Por Caren Silva Machado Medeiros

No dia 31 de Março de 2021 foi sancionada a lei 14.132 que tipificou como crime a conduta de perseguir alguém obsessivamente. O Projeto de Lei aprovado é de autoria da Senadora Leila Barros (PSB/DF) e, em que pese o fato da lei não dispor sobre o gênero da vítima, na prática jurídica percebe-se que na maior parte dos casos de perseguição as vítimas são mulheres. A conduta descrita agora como crime também é conhecida como stalking, palavra que tem origem inglesa e pode ser traduzida para o português como “perseguição” e a prática pode se dar de forma física ou digital.

O ato de perseguir passou a receber atenção nos Estados Unidos em 1990, devido a atriz Rebeca Schaeffer ter sido morta por um de seus fãs (SOBREIRO, 2020). E na Dinamarca em 1993. Conforme Amiky (2014, p. 15) o stalking é considerado como crime nos 50 estados norte-americanos e por lá essa abordagem já é bem mais comum em relação ao Brasil. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos apontou que 80% das vítimas de stalking são mulheres jovens e de acordo com o Departamento de Justiça dos EUA, 3,4 milhões de norte-americanos são vítimas do referido crime todos os anos.

A vítima nos casos de stalking tradicionalmente tem a mulher como a maior vítima. Por isso o stalking acaba sendo tratado, nos países onde é estudado e pesquisado, como uma das formas de violência contra as mulheres. Todavia, não se pode deixar de mencionar que homens também podem ser vítimas, e, ainda, que a incidência de tal prática criminosa também é encontrada em relações homoafetivas. (AMIKY, 2014, p. 15).

Por isso, o sentimento do perseguido é decisivo para que se possa configurar a conduta da perseguição contumaz e os danos vão desde os psicológicos, físicos, até mesmo a morte da vítima. Assim, o sentimento de medo, cerceamento, sufocação, invasão da vítima deve ser a referência para a tomada de decisão de registrar boletim de ocorrência e solicitar a representação do agressor, pois as condutas do perseguidor não são necessariamente ilícitas para caracterizar o crime.

O agressor pode realizar sua conduta de forma física ou digital. Nesta, o contato pode ser feito por meio de redes sociais (mensagens e curtidas obsessivas), e-mails, telefonemas, SMS, entre outras formas. Já quando age de forma física, o agressor pode adotar várias medidas como cercear sua residência, passar de carro ou a pé várias vezes, dirigir-se até o local de trabalho da vítima e os locais que ela costuma frequentar (mercados, padarias, bares, restaurantes). Essas condutas também podem se estender aos familiares e amigos da vítima.

Além desses exemplos, pode-se acrescentar a instalação de chip de rastreamento em veículo, aplicativos espiões, contratação de investigadores e outras formas de perseguição que possam ser adotadas pelo agressor.

O novo delito de perseguição inseriu o art. 147-A ao Código Penal Brasileiro, impondo a pena de reclusão de 6 meses a 2 anos e multa para aquele que perseguir alguém de forma reiterada, por qualquer meio, ameaçando a sua integridade física ou psicológica. O dispositivo legal também considera como crime restringir a capacidade de locomoção, invadir ou perturbar a esfera de liberdade e privacidade da vítima. A pena pode ser aumentada se a vítima for criança, adolescente, idoso ou mulher.

Conclui-se que a tipificação penal do crime de perseguição ou stalking é de grande relevância no rol de instrumentos jurídicos de proteção das mulheres. Considera-se como perseguição condutas reiteradas de invasão na vida e na privacidade da vítima, ainda que, tais condutas sejam lícitas, mesmo assim pode haver a incidência do crime de perseguição. É indispensável que sejam práticas reiteradas e não apenas um ato de forma isolada. Nesse sentido, o sentimento da vítima é essencial para a configuração do crime de perseguição. É importante que a vítima registre Boletim de Ocorrência e requeira a representação.


Referências

AMIKY, Luciana Gerbovic. Stalking. São Paulo. 2014. Disponível: <file:///sysroot/home/caren/Downloads/Tese%20Stalking.pdf>; Acesso: 12/04/2021.

APAV. Associação Portuguesa de Apoio a Vitima. Estatística APAV- Estatísticas em foco: stalking. Disponível em: <https://apav.pt/apav_v3/images/pdf/Estatisticas_APAV_Stalking.pdf>. Acesso em: 10 out. 19.

BRASIL. Decreto-Lei 3.689 de 3 de outubro de 1941. Código Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 07 Dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 10 abr. 21.

BRASIL. Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 08 ago. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 10 abr. 21.

CASTRO, Ana Lara; SYDOW, Spencer. Stalking e Cyberstalking: obsessão, internet, amedrontamento. Belo Horizonte: D’ Plácido, 2017.

MAZZOLA, Marcello Adriano. I nuovi danni. Padova: Dott. Antonio Milani, 2008, p. 1050.

SOBREIRO, Pedro. 7 famosos que morreram assassinados pelos próprios fãs. Disponível em: <https://super.abril.com.br/mundo-estranho/7-famosos-morreram-assassinados-pelos-proprios-fas>. Acesso em 12/04/2021.

*Caren é advogada. Professora Mestre em Direitos Fundamentais. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho

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