Destacamos reflexões da filósofa Silvia Federici no livro “Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva” (Editora Elefante, 2004):

  • “Existe um acordo generalizado sobre o fato de que a caça às bruxas buscou destruir o controle que as mulheres haviam exercido sobre sua função reprodutiva e serviu para preparar o terreno para o desenvolvimento de um regime patriarcal mais opressor” (pág. 20);
  • “A perseguição a bruxas (assim como o tráfico de escravos e os cercamentos) constituiu um aspecto central da acumulação e da formação do proletariado moderno, tanto na Europa como no Novo Mundo” (pág 20);
  • “A caça às bruxas destruiu todo um universo de práticas femininas, relações coletivas e sistemas de conhecimento que haviam sido a base do poder das mulheres na Europa pré­-capitalista, assim como a condição necessária para sua resistência na luta contra o feudalismo” (pág. 187);
  • “Somente com o advento do movimento feminista, o fenômeno da caça às bruxas emergiu da clandestinidade a que foi confinado, graças à identificação das feministas com as bruxas” (pág. 295)
  • “Sem a Inquisição, sem as numerosas bulas papais que exortavam as autoridades seculares a procurar e castigar as ‘bruxas’ e, sobretudo, sem os séculos de campanhas misóginas da Igreja contra as mulheres, a caça às bruxas não teria sido possível” (pág. 307);
  • “A bruxa era também a mulher rebelde que respondia, discutia, insultava e não chorava sob tortura” (pág. 336);
  • “A caça às bruxas foi, portanto, uma guerra contra as mulheres; foi uma tentativa coordenada de degradá­-las, demonizá-­las e destruir seu poder social” (pág. 377).

Natural de Parma, na Itália, Federici nasceu em 1942 e mudou-se para os Estados Unidos em 1967, onde pouco depois participou da fundação do International Feminist Collective (Coletivo Feminista Internacional), organização que lançou internacionalmente uma campanha por salários para o trabalho doméstico.

Na década de 1980, viveu na Nigéria e contribuiu para a criação do Committee for Academic Freedom in Africa (comitê para a liberdade acadêmica na África). Já na década de 1990, foi ativa no movimento antiglobalização e no movimento contra a pena de morte dos EUA.

Federici se define como uma feminista anticapitalista e em seus trabalhos analisa o capitalismo e as relações entre o trabalho assalariado e o trabalho reprodutivo sob uma perspectiva crítica de que o corpo das mulheres é a última fronteira do capitalismo.

Em “Calibã e a Bruxa”, reflete sobre o papel da opressão das mulheres e da caça às bruxas na transição do feudalismo para o capitalismo. Federici argumenta que, para consolidar o capitalismo, foi necessário o controle patriarcal sobre os corpos das mulheres e sua reprodução.

Em visita à sede da editora Boitempo em setembro de 2019, ela afirmou haver na contemporaneidade uma disputa sobre a figura da bruxa. Por um lado, houve a recuperação da imagem pelos movimentos feministas, mas, por outro, o “sistema” – como Hollywood, por exemplo – está se (re)apropriando da imagem da bruxa em filmes que apresentam a ideia de que realmente houve essas mulheres más.

“A coisa mais importante que as feministas podem fazer hoje é não apenas abraçar esse conceito, mas também aprender mais e conhecer mais a verdadeira história das mulheres que de fato foram acusadas, presas, perseguidas e assassinadas de forma tão brutal”, afirmou.

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