10 e 13 anos. Olha a vergonha que minha mãe passou? Lembro dela chateada com essa questão.

Agora avalie a situação de pessoas com trajetórias parecidas com a da minha mãe, no auxílio emergencial de R$ 150,00 à R$300,00, e faça um pequeno link na frase do atual sujeito que ocupa a cadeira de presidente, que segundo ele mesmo fala (não consegui colocar aqui o vídeo), seria preciso armar a população, mas qual população? Os desempregados? Os favelados? Os pobres? As mulheres? A população LGTBQI +, a indígena, a população negra? Os que buscam auxílio para sobreviver? É isso? Ele, o sujeito que tá na cadeira, diz que segurança pública começa dentro de casa. Casa de quem? E quem não tem casa? Então tudo bem eu ter umas 60 armas e umas 1.000 munições, tudo certo?

O sujeito assinou o tal decreto com orgulho, mas assinar para a compra de vacinas, não! Aumentar o auxílio, não! Vamos pensar! Quem de nós por nós consegue comprar uma pistola em uma lojinha da Taurus? Humm? Quem de nós por nós, faz milagre com este valor do auxílio emergencial neste momento de pandemia? 

Quem de nós por nós, fora do grupo específico que deve neste momento ser imunizado, vai ter vacina para poder voltar ao trabalho com segurança e sem medo? Você é empresário? Você pode pagar por uma vacina? Quem compra vacina, compra pra quem? A vacina vai ser de graça para os trabalhadores do empresário? Ou vai ter que pagar fazendo hora extra? Já pensou?

Quer dizer, que ao invés dele, o sujeito que está na cadeira presidencial a pensar nas milhares pessoas que estão sendo atravessadas pela fome, desemprego, Covid, ele prefere, pautado na “democracia” (aff) debater e instalar o armamento no país! 

Não há como estar sã 24h por dia. Eu vivo e vejo de perto uma realidade muito cruel, e não sou só eu, isso que é o mais sério e profundo.

Os dias não têm sido fáceis, há os melhores, há os piores. Porque a gente não consegue só pensar na vida, pois a morte é iminente e se instalou nesta sociedade, e para uns é a banalização literal da vida em nome de um superpoder que muitos acreditam ter: enganar a morte sem a mínima proteção.

Então, para tentar a sanidade, venho escrevendo, do meu jeito, venho tentando dar conta dos meus compromissos, do meu jeito, venho tentando ser mãe, esposa, militante, avó… mas confesso, não é fácil e não me digam para me afastar das coisas; o lance não é nós por nós? Como vai ser se todo mundo pedir um afastamento? Nesse nós por nós é preciso revezar, mole não vai ser, mas eu não admito perder mais uma vez essa parada para o retrocesso.

Vou ali escrever algo mais e ariar umas panelas.

Foto: arquivo pessoal

*Luciana de Freitas Silveira é mulher, negra, periférica mãe e avó. Mestranda no Programa de Pós Graduação em Educação na Universidade Federal de Santa Catarina, participante do grupo de pesquisa: Núcleo Infância, Comunicação, Cultura e Arte (PPGE/CED/CNPq). Graduada em Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Educadora e Coordenadora Popular do Projeto de Educação Comunitária Integrar, membra da GESTUS- Gestão Estudantil Universitária Integrar. Militante do Movimento Negro Unificado de Santa Catarina – MNU. Idealizadora e construtora do grupo EscutAção, que dialoga sobre as violências vividas pelas mulheres.

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