Veto de presidente Bolsonaro mantém milhares de mulheres na pobreza menstrual

Apesar de sancionar a Lei nº 14.214, que cria o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, o presidente Jair Bolsonaro vetou o primeiro artigo do projeto, que previa a distribuição de absorventes para estudantes de escolas públicas, mulheres em situação de rua ou vulnerabilidade social extrema, e mulheres presidiárias ou internadas em unidades socioeducativas. 

A decisão foi publicada na edição desta quinta-feira, dia 7 de outubro, do Diário Oficial da União, e causou descontentamento em todo país. A lei é fruto do Projeto de Lei 4968/19, da deputada Marília Arraes (PT-PE), e havia sido aprovada em agosto pela Câmara de Deputados, e também pelo Congresso, em setembro. 

Agora, questiona-se a efetividade do programa em promover saúde menstrual, sem a distribuição dos itens de higiene menstruais necessários, que estava prevista no artigo vetado.  

“É mais um episódio que revela o quanto a política para mulheres, os direitos das mulheres, não são prioridades. Nossas vidas são negligenciadas por esse governo e todas as secretarias que nele compõem”, afirma a vereadora de Florianópolis Carla Ayres (PT), responsável por projeto de lei sobre a erradicação da pobreza menstrual em âmbito municipal.  

A decisão do presidente também veta a inclusão de incluía absorventes nas cestas básicas distribuídas pelo Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. O artigo que previa que o Poder Público desse preferência de aquisição aos absorventes higiênicos feitos com materiais sustentáveis, também foi vetado. A justificativa utilizada por Jair Bolsonaro é de que o texto do projeto não indica uma fonte de custeio ou medida compensatória para a distribuição dos itens. 

O projeto previa que, no caso de estudantes da rede pública, o dinheiro viria dos recursos destinados pela União ao Sistema Único de Saúde (SUS). A justificativa do governo afirma que “os absorventes higiênicos não se enquadram nos insumos padronizados pelo SUS, portanto não se encontram na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais, além disso, ao estipular as beneficiárias específicas, a medida não se adequaria ao princípio da universalidade, da integralidade e da equidade no acesso à saúde do SUS”.

Segundo o texto do projeto, no caso das presidiárias, o custeio viria do Fundo Penitenciário Nacional (Fupen). O governo afirmou que a Lei Complementar 79/94, que criou o Fupen, não prevê o uso de recursos para esse fim.

Para Marsa de Abreu, 35 anos, integrante do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), a decisão do presidente corresponde ao arquétipo político que este vem apresentado desde antes de ser eleito. 

“O Bolsonaro é o homem que odeia as mulheres. Não é uma decisão baseada em orçamento. Se tem milhões de reais para comprar em leite condensado, porque não ter dinheiro para oferecer produtos de higiene para pessoas que precisam desse apoio? Ignorar essa necessidade, como se não fosse problema do Estado, como se não fosse um problema dos homens, é descartar todo o debate que se tem feito no acesso a direitos por mulheres, meninas, e as pessoas com útero. Essa decisão é motivada pelo mau ser humano, pelo mau gestor e mau homem que ele é”, afirma Abreu. 

Pobreza menstrual e discriminação

O veto de Jair Bolsonaro trouxe de volta ao debate uma importante discussão sobre pobreza menstrual, termo que se refere a situações onde não é possível realizar a higiene adequada durante a menstruação, por falta de recursos, como absorventes, estrutura, como o saneamento básico, e conhecimento sobre o assunto.

O fenômeno da pobreza menstrual é um exemplo de como o Estado negligencia as condições mínimas que garantem a dignidade humana, ao ignorar as necessidades fisiológicas de cerca de metade da humanidade – meninas, mulheres e pessoas com útero.

A antropóloga Mirian Goldenberg, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que uma em cada quatro jovens já faltou aula por não poder comprar absorventes. Os resultados mostram que a situação no país ultrapassa a estimativa global da ONU, de uma a cada 10 meninas.

Ginecologistas recomendam de três a seis trocar diárias de absorventes, de acordo com a intensidade do fluxo menstrual. Porém, muitas pessoas em situação de vulnerabilidade não conseguem arcar com o custo dos itens, permanecendo com o mesmo absorvente por horas. Um ciclo menstrual costuma durar de cinco a sete dias, gerando um gasto de R$10 a R$15 por mês apenas com absorventes.

As raras investidas para resolver o problema, como a Lei nº 14.214, ainda encontram diversas barreiras em uma sociedade que trata a menstruação como um tabu, deixando as pessoas que mais precisam, sem amparo. 

Em um país em que pessoas em situação de vulnerabilidade social chegam a usar miolo de pão como absorvente, a decisão de Jair Bolsonaro fará com que milhares de mulheres permaneçam na precariedade menstrual. Os vetos do presidente serão analisados pelo Congresso Nacional, podendo ser mantidos ou derrubados.

Bolsonaro é um homem que odeia mulheres
Foto: Polina Kovaleva no Pexels

Distribuição de itens irá ocorrer em Florianópolis

Em março de 2021, a vereadora apresentou o Projeto de Lei  18205/2021, que institui o Programa Municipal de Erradicação da Pobreza Menstrual. O projeto propunha a distribuição de itens de higiene – como absorventes, coletores e calcinhas menstruais – em escolas, abrigos para pessoas em situação de rua, casas de passagem, presídios e Unidades Básicas de Saúde. 

Previa ainda a realização de campanhas e ações de conscientização junto à população, e a inclusão do Dia da Higiene Menstrual (28 de maio) no calendário de Florianópolis.

A proposição teve o apoio do ex-vereador de São José Caê Martins, da deputada do Distrito Federal Arlete Sampaio, da deputada federal Marília Arraes, da pesquisadora Úrsula Maschette, e do Coletivo Menstruando sem Tabus.⠀

Apesar de ter entregue indicação ao executivo, a vereadora não teve resposta. Meses depois, em setembro, foi surpreendida com o anúncio de uma ação do prefeito Gean Loureiro (DEM), que irá distribuir absorventes nas escolas a partir de 2022. 

“A ação que o Gean anunciou é bem menor do que o nosso projeto propõe. A gente tem uma visão muito receosa dessa ação, pois não lida com a integralidade do problema”, comenta. 

O anúncio da ação foi feito em 26 de setembro, nas redes sociais do prefeito. Em vídeo, Gean afirma que a pobreza menstrual precisa ser mais discutida, pois “chegamos em 2021 e tem meninas que não vão para a aula porque estão menstruadas”. 

Outras propostas no Estado

Além de Florianópolis, outras cidades do estado contam com iniciativas para combater a pobreza menstrual. São José foi o primeiro município de Santa Catarina a disponibilizar os itens de higiene gratuitamente, através da  Lei 5.908/2020

Em Criciúma, por iniciativa da vereadora Giovana Mondardo (PCdoB), a Lei 7.929/2021 busca promover conscientização sobre o tema e universalizar o acesso a absorventes higiênicos.

No Norte do estado, em Joinville, já existe uma proposta – da vereadora Ana Lucia Martins (PT) – que prevê a promoção do acesso à informação e educação sobre a menstruação e sobre o uso de itens como absorventes, coletores ou outros produtos menstruais.

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  • Gabriele Oliveira

    Estudante de Jornalismo (UFSC) dedicada à escrita de reportagens, com foco na cobertura de direitos humanos. Estagiária...

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