Após o resultado do segundo turno das eleições presidenciais de 2022 e vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), atos antidemocráticos e discursos de ódio contra apoiadoras/es do presidente eleito têm se espalhado pelo país. Historicamente, parlamentares mulheres são alvos de ataques e isto tem se potencializado contra vereadores de Santa Catarina e Paraná que denunciam atos golpistas e fascistas em seus municípios.
Giovana Mondardo, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) de Criciúma (SC), e as petistas Thays Bieberbach, de União da Vitória (PR), e Maria Tereza Zanella Capra, de São Miguel do Oeste (SC), são algumas das vereadoras que estão sendo perseguidas e viraram alvos de difamações, ataques coordenados e até mesmo pedido de cassação.
Para a líder do Grupo de Pesquisa Comunicação Eleitoral (CEL) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e autora do livro Campanhas Eleitorais para Mulheres, Luciana Panke, os ataques centralizados nas vereadoras, no cenário pós-eleições, estão relacionados ao machismo e misoginia estruturais da sociedade e política brasileira.
“Quando se pensa em poder, com essa crença autoritária, se pensa o poder dos homens, ou de um homem, sobre outras pessoas. A maioria das pessoas que estão na rua, estão pedindo autoritarismo, reforçando que são a favor do patriarcado, homem mandando em todos, sem direito de democracia. As mulheres são afetadas justamente porque são um grupo que historicamente já é considerado como excluído da tomada de decisão”, aponta Panke.
Pedido de cassação por denunciar discurso de ódio
Giovana Mondardo (PCdoB) é a vereadora mais jovem da história de Criciúma e conta que sofre ataques desde o momento em que foi eleita pelo seu posicionamento político. Quando as manifestações golpistas pós-eleições iniciaram, ainda na noite de domingo (30), Mondardo denunciou o que essas manifestações significavam para a democracia.
“Compartilharam meu posicionamento em grupos de WhatsApp, pediram o endereço da minha casa e gabinete, queriam mandar coisas para lá, me xingaram de vários adjetivos pejorativos pelo fato de eu ser mulher”, relata Mondardo.
Os ataques se intensificaram após a vereadora de Criciúma compartilhar o vídeo de uma manifestação em São Miguel do Oeste, em 2 de novembro, no qual as pessoas posicionam o braço de forma similar com a saudação nazista “Sieg Heil” enquantam cantam o hino nacional. Esse vídeo rapidamente repercutiu nas redes sociais, com instituições como o Museu do Holocausto de Curitiba e Confederação Israelita do Brasil (Conib) repudiando a apologia ao nazismo.
A postagem de Mondardo foi compartilhada em grupos bolsonaristas no WhatsApp. “Recebi ameaças pelo WhatsApp, eles tentaram acessar minhas contas nas redes sociais e mais uma vez perguntavam sobre o meu endereço”, fala. Após a repercussão, a vereadora apagou o vídeo do Instagram.
Ao final da sessão da câmara da última segunda-feira (7), Mondardo descobriu que foi protocolado um pedido de cassação contra o seu mandado. A acusação é assinada por Alexsandro Chaves de Sousa, servidor estadual, Aline Constantino Bonfante da Rosa e de Jonas Marques Martignago, servidores municipais, e pelo empresário Marcos Ricardo dos Santos.
No pedido de cassação, Mondardo é acusada de instigar o ódio aos munícipes de São Miguel do Oeste e ao povo de Santa Catarina pela relação com o nazismo. O pedido foi rejeitado, por unanimidade, em Sessão Ordinária na terça-feira (08).
“O pedido de cassação está sendo realizado porque a vereadora Giovana Mondardo se colocou como porta-voz em defesa da democracia no estado catarinenses. Se manifestar democraticamente não é crime, se manifestar democraticamente não deveria colocar a vida de nenhuma de nós em risco!”, destacou a União Brasileira de Mulheres (UBM-SC), em carta assinada por diferentes movimentos sociais.
Investigação em São Miguel do Oeste ainda está aberta
O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) investiga o caso de São Miguel do Oeste. Em um relatório inicial apontou que não foram encontrados indícios de apologia ao nazismo e que os participantes fizeram o gesto atendendo o pedido do organizador do movimento para atrair boas energias.
“Se as pessoas que fazem a saudação nazista sabem o que estão fazendo, é de pensar. Todavia, aqueles que ‘comandam’ e promovem os atos antidemocráticos e nazistas sabem o que fazem. Foi ensaiado meticulosamente como também foi produzida a retórica do ódio e do mal”, escreveu a historiadora Marlene de Fáveri sobre o episódio.
Mondardo não é a única vereadora cuja denúncia do gesto repercutiu. Maria Tereza Zanella Capra, vereadora e presidenta do PT em São Miguel do Oeste, sofre ataques desde 2 de novembro, quando denunciou o vídeo ao MPSC.
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Na quinta-feira (03), os deputados Kennedy Nunes (PTB) e Maurício Eskudlark (PL) usaram a tribuna da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) para criticar pessoas que compartilharam o vídeo, incluindo a vereadora. Nunes afirmou que vai protocolar um ofício para que o MPSC se manifeste com relação à Capra pela autoria da denúncia.
