Em Pílulas de Discernimento, Joanna Burigo, mestra em Gênero Mídia e Cultura (LSE), conselheira editorial do Portal Catarinas e coordenadora Emancipa Mulher, traz pequenas notas informativas e analíticas sobre temas do cotidiano social e político que estão em debate nos fóruns das redes sociais.

Anarco-conservadora

Uma amiga agora mandou para um grupo de amigas um print do perfil de uma moça da nossa cidade natal (nosso país Criciúma, ex-capital do carvão e eterna pirita de conservadorismo patriarcal supremacista branco LGBTI-hipócrita), no qual ela se autoidentifica como católica-cristã, anti-feminista e (segura) anarco-conservadora.

Esqueçam a moça, ela é a menos relevante das questões aqui. (Ela é jovem, e vocês estão acompanhando o Felipe Neto descobrindo Foucault e Bakunin, sim? Pois.)

O foco aqui é no “anarco-conservadora”, e no que pode significar essa junção meramente retórica de político-ideologia.

Me parece que essa junção sem lógica nem coerência, sem pé nem cabeça, sem possibilidade de ser e existir na concretude do real, é indicativa do colapso não apenas do sentido, mas do próprio contexto. (Sim, da ideia de contexto, do próprio conceito “contexto”.) É identificação organizada (?) numa espécie de seja-o-que-deus-quiser semiótico.

O que ela quer dizer com “anarco-conservadora”? Como uma outra amiga sugeriu, seria o equivalente de “ouvir punk pela música, não pela letra”? Fica o questionamento.

Jean Baudrillard bem que avisou que a alta reprodutibilidade de signos nos encalacraria pela linguagem em simulacros e simulações do real, e acho tragicômico que ele não tenha sido incorporado nas teorias críticas sociais como deveria.

O véio Baudri tem nessa feminista uma discípula. Crítica, e revirando olhos que sangram nos momentos misóginos e transfóbicos de seu discurso. Mas discípula mesmo assim, pois haja discernimento linguístico para lidar com tanta fragmentação e camadas de significado.

Diálogo é saúde

Não recomendo subestimarmos o poder de falarmos sobre o que nos machucou. Ferida emocional que a gente não tira do peito botando o coração na boca fica circulando no corpo. É ressentimento ocupando o sistema respiratório, mágoa assentada no sistema endócrino, dor se espraiando pelo sistema circulatório, trauma atravancando o sistema muscular, raiva espelhada no sistema tegumentar… não tem como não afetar os sistemas nervoso e imunológico. Expurgar é preciso. E falar é uma forma de expurgo. Uma que arranca coisas do corpo e as põe em linguagem, que então pode ser vista ou ouvida.  E não é necessariamente agradável desempacotar para elaborar para resolver. Mas não desempacotar para elaborar só faz passar a resolução do trauma pra frente, na linha do tempo, enquanto aumenta, no corpo, o congestionamento de ressentimento, mágoa e raiva. Diálogo é saúde.

(Nenhuma novidade aqui. Compartilho porque tive que me lembrar disso, achei por bem reforçar publicamente. Vai que ajuda.)

Maratona da linguagem ou poesia concreta
Para guerras semióticas, fundamental é maratonar linguagem, e deixo aqui algumas sugestões de melô para bootcamp:

Um dois, análise de discurso

Três quatro, retórica e silogismo

Cinco seis, sofisma e simbolismo

Sete oito, sentidos literal e figurativo

Nove dez, significante e significado

Ícone, índice, signo, símbolo

Al fa be to

Simulacros e simulação

Gramática léxico

Sinônimo antônimo

Vai, sintaxe, an an

🎶 Semânticamente…

Dicionário glossário alfarrábio

Ado ado ado

O nosso forte é a rima.

Bom treino.

Direitos Humanos sim

“E não me venham com direitos humanos” é o tipo de frase que, quando proferida por autoridades, deveria arrepiar a sociedade todinha.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos delineia, vejam, direitos humanos básicos e universais. Ela foi adotada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, depois dos horrores cometidos na Segunda Guerra Mundial para, dentre outros objetivos, garantir que ditaduras e ditadores não se criem. 

Informe-se sobre a carta, sua origem, objetivos e conteúdo, e se tiver a disposição e a coragem, não hesite em confrontar quem quer que afronte essas garantias mínimas e basilares de TODO ser humano.

Dia das mães

Feliz dia do ver os homens homenageando profusamente o trabalho gratuito e exploratório feito por mulheres sem reconhecimento do quanto se beneficiam dele durante o restante do ano. Feliz dia da romantização da individualização da responsabilidade pelo cuidado da humanidade. Feliz dia da reiteração da admiração pela abnegação das mulheres. Feliz dia da falácia do amor incondicional. Feliz dia do motivo pelo qual mulheres são subvalorizadas economicamente. Feliz dia do resultado da ausência de garantia estatal pela autonomia corporal das mulheres. #femininofeminismo

Se esforcem, omis

Impõe metas e limites pros omi. Exige o básico dos omi. Tenta não facilitar pros omi, mesmo quando facilitar para eles for a opção mais fácil pra você. (Você sabe do que estou falando.)

Tudo já é mais fácil pra eles. 

Eles acham que não. Adoram pensar que não. Adoram fazer a gente questionar se é mesmo.

Mas é. Nós sabemos que é, empiricamente. E os dados econômicos e laborais e sexuais e e e e confirmam. 

Se esforcem, omis. 

Menos conteúdo, mais influenza 

Sucesso na internet tem menos a ver com a qualidade do conteúdo e mais com o influenza ser bom num jogo bem específico; uma das técnicas mais usadas por gente que ficou famo$a na internet, podem notar, é gerar engajamento pelas emoções ne ga ti vas para poder vender  positividade.

Atentas.

Oportunidade

Alguém para escrever uma distopia deserótica e de fina misandria feminista intitulada “O Sugar Daddy do Salgado Filho”, sobre um aspirante a predador sexual que acaba virando seu antônimo ao ser sequestrado por uma gangue de adolescentes mochileiras and justiceiras no aeroporto gaúcho homônimo?

Feminismo não salva

Se você ler ou ouvir alguém dizendo por aí que “o [feminismo] me salvou/me deu todas as respostas”, fica aqui meu ALERTA DE CULTO. Substitua [feminismo] por qualquer outra coisa (sugestão simples: Jesus), e perceba você mesma. Promessas de prosperidade como resultado de auto-ajuda e de agentes exteriores de salvação são quase sempre (sempre) charlatanismo. Feminismo, teoria, ciência… se embrenhar por estas searas dá trabalho, e pensar com rigor e foco na realidade tende a causar desconforto. Consigo compreender o conforto resultante de se deparar com textos feministas, porque eu mesma o sinto. Mas identificar um discurso que elabora questões que pensamos ser importantes não é o mesmo que depositar, neste mesmo discurso, um afã de crença. Feminismo não salva, assim como Jesus não salva. Discernimento, gente. 

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  • Joanna Burigo

    Joanna Burigo é natural de Criciúma, SC e autora de "Patriarcado Gênero Feminismo" (Editora Zouk, 2022). Formada pela PU...

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