A poeta, compositora, ativista social e cozinheira Fátima Farias, em seu primeiro livro solo Mel e Dendê (Libretos, série Poche, livros de bolso, 104 páginas), reúne poemas e alguns sambas, talento que herdou de seu pai, o também compositor e poeta Estanislau Farias. Fátima bebeu nas fontes da poesia brasileira até que encontrou uma roda de poesia negra, a partir daí, firmou sua própria identidade.

A autora também é uma cozinheira de mão cheia. Em recente resenha, a escritora e crítica literária Iaranda Barbosa traça o paralelo: “Poema e gastronomia. Duas artes que nos versos de Fátima Farias giram a chave das emoções e nos fazem conectar com a ancestralidade, com nossos antepassados, com nossas raízes e, ao mesmo tempo, com as vivências da atualidade. Mel e dendê apresenta poemas que fazem a pele arrepiar, abre portais para mundos diversos através de palavras que se unem e se transformam em versos carregados de sensualidade, conflitos e muita indignação com as diversas violências as quais a população preta e pobre enfrenta diariamente.”

E prossegue:

“Fátima Farias dosa, tempera, equilibra, adoça, salga, põe acidez e finaliza seus poemas na medida exata daquilo que se propõe a fazer e vai desde versos com claro manifesto – e que tranquilamente podem se transformar em samba, rap, hip hop ou funk –, a versos com alto nível de erudição cujo lirismo é exasperado pela filosofia com um forte teor existencialista ao nos apresentar reflexões sobre a morte, o vazio, a saudade, a solidão, a plenitude, a vida, a culpa, as escolhas, a tristeza, o tempo e o amor.”

As inquietações de Fátima surgem como símbolos de resistência:

A Preta saiu da senzala

os cabelos não alisa mais

Resolveu abolir as mordaças

Escravidão ficou lá atrás.

A Preta foi estudar

se armou com uma caneta

Entendeu que sua história

contada pelas mãos brancas

era treta.

[…]

Resistiu

Se aprofundou na sua história

Tinha dados guardados

na memória

Frases

olhares de reprovação

– Aqui não é teu lugar, não.

Sai pra lá, seu vacilão

Também sou dona desse quinhão

Não encosta a mão em mim, não.

A professora e poeta Ana Dos Santos observa, no prefácio de Mel e Dendê, que os versos afiados de Fátima cortam como lâmina a realidade aparente. “Fátima Farias foi buscar em África uma palmeira que produz um óleo chamado dendê! Vem do dendezeiro. O azeite que melhora tudo. Lubrifica nossas arestas, nossas articulações, dá liga aos alimentos e frita nossos inimigos no fogo amigo. Nos prepara para as batalhas diárias que temos que enfrentar.”

Capa do Livro / Imagem: divulgação

Alguns dos poemas dessa obra podem ser conferidos clicando aqui. A africanidade está presente desde a capa do livro, que traz fotos sobre tecido da Sankofabutik, do artista Löua Pacòm Óulaï, natural da Costa do Marfim. O livro pode ser encontrado no site da editora.

Escritora Carolina Maria de Jesus é inspiração

A escritora Iaranda Barbosa também lembra que Carolina Maria de Jesus é referência direta para Fátima, pois habita seus poemas (“Relendo Carolina”). A poeta se vê na escritora na cor, na luta, nos cadernos, no cabelo, na mãe, na filha, na mulher, nos traços na escrita, na identidade. 

A escrita de Fátima também está presente no livro “Carolinas – a nova geração de escritoras negras brasileiras”, editado pela Bazar do Tempo em parceria com a FLUP/Festa Literária das Periferias e organizado por Julio Ludemir e Ecio Salles. A obra reúne textos de mulheres que escreveram inspiradas na vida e obra de Carolina Maria de Jesus e terá lançamento no dia 17 de abril, às 15h, no YouTube da @fluprj e da @bazardotempo. 

São mulheres de diferentes regiões do país, idades, formações e histórias de vida. Trilharam os caminhos do conto, da crônica, do diário e do relato autobiográfico em busca de suas próprias vozes como escritoras. O resultado é um conjunto de textos pulsante e surpreendente, rico em seus temas, vocabulários e estilos, e marcado por uma grande força literária.

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