Na última segunda-feira, 31 de outubro, as crianças do condomínio residencial Moradas 3, em Palhoça, na Grande Florianópolis, brincavam no parque, no final de tarde, em celebração ao Halloween. Entre elas, estava a filha da representante comercial, Cristiane Cordeiro, uma menina de 13 anos. Enquanto brincava, a menor foi abordada por um menino mais novo, que perguntou o seu nome e idade. Em seguida, o menino, que havia levado as informações a um homem maior de idade que observava as crianças do condomínio vizinho, retornou com um bilhete onde constava um nome, um número de celular e as frases: “Pode chamar!!! Te achei linda…” com o desenho de três corações.

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Imagem: menina de 13 anos segura bilhete que recebeu de homem de 36 anos.

Segundo o relato da mãe, em entrevista para o Catarinas, assim que recebeu o bilhete, e viu o homem a encarando, a adolescente buscou o vigilante do condomínio para contar o que havia acontecido. “O funcionário foi no outro condomínio [Moradas 2], checar algumas informações, saber quem foi e qual a idade aproximada do homem. Com as informações, ele bateu aqui na minha casa, contou tudo, mostrou a foto do bilhete, e falou que ia colocar no livro de ocorrências do condomínio. Também me orientou a fazer um Boletim de Ocorrência”, relata Cristiane. 

A mãe, no entanto, quis conversar com o homem antes de prosseguir com o registro da ocorrência. No confronto, o rapaz, de 36 anos, assumiu ter enviado o bilhete. “Ele admitiu ter assediado a minha filha, mas disse ter achado que ela era maior de idade. Eu não aguentei e o agredi, bati bastante na região do rosto”, confessou Cristiane.

Durante a confusão, a responsável pela menor se inteirou que o suposto assediador, que visitava a família da sua irmã, já estava com viagem marcada para sair do estado. Com medo do homem fugir sem prestar esclarecimentos sobre a situação, a família da menor acionou a Polícia. Uma viatura da Guarda Municipal foi direcionada para verificar a ocorrência. Ao chegar no local, a situação já havia se acalmado, mas os envolvidos foram levados para a delegacia. 

Por whatsapp, o autor do bilhete respondeu à nossa reportagem dizendo que está bastante abalado com toda a interpretação feita sobre o assunto. “Eu fui bastante agredido por essa mulher, pelo irmão dela e algumas outras pessoas”. O rapaz, que inicialmente havia demonstrado interesse em conversar com o Catarinas, deixou de responder. Diferente do que relata, no boletim de ocorrência a que tivemos acesso consta somente a agressão por parte da mãe da menina.

Delegacia não registra assédio

Após encontrarem a Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso de Palhoça (DPCAMI) fechada, os envolvidos foram encaminhados, pela Guarda Municipal, para a delegacia de plantão, no centro da cidade. 

Ao chegarem lá, Cristiane conta que passou a ser tratada somente como “autora do crime e o homem como vítima”. O boletim de ocorrência foi feito com base na denúncia de “vias de fato”, quando atos violentos são praticados contra alguém. “Ele está colocado como vítima, eu como autora, minha filha como testemunha, sendo que ela não estava no momento da agressão”. Chama atenção que a versão que consta na queixa é a da representante comercial, porém ela está registrada como autora. 

Cristiane conta que o agente de polícia responsável por atendê-las pediu a uma agente feminina verificar se a criança poderia ser confundida com uma mulher maior de idade.

“A agente confirmou que ela poderia ser confundida por uma mulher maior de 18 anos na minha frente e da minha filha, descredibilizando não só o ocorrido, mas desamparando a menina”, lamenta.

Além disso, mãe e filha foram mantidas no mesmo ambiente que o homem. “Ela ficou apavorada, porque colocaram ele praticamente na mesma sala que a gente. Não tiveram o mínimo de cuidado”. 

Em entrevista, a coordenadora das Delegacias de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso (DPCAMI), a delegada Patrícia Zimmermann D’Ávila, advertiu que a abordagem dos agentes não poderia ter sido realizada desta forma. “Não pode ser feita a impressão assim, na frente de todos e, principalmente, na frente da criança”. Segundo a delegada, nada impedia que o agente policial registrasse o boletim relatando a conduta do homem em relação à criança. “A orientação que damos é deixar que o delegado faça a análise, o agente poderia ter registrado um boletim de ocorrência com a versão da mãe, teria que ter anexado uma cópia do bilhete, não sei porque não o fez”, comentou. 

A delegada recomenda que seja feita uma investigação, ouvindo a criança, a mãe e o homem. “A forma como ele escreveu não seria claramente uma importunação sexual, mas tem um conteúdo estranho por trás. Precisamos investigar e olhar quem é esse sujeito, se ele não tem outro antecedente. Saber a idade da menina e mandar um bilhete desse é algo que preocupa muito”, adverte.  

Cristiane, por outro lado, reconhece a agressão, porém considera um absurdo ela se sobressair a um “assédio” contra a sua filha.

“Eu, como mãe, como mulher, não aceito mais abaixarmos a cabeça pra cultura do estupro. Eu ouvi da minha filha que estava morrendo de medo e extremamente abalada com o ocorrido, mas que estava acostumada com esse tipo de situação. E, pasmem, ela tem somente 13 anos! Não podemos nos acostumar, não!”. 

Por e-mail, a responsável pela menor formalizou uma reclamação para a Corregedoria da Polícia Civil pela falta de amparo à criança por parte dos agentes. Ela buscou o Conselho Tutelar Semear, responsável pelo atendimento no seu bairro, relatando o ocorrido, porém ainda não teve retorno. Procuramos o CT por telefone, porém fomos informadas que não havia um registro formal em relação à criança. Enviamos algumas informações sobre o caso para o Conselho, bem como questionamentos sobre como irão encaminhá-lo, até o momento não recebemos retorno.

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  • Fernanda Pessoa

    Jornalista com experiência em coberturas multimídias de temas vinculados a direitos humanos e movimentos sociais, especi...

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