Iniciativa de ativistas feministas da sociedade civil pretende chamar a atenção para casos de feminicídio investigados na cidade.

Em 4 de fevereiro de 2021, Emerson Henrique de Souza foi levado a julgamento por tentativa de homicídio, com agravante de feminicídio, lesão corporal e ameaça, e sentenciado a mais de 24 anos de prisão por tentar matar a ex-companheira, Cidnéia Aparecida Mariano da Costa, em 9 de abril de 2019.

Néia, como é conhecida, foi agredida, asfixiada e abandonada em uma área rural de Londrina pelo ex-companheiro, que não aceitava o fim do relacionamento. Só foi socorrida e sobreviveu, pois, foi encontrada por uma pessoa que passava pela estrada e chamou os bombeiros.

O caso de Néia é um dos oito casos de feminicídio e tentativa de feminicídio registrados em Londrina em 2019, e um dos 216 autuados no Paraná naquele ano. Em 2020, foram 211 no Estado, sendo 10 em Londrina. Em 2021, até o final de abril, já haviam sido autuados 56 casos no Paraná e 3 no município. Ao todo, 73 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2020 no Paraná, uma delas em Londrina.

O desfecho do júri do agressor de Néia quase dois anos depois, no entanto, não encerra o martírio da jovem de 34 anos, mãe de quatro filhos. Devido às agressões, ela ficou tetraplégica, com a fala comprometida e dependente de cuidados devido às agressões.

Comovidas com o caso, um grupo de mulheres feministas e a Frente Feminista de Londrina organizaram-se, em janeiro de 2021, para chamar atenção da opinião pública sobre o julgamento do agressor de Néia. “Da articulação criada para aquele episódio, surgiu a vontade de fundar a organização”, pontuam.

Após o júri, elas decidiram criar um observatório como mecanismo de coleta de dados e de monitorar casos para oferecer apoio às vítimas de feminicídio ou tentativa de feminicídio de Londrina, norte do Paraná. O objetivo é consolidá-lo como um dispositivo de ações de enfrentamento da violência contra as mulheres e “uma forma de dar voz às várias Néias de nossa cidade”, afirmam.

Apesar de o Paraná ter altas taxas de feminicídio e de violência contra as mulheres, o Estado falha em coletar, organizar e disponibilizar os dados à sociedade. De acordo com o Monitoramento “Um vírus e Duas Guerras“, publicado quadrimestralmente de junho de 2020 a março de 2021, somente Paraná e Sergipe ficaram de fora do Mapa que compara os índices de violência contra as mulheres durante a pandemia por não entregarem as informações às jornalistas.

Dados disponibilizados pelo Ministério Público do Paraná mostram que houve aumento de 8% nos inquéritos de feminicídio no estado em 2020: foram 225 inquéritos abertos no ano passado, enquanto em 2019 haviam sido 208.

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Observatório de Feminicídio inicia atividades com lançamento de site

Lançado em 30 abril, o Néias – Observatório de Feminicídios de Londrina busca promover a participação da sociedade civil no acompanhamento das ações de formadoras/es de opinião, da administração pública e do sistema de justiça.

Por meio do site www.observatorioneia.com, a organização da sociedade civil divulga e acompanha o andamento de processos dos casos de feminicídio consumado e de feminicídio tentado em julgamento pelo Tribunal do Júri da Comarca de Londrina.

O grupo sistematiza, analisa e dá visibilidade a dados sobre situações de feminicídios ocorridos no município, produzindo conhecimentos que subsidiem estratégias de monitoramento e de prevenção da violência feminicida. Também está no escopo de ações o acompanhamento de processos e audiências judiciais dos casos e a publicização do fluxo de atendimento para as mulheres e suas/seus familiares atingidas/os por práticas de violência feminicida.

De acordo com Isabeau Lobo Muniz Santos Gomes, advogada criminalista e uma das integrantes do Observatório, os processos são acompanhados conforme a disponibilização das pautas do tribunal do Júri. “Analisamos os casos, disponibilizamos os argumentos das partes e acompanhamos os resultados no intuito de munir a população com informações a respeito dos casos de feminicídio na cidade”, relata.

“Acreditamos na informação como ferramenta de combate a injustiças e formas revitimização”, declara Isabeau.

“Entre as ações do Observatório, está o nosso compromisso em produzir regularmente informes com dados básicos sobre processos criminais, com o intuito de gerar informação qualificada para a sociedade e para veículos de imprensa interessados em cobrir os casos”, divulga o grupo. A ideia é incentivar que casos de feminicídio sejam evidenciados como arte da memória da cidade e, ainda, ressaltar a urgência da consolidação de práticas de controle social e de articulação da rede intersetorial para o atendimento público desses casos.

O Informe nº 1, publicado em abril, apresenta o caso de tentativa de feminicídio contra Edneia Francisca de Paula e outras informações recentes sobre o tema, considerando eventos em Londrina.

