“Responda, responda por favor, tinha sangue, tinha sêmen, cadê o estuprador?”. A pergunta ecoou nas avenidas centrais da capital catarinense, na tarde e noite da última quarta-feira (5), em protesto à decisão da justiça no caso do estupro de Mariana Ferrer. A concentração ocorreu em frente ao prédio do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), de onde as manifestantes seguiram em marcha até o prédio do Ministério Público de SC. Antes de chegar ao MP, houve uma parada em frente à administração municipal contra o prefeito Gean Loureiro (DEM), que recentemente foi denunciado por estupro pela ex-servidora Rosana Ursa.

Assista à cobertura ao vivo:

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O levante das mulheres, que se organizam em várias cidades do país, teve como estopim as imagens da audiência de instrução e julgamento em que a vítima participou. No vídeo, o advogado do réu, Gastão da Rosa Filho, faz falas ofensivas sobre a conduta da vítima de modo a desacreditar a sua versão dos fatos, sem que houvesse contestação por parte do juiz Rudson Marcos, do promotor do caso, Thiago Carriço Oliveira, nem mesmo do defensor público, não identificado.

O vídeo completo da audiência foi divulgado na íntegra, nesta quinta-feira. Acesse aqui.

Em Florianópolis, o ato foi organizado por representações da juventude: Rebeldia – Juventude da Revolução Socialista, Coletiva Bem Viver Floripa PSTU – Grande Florianópolis, CSP Conlutas – Santa Catarina, e Manifesta SCJCA- Juventude Comunista Avançando.

Outras manifestações na capital estão previstas para ocorrer no sábado (7), às 10h, em frente à Catedral, e no domingo (8), às 13h, em frente ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Foto: Viviane Rocha

“Nós estamos a nossa vida inteira na luta contra a opressão e o machismo, não vamos mais suportar, admitir toda essa violência contra as mulheres. Somos julgadas a todo momento. O que aconteceu com a Mari foi um absurdo. Naquela audiência diante de quatro homens, ela foi violentada mais uma vez. Durante a tramitação do processo não houve o menor respeito pela vítima. Por mais que o MP diga que interveio, o que aconteceu não é conduta de um promotor, de um juiz, deixar um advogado violentar daquela forma uma mulher. O que estava em julgamento era o ato que o Aranha praticou, e não as redes sociais de Mariana”, colocou Valfrida de Oliveira, integrante do Coletivo Valente formado por servidoras do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

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Mesmo com todas as provas que incriminam o empresário André Camargo Aranha, a decisão judicial que o inocentou foi baseada na constatação de que houve o crime de estupro, sem, porém, caracterizar a intenção do acusado. Tal decisão emblemática, nomeada de “estupro culposo”, chocou o país. Até mesmo o representante do Ministério Público do Estado, responsável pela acusação, também se manifestou pela absolvição do acusado ante a ausência de provas, em suas alegações finais.

Foto: Viviane Rocha

“Estupro culposo não existe e quero que vocês repitam comigo. Esse ato é o primeiro que acontece após a divulgação do vídeo do The Intercept Brasil, que movimentou mulheres do Brasil todo que se movem por justiça nesse caso, que desde o ano passado, nos choca, nos fere, porque o estupro é sempre questionado, a vítima sempre é vista como alguém que talvez merecesse. Até mesmo o presidente disse que talvez as mulheres nem merecessem ser estupradas. A gente está aqui para dizer que nossas vidas importam, que não vamos ficar caladas”, afirmou Carol da Juventude Manifesta.

Foto: Viviane Rocha

“A Mari não foi a primeira, e a gente sabe que não será a última. Toda vez que uma mulher abre a boca e vem para frente para falar de uma violência que ela sofreu, de alguma forma a culpa é dela […]. O juiz falou para a Mari enquanto ela estava sendo humilhada e atacada que ela poderia se recompor e a gente está na rua para dizer que quem tem que se recompor não é a vítima, mas sim o Estado que faz uma mulher passar por isso. Estamos aqui para dizer que a Mari não está sozinha, que ela anda com a gente, e que juntas somos muitas”, bradou Vitória Vito da União da Juventude Socialista (UJS).

Vitória Vito da União da Juventude Socialista (UJS) em frente ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina/Foto: Viviane Rocha

“Estupro culposo não existe. O que existe é mais uma tentativa desse Estado de proteger e passar pano para mais um homem branco, rico, agressor, estuprador, um cara famoso. Mari está correta, ela está se levantando contra um grande esquema de venda de virgindades, isso é muito sério. Enquanto a gente fala que lá no Nordeste as meninas são estupradas, no Cafe de La Musique também, aqui na elite de Florianópolis, embaixo do nariz dos poderosos, coniventes”, indignou-se Rúbia Sagaz da Resistência Feminista.

“Uma das coisas que me doeram demais vendo o vídeo é quando o advogado diz que ele teria vergonha de ter uma filha com a Mariana Ferrer. Hoje, eu vim dizer que fui uma filha como a Mari Ferrer, e tenho uma filha como ela. E tenho orgulho disso. Nós todas aqui somos e fomos filhas como a Mari Ferrer”, colocou uma manifestante que não se identificou.

