Sarah Massí, 31 anos, nascida em Florianópolis, é uma das lideranças do Cores de Aidê, fenômeno da cena cultural de Santa Catarina em 2017. Regente e percussionista, professora de dança, tem ampla participação na vida da cidade, criando coreografias, integrando baterias e comissões de frente de escolas de samba. Além disso, conduz o projeto Menina Percussão voltado para meninas em diferentes comunidades nas quais ensina dança afro e percussão. Dá aulas de dança na Cenarium Escola de Dança e no Conselho Comunitário do Ribeirão da Ilha. “Dança e Percussão com Sarah Massí” programa desenvolvido na internet faz ampla abordagem dos temas da cultura, em especial a negra e a popular. Em 2015, ao lado de Fernanda Jerônimo, Dandara Manoela, Cauane Maia, Bê Sodré, Nine Martins, Carla Luz, Cristiane Fernandes, Dominique, Nattana Marques fundou o bloco Cores de Aidê, um grupo de mulheres vulcânico, sem igual. De difícil definição pela abrangência alcançada, o trabalho se desdobra em dois campos de atuação, capaz de articular pesquisa musical, questões identititárias, discussões sobre o corpo e o feminismo. Expressivo, aglutina uma multiplicidade de vozes que fizeram toda a diferença no último ano. Por onde passa, Cores de Aidê ressoa o sonho e a luta pela liberdade. Nos ecos do canto e da percussão (surdo fundo, surdo marcação, repique, caixa e xequerê) nunca mais ninguém será o mesmo. Antes de se apresentar no dia 7, às 19h, no encerramento do Festival Internacional de Arte e Cultura José Luiz Kinceler, iniciativa do Centro de Artes (Ceart) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), Sarah dá entrevista exclusiva para o portal Catarinas. Sua fala e convicções convidam para o show gratuito que ocorrerá em frente à Udesc, na rua Eduardo Gonçalves D’Ávila. A artista e militante fala da experiência de viver Cores de Aidê, que define como um espaço de desenvolvimento e crescimento, uma forma de ver a vida e de se relacionar. “Somos nós por nós”, afirma.

Sarah Massí estudou música com mestres, atua como regente, percussionista e professora de dança/Foto Tóia Oliveira

Catarinas: Marca nas lutas feministas de Florianópolis, gostaria de saber qual é a melhor definição de Cores de Aidê? Banda, grupo de mulheres, bloco, coletivo? Tudo isso ao mesmo tempo?
Sarah Massí – Cores de Aidê é um grande grupo com mais de cem mulheres, dividido em banda e bloco. A banda é composta por dez mulheres e trabalha com arranjos percussivos complexos e músicas com letras autorais. O bloco, dirigido por integrantes da banda, comporta mais de cem mulheres. Dinâmico e fluido, é possível afirmar que em torno de 400 mulheres já participaram deste trabalho.

Catarinas: Múltiplo, plural, defensor da diversidade? Qual é a gênese do projeto e no que ele se constitui?
Sarah – Cores de Aidê é formado por mulheres que, através da percussão, se propõem a expressar suas vontades, ideias, ideais e convicções. Cores de Aidê consiste em colocar os tambores na cintura, as baquetas em punho, a voz em alto tom e um corpo que comunica para que o mundo ouça e veja. Acreditamos em uma luta através do amor, da compreensão, da doçura, do respeito, do olho no olho, da escuta, do silêncio (que é muito mais do que a ausência de som, é permitir espaço para que a outra ou o outro se manifeste, exista). Assim nos posicionamos e acreditamos que a mudança chegará. O que interessa é a outra, o outro, nos aproximarmos, nos recebermos, a curiosidade pelo universo da outra. O dia a dia em grupo mostra as múltiplas realidades, às vezes duras, que trazemos com nossas vivências e pensamentos impregnados de conceitos machistas que nos colocam como inferiores, competidoras, símbolos sexuais, noções que nos deformaram ao longo da vida. Vamos descontruindo tudo isso, resistimos e ultrapassamos os limites impostos. Cores de Aidê é um espaço para rupturas. Invisível muitas vezes, o machismo nos impede de amar! De amarmos a nós e as outras, nos impede de agir no mundo com confiança, segurança, fé, abundância, prosperidade e até mesmo nos impede de ser nós mesmas. Enfim, Cores de Aidê é muito mais do que um bloco de percussão e dança, é sim uma forma de ver a vida e de nos relacionarmos. É um espaço de desenvolvimento e crescimento.

Catarinas: Qual seria o seu principal objetivo?
Sarah – O principal objetivo é mostrar a todos e todas que as mulheres têm seu poder e inspirar mais e mais mulheres a serem o que são, a serem o que desejam ser e estarem onde queiram estar. E, através da arte, encontrar caminhos de respeito, de amor para um mundo mais harmonioso e feliz para todas e todos, de sermos quem somos na nossa máxima potência. O principal objetivo é comunicar, expressar o que se passa dentro dessas mulheres.

Catarinas: O nome está associado a Aidê, figura mitológica que luta pela liberdade nos cordéis nordestinos e cantigas de capoeira. Mulher negra que defende o inegociável, a liberdade. O que foi determinante na escolha do nome, de quem foi a ideia?
Sarah – A inspiração para o nome vem desse símbolo de liberdade e coragem que é Aidê. Ela não se submete a nada, nem a ninguém e vai atrás de sua liberdade que tem como prioridade. Assim nos vemos nela, assim queremos ser e queremos que todas sejam – livres! Para definir o nome olhamos aquelas que compõem Cores de Aidê, mulheres diversas e potentes, únicas e autênticas na sua forma de ser. A ideia do nome foi minha, já conhecia a cantiga de Aidê na época em que eu jogava capoeira. Sempre que era cantada ou vinha na minha cabeça, me encantava por essa mulher, por sua imensa coragem. E inspirada sempre nela seguimos buscando cada vez mais a liberdade e o empoderamento feminino.