“Este primeiro número é publicado enquanto o Brasil vive o aprofundamento das tragédias sanitária, econômica, política e social agravadas pela pandemia de Covid-19 que potencializa outra pandemia, a da violência contra as mulheres. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) tem reportado o crescimento de assassinatos de mulheres na região no contexto do isolamento social gerado pela pandemia de Covid-19. Nesse momento, tornam-se ainda mais urgentes ações do Estado para prevenir, responder e remediar fatos de violência e de discriminação contra as mulheres”, destacam.

Em maio, o Observatório publicou o informe nº 2, que apresenta o caso de Márcia Aparecida dos Santos, que sofreu lesões fatais com uma roçadeira, em 1º de maio de 2015. Seu marido, Donizete Alves Pereira, acusado pelo crime de feminicídio por meio cruel, teve o júri popular marcado para o dia 25 de maio de 2021. Neste informe, é abordado a celeridade da justiça, os efeitos da violência feminicida para vítimas indiretas, especialmente as crianças, filhos da vítima, além de outras informações sobre feminicídios e violência contra as mulheres.

Para Zilda Romero, juíza que atua à frente da Vara Maria da Penha de Londrina desde sua instalação, em 2010, esta é uma iniciativa inédita, que muito contribuirá para criação de políticas públicas para o enfrentamento à violência, pois até hoje, existem poucos dados e informações sobre as vítimas de feminicídio.

“Os inquéritos policiais dos casos de feminicídios feitos pela Polícia Civil são muito falhos, e os policiais alegam que não têm equipe para colher mais dados. Então, esse observatório vai poder acompanhar cada vítima e trazer informações importantes sobre essas mulheres, como a escolaridade, a situação da família, entre outras”, avalia.

Quando perguntada se pretende auxiliar na efetivação do trabalho do Observatório, a juíza confirma. “Pretendo acompanhar e ajudar com minha experiência de mais de dez anos tomando depoimentos de tantas mulheres vítimas de violência. Vejo a iniciativa com louvor e de muita importância, porque todas as conquistas até hoje conseguidas foram através do empenho e do trabalho de pessoas comprometidas com o tema”, declara.

Outros Observatórios no RS e em SC

A primeira experiência de um observatório de casos de violência contra as mulheres do Brasil foi instituída no Rio Grande do Sul, em 2013. O Observatório da Violência Contra a Mulher foi criado pela Divisão de Estatística Criminal da Secretaria da Segurança Pública (SSP), com o objetivo de realizar o levantamento e análise de índices relacionados ao tema. O enfoque são as ocorrências policiais relativas à ameaça, lesão corporal, estupro, feminicídio consumado e feminocídio tentado.

Os dados são atualizados diariamente e as informações são repassadas todas as semanas para a Brigada Militar, Polícia Civil, Instituto-Geral de Perícias e Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe), para que ajam em situações de risco. As ações conjuntas e transversais ocorrem em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres do estado.

Já em Santa Catarina, o início da implementação do Observatório Social de Violência Contra a Mulher ocorreu em agosto de 2020, cinco anos após a sanção de uma lei que criava o Observatório com o objetivo de reunir os dados de violência contra as mulheres, mapear as redes de apoio e subsidiar a formação de políticas públicas nas áreas de segurança pública, saúde, educação, assistência social, trabalho e emprego.

De agosto para cá, um grupo de trabalho se reuniu quinzenalmente para criar um Termo de Cooperação entre as partes, que foi assinado em 31 de março de 2021 pela Assembleia Legislativa (Alesc), o Tribunal de Justiça (TJ/SC), o Ministério Público (MP/SC), o Governo do Estado de Santa Catarina, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SC) e a Defensoria Pública de Santa Catarina.

De acordo com o termo, é de responsabilidade da Alesc a disponibilização de estrutura física e equipamentos para a hospedagem do Observatório. Segundo a Coordenadora do Observatório, professora Teresa Kleba Lisboa (IEG/UFSC), até o momento, essa estrutura ainda não foi cedida.

Um projeto similar ao Observatório da Violência foi aprovado, também, na Câmara dos Vereadores de Florianópolis, em maio de 2020. A proposição “Dossiê Mulher Florianopolitana”, de autoria de Carla Ayres (PT), obriga a prefeitura municipal a reunir dados sobre violência contra a mulher. Embora não haja uma metodologia prevista para coleta e tabulação dos dados, a Lei obriga a criação de uma codificação própria e padronizada para todas as Secretarias do Município e demais órgãos. Outra obrigação é que os dados sejam divulgados, no Diário Oficial Eletrônico do Município e no site da Prefeitura Municipal de Florianópolis, no máximo de um em um ano.

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  • Morgani Guzzo

    Jornalista, mestre em Letras (Unicentro/PR) e doutora em Estudos de Gênero pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Hu...

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