Foto: Viviane Rocha

Em frente ao MP, guardado por policiais militares com armas nas mãos, as manifestantes cantaram trechos da composição chilena que foi replicada em vários países “Um estuprador no teu caminho”. Apontando para o prédio, gritaram: “estuprador és tu”, em crítica à lógica de culpabilização e objetificação das mulheres, perpetuada pelo Estado, que sustenta a cultura do estupro.

Manifestantes em frente ao prédio do Ministério Público de Santa Catarina/Foto: Viviane Rocha

Protesto em Chapecó

Também na noite de quarta-feira outro ato foi realizado em Chapecó, oeste do estado. Organizado pela União da Juventude Socialista de Chapecó, o protesto que aconteceu na praça central da cidade, contou com a presença de lideranças feministas e estudantis. Poesias, falas, manifestações foram proferidas durante o ato, como forma de resistência a cultura machista e patriarcal a qual todos e todas estão inseridos.

Foto e informações de Chapecó: Ana Laura Baldo

O ato teve início às 19h30, respeitando um minuto de silêncio pelas vítimas de violência. Em falas, lideranças feministas lembraram que Chapecó é uma das cidades com mais casos de violência contra a mulher, principalmente no período de pandemia. A mensagem que estava na rua era: basta de violência contra a mulher!

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Manifestações pelo país:

(Caso o ato da sua cidade não esteja listado abaixo, envie-nos um e-mail no [email protected])

FLORIANÓPOLIS – SC

  • 07/11 (sábado)
  • 10h
  • Catedral

BELO HORIZONTE – MG

  • 07/11 (Sábado)
  • 15:00
  • Praça 7 de Setembro

MANAUS- AM

  • 08/11 (domingo)
  • 13:00
  • TEATRO AMAZONAS

RIBEIRÃO PRETO /SP

  • 06/11 (sexta-feira)
  • 13:00
  • TEATRO PEDRO II

UBERLÂNDIA – MG

  • 08/11 (domingo)
  • 13:00
  • PRAÇA TUBAL VILELA

São José dos Campos – SP

  • 07/11 (sábado)
  • 10h
    Praça Afonso Pena

Porto Alegre – RS

  • 08/11 (domingo)
  • 15h
    -Redenção

Curitiba – PR

  • 07/11 (sábado)
  • 14:30
  • Santos Andrade

BALNEÁRIO CAMBORIÚ SC

  • 08/11 (domingo)
  • 13:00 às 16:00
  • Praça Tamandaré

CRICIÚMA – SC

  •  07/11 (sábado)
  • 10h
  • Pça Nereu Ramos
  • 08/11 (domingo)
  • 14:30
  • Fórum

Itajaí SC

  • 08/11 (domingo)
  • 13h
  • Igreja Matriz de Itajaí

  • SALVADOR – BA
  • 07/11 (sábado)
  • 15h
  • OAB BA, rua portão da Piedade

FORTALEZA – CE

  • 07/11 (sábado)
  • 15h
  • Praça da OAB/CE

JUIZ DE FORA – MG

  • 07/11 (sábado)
  • 15h
  • Parque halfeld

Vitória – ES

  • 08/11 (domingo)
  • 15h
  • Em frente à Assembleia Legislativa Teresina – Piauí
  • 07/11
  • Parque da Cidadania
  • 16hs

Natal- RN

  • 07/11 (sábado)
  • 15:00h
  • Mydway Mal (shopping)
CONFIRA TRECHOS DAS OFENSAS FEITAS PELO ADVOGADO NA AUDIÊNCIA:

“Por que você apaga essas fotos e deixa só a carinha de choro como se fosse uma santa, só falta uma auréola na cabeça”, pergunta o advogado. Em seguida, ele diz: “mentirosa, mentirosa”. As falas dele não são interrompidas na sessão.

Em um dos momentos em que o advogado apresenta as fotos para questioná-la se aquelas imagens foram manipuladas, Mariana responde:

“Muito bonita [a foto] por sinal o senhor disse né, cometendo assédio moral contra mim, o senhor tem idade pra ser meu pai, o senhor tem que se ater aos fatos”, disse a jovem.

“Graças a Deus eu não tenho uma filha do teu nível, graças a Deus, e também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher feito você”, falou Gastão.

Em outra abordagem, o advogado questiona o fato de o laudo toxicológico não ter encontrado bebida ou entorpecente no sangue da jovem: “tudo isso é uma conspiração, Mariana, para lhe prejudicar?”, pergunta.

A jovem afirma se “tratar de uma organização criminosa” em que os envolvidos “são criminosos”. Neste ponto, ela começa a chorar e é mais uma vez questionada pelo advogado do réu:

“Por que não apresenta as provas que você diz que tem, Mariana? Cadê o vestido? Chorar não é explicação, não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso, e essa lábia de crocodilo”, diz.

Nesse momento o juiz Rudson Marcos interrompe a fala do advogado e avisa a Mariana que ela pode se recompor e tomar um copo com água. O magistrado afirma que a transmissão pode ser encerrada caso ela não se sinta bem para continuar. Ela se recompõe e pede para ser respeitada.

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