Catarinas: A transgressão é um componente vital. Vocês se apropriam do samba reggae, da percussão –atividades bastante associados ao contexto masculino e à Bahia para transpor tudo para a região Sul. Fale um pouco dessa singularidade, relacione a questão com o feminismo.
Sarah – O samba reggae nos inspira por ser um movimento de resistência, de luta, de afirmação. Essa realidade do samba reggae, que faz da música sua arma e sua forma de expressão, se transpõe para o que nós mulheres temos feito, abrindo os caminhos para nós mesmas passarmos. Sabemos que somos nós por nós! O samba reggae nasce como um movimento político do povo negro de Salvador em uma sociedade racista e de segregação. Lutando por seus direitos, através do samba reggae, a comunidade negra vem conquistando seu espaço cada vez mais. Nós mulheres vivendo em um mundo machista, de abusos e de opressão, acreditamos na vitória e na necessidade da conquista de mais respeito e de mais espaços. Com isso seguimos.

Cores de Aidê/Foto: Márcio Henrique Martins

Catarinas: Como explica a vitalidade alcançada em 2017? O que exatamente ocorreu entre 2015, data de sua criação, e 2017? O fenômeno está associado à música, à dança, ao feminismo, o que foi determinante neste resultado?
Sarah – Em 2015 nascemos como um grupo de 15 integrantes que hoje é a banda Cores de Aidê. Após algumas apresentações, percebemos a vontade de muitas mulheres de integrarem a proposta, o que determinou a ampliação até alcançar esse número grande de mulheres e faz com que nossa voz seja ainda mais ouvida. Observamos o quanto crescemos e nos apoiamos. Somos muito diversas, cada uma com suas habilidades, ideias, talentos e desejos de bem, oferecendo tudo isso para Cores de Aidê. Alcançamos mais e mais pessoas. Acredito que a força da união de todas as mulheres ampliou a visibilidade e a escuta de nossa voz, culminando com uma grande repercussão em 2017. Claro que tudo está associado a muito trabalho. Além disso, o planeta chega a um ponto em que não se admite mais tamanha opressão feminina, então todas se identificam de alguma forma com o que falamos e como nos posicionamos. Assim, como todos os grupos femininos que buscam empoderar mais e mais mulheres, ganhamos espaço. Quando nos fortalecemos, ganhamos força e visibilidade.

Catarinas: Saindo um pouco do grupo, gostaria de saber como analisa essa nova onda feminista que se verifica no mundo, no Brasil e em SC? No seu ponto de vista, que sentido isso assume no contexto sociopolítico brasileiro e, no caso, do Cores de Aidê, muito especialmente em Florianópolis? Arte e política, arte e feminismo – quais são as cores do futuro?
Sarah – O feminismo é como uma semente no solo que inevitavelmente cresce, desvia dos obstáculos e cresce, seu único caminho é crescer. Acho incrível ver que mulheres em diferentes instâncias têm lutado e se posicionado com força e coragem, pois para lutar pelo feminismo é necessário muita coragem! Para uma mulher falar precisa ter muita coragem. Ao falarmos, percebemos que outras mulheres se sentem representadas, inspiradas e encorajadas. Mais e mais nos colocamos a falar, expressar e abranger esse lugar de mulher! O tema do Carnaval 2018 do bloco Cores de Aidê é Lugar de Mulher. Os limites que transbordam nossos corpos, trazendo justamente a questão de que não há nada que mulher alguma no mundo não possa fazer. Não há nenhum lugar no mundo que a mulher não possa ocupar. Tenho ouvido muitas mulheres dizerem: nossa esse movimento de Cores de Aidê em Florianópolis!! Cores de Aidê em Florianópolis!! Ao expressar sua sede de ver mulheres no espaço cultural da cidade, vemos o quanto ainda temos a conquistar. Mas seguimos unidas e fortes com muita fé em uma transformação definitiva na qual todas e todos sejam respeitados, livres e felizes, E para o futuro uma certeza, nós estaremos lá!! Nós resistimos!! Nós existimos!!

SERVIÇO
O quê: Festival Internacional de Arte e Cultura José Luiz Kinceler (FIK 2018), realizado pela Udesc-Ceart
Quando: Dia 4/2, 14h (credenciamento) e 17h (abertura oficial). A partir das 17h30, shows musicais. De 5 a 7, 8h30 às 20h
Onde: Udesc Ceart, av. Madre Benvenuta, 1907, bairro Itacorubi, tel.: (48) 3664-8376/8307/8350); Teatro Ademir Rosa, do Centro Integrado de Cultura, av. Gov. Irineu Bornhausen, 5600, bairro Agronômica, tel. (48) 3664-2555; rua Eduardo Gonçalves D’Avila, em frente à Udesc; Teatro Álvaro de Carvalho (TAC), rua Mal. Guilherme, 26, Centro, tel.: (48) 3665-6400
Quanto: Gratuito

 SAIBA MAIS:
www.udesc.br/ceart/fik contém a agenda completa, com dias, horários e locais das atividades, além das orientações para retirada de ingressos
www.facebook.com/festivalFIK
www.instagram.com/fik.udesc/

 

 

 

 

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