Perseguida por pedir pela pacificação
Durante a sessão de 31 de outubro, um dia após o resultado das eleições, da Câmara de Vereadores de União da Vitória (PR), Thays Bieberbach (PT) pediu pela pacificação e pelo respeito ao resultado das eleições. Também classificou como absurdo que alguns vereadores incentivem atos antidemocráticos.
“É dever de todos nós, vereadores e vereadoras desta casa, defender a democracia e o resultado que veio das urnas. É inconcebível que alguns aqui dentro concordem e instiguem a população a agir com violência. Toda essa insanidade criou inimizades, dividiu famílias e nós enquanto vereadores temos capacidade e dever de influenciar nossos eleitores nessa pacificação tão necessária pós-eleições”, defendeu na tribuna.
Um dia depois, em 1º de novembro, manifestantes que bloqueavam estradas em União da Vitória avançaram contra bombeiros militares e tomaram uma mangueira da corporação. O confronto aconteceu enquanto bombeiros davam suporte a uma operação da Polícia Militar que tinham entrado em acordo com manifestantes para dissipar o bloqueio.
Nas redes sociais, Bieberbach prestou solidariedade a equipe do Corpo de Bombeiros que estava no confronto. “Os soldados da corporação que ficaram machucados com as agressões e precisarem de ajuda, podem procurar nosso mandato”, escreveu a vereadora.
Após o pronunciamento, Bieberbach, que também relata sofrer ataques desde que foi eleita, se tornou alvo de grupos bolsonaristas. “Eles começaram a postar foto minha nos grupos, procuraram imagens antigas de quando eu era jovem, incentivando ataques contra mim e organizando para ir à câmara na sessão do dia 7”, diz.
Cerca de 20 apoiadores dos atos antidemocráticos compareceram à sessão. Ao usar a tribuna, um munícipe de União da Vitória acusou Bieberbach de chamar os manifestantes de criminosos, como anteriormente os chamou de golpistas por não respeitarem o resultado das eleições. Após as repercussões das mensagens de ataque à vereadora, cerca de 30 apoiadores, membros de movimentos sociais, também compareceram à sessão, conforme ela conta.
Atos antidemocráticos
Os atos antidemocráticos começaram ainda na noite do dia 30 de outubro, quando rodovias federais foram fechadas como forma de protesto pela vitória de Lula (PT) nas eleições. No dia 1º de novembro, o Supremo Tribunal Federal mandou desbloquear as vias pelos transtornos e prejuízos causados à sociedade com os bloqueios. Porém, até em 8 de novembro, ainda são identificadas 4 rodovias bloqueadas e 15 interditadas no país.
O principal argumento dos manifestantes é que as eleições foram fraudadas, opinião compartilhada inclusive por políticos eleitos nesta e em eleições passadas.
A pesquisadora Luciana Panke descreve esse tipo de manifestação que reivindica uma ditadura como algo inédito na democracia brasileira, se levarmos em consideração que o governo atual, o qual defendem, foi eleito em 2018 pelo voto popular.
“Esse comportamento das pessoas indo pra rua inflamadas emocionalmente também tem a ver com o desentendimento de como a democracia funciona. Parece que elas só entendem que a democracia funciona se tiver de acordo com o pensamento delas, o que por si já é algo antidemocrático”, coloca.
Panke relaciona esses movimentos antidemocráticos com os canais de manipulação e desinformação que cresceram no Brasil nos últimos anos e criaram a figura de um inimigo único: o Partido dos Trabalhadores. “O PT condensaria tudo o que esse grupo político acredita como ser mal: corrupção, comunismo, socialismo, feminismo…”, exemplifica.
Para ela, as pessoas que estão nas manifestações acreditam que um governo autoritário seria a resposta para acabar com esse inimigo único. “Quando parte da sociedade já tem enraizado o machismo, a violência, o racismo, toda essa forma de exclusão, a política de desinformação reforçou essas crenças. Essas pessoas se agarram nessas crenças, acreditam que estão representadas por ela e que um governo autoritário poderia acabar com essas ameaças”, interpreta Panke sobre o cenário atual.
Espiral de contradição
Tanto em Criciúma, município que Giovana Mondardo é vereadora, e União da Vitória, onde Thays Bieberbach ocupa uma cadeira na Câmara, outros parlamentares declaram apoio às manifestações antidemocráticas, mesmo que questionem o sistema que os elegeu.
Panke descreve o fato de parlamentares eleitos pelo sistema eleitoral brasileiro questionarem a forma como ele ocorreu no segundo turno das eleições como uma espiral de contradição tremenda e um comportamento infantilizado.
“Eles contestam o resultado das eleições quando se perde. Não se constataram o resultado das eleições quando eles estavam ganhando. Naquele momento, a democracia funcionava, agora no segundo momento, contestar virou uma questão de honra para essas pessoas”, explica Panke.