O Hospital Universitário da UFSC realizou o procedimento na criança de 11 anos após manifestação do Ministério Público Federal

Por Bruna de Lara e Paula Guimarães.

A criança de 11 anos grávida após estupro, que havia tido o aborto legal negado pela juíza Joana Ribeiro Zimmer — em linha com a manifestação da promotora Mirela Dutra Alberton —, conseguiu fazer o procedimento na última quarta-feira (22), e teve alta na manhã deste sábado (25). O Hospital Universitário da UFSC, que havia se recusado a realizar o aborto sem autorização judicial, mudou de posição após o Ministério Público Federal se pronunciar em favor do direito da menina.

Uma autorização judicial havia sido dada pelo juiz Mônani Menine Pereira, do Tribunal do Júri da Comarca de Florianópolis, em 12 de maio, mas não se concretizou porque o magistrado voltou atrás atendendo manifestação contrária da promotora Mirela Dutra Alberton. Contudo, na manhã de 22 de junho, o Ministério Público Federal recomendou que o hospital realizasse o procedimento.

A procuradora Daniele Cardoso Escobar pediu ao HU que garantisse a realização do aborto legal a pacientes que procurem o serviço “independentemente da idade gestacional e peso fetal, sendo desnecessária qualquer autorização judicial ou comunicação policial”, incluindo no caso dessa menina, caso ela voltasse a procurar o hospital e “manifestasse seu consentimento através de representante legal” – no caso, sua mãe.

Como narrado em reportagem do Intercept com o Portal Catarinas, a mãe da menina descobriu a gravidez por meio de um teste caseiro. Ela havia notado enjoos e crescimento na barriga da filha. Um dia após confirmar a gestação em ultrassom, as duas foram ao HU para realizar o aborto legal, mas a equipe se negou a fazer o procedimento – um protocolo interno exigia autorização judicial para o aborto após 20 semanas de gravidez, e a menina estava com 22 semanas e dois dias.

O caso, então, chegou à juíza Joana Ribeiro, que induziu mãe e filha a desistirem do aborto, além de manter a menina em um abrigo por mais de 40 dias, impedindo que ela tivesse acesso ao procedimento. A conduta de Ribeiro está sendo investigada pela Corregedoria do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Também há uma representação contra a juíza no Conselho Nacional de Justiça.

Na manifestação de quarta-feira, o MPF deu ao hospital 24 horas para responder às recomendações. No mesmo dia, a equipe do HU decidiu fazer o aborto, sem exigir autorização judicial, levando em conta não apenas o estupro, mas também o risco à vida da menina. 

O procedimento foi feito por meio de medicamentos, de forma que o feto saísse do útero já sem batimentos cardíacos. A criança ficou na companhia da mãe durante todo o processo.

Estupro de vulnerável

A conclusão do inquérito do estupro de vulnerável apontou como suspeito um adolescente de 13 anos, porém a autoria ainda está sob investigação, já que nesta semana ocorreu a coleta de material genético para o exame de DNA. Se confirmada a autoria, o garoto poderá sofrer medidas socioeducativas.

O caso é tratado como estupro de vulnerável por envolver uma vítima que não tem idade para consentir, conforme explicou à Folha a delegada Patrícia Zimmermann, coordenadora da Delegacias de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso (DPCAMIs). O artigo 217 do Código Penal não deixa margem para discussões sobre consentimento quando se trata deste crime: “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”. 

“Nós trabalhamos com a hipótese de violência presumida, que é quando a vítima é menor de 14 anos, e que é sim estupro. A lei estabelece que nesses casos é preciso analisar conduta e maturidade. Uma menina de 10 anos não tem maturidade para consentir tal ato”, disse a delegada ao veículo.

“Estamos falando nesse caso de uma criança, sob qualquer perspectiva que você quiser, da saúde ou legal. E uma criança muito jovem, 10 aninhos de idade”, nos disse o médico Jefferson Drezett, que coordenou por mais de 20 anos o serviço de aborto legal no Hospital Pérola Byigton, em São Paulo. “Aos 10 anos, não venha nem conversar comigo quais foram as circunstâncias”, afirmou, ressaltando que o estupro de vulnerável ocorreu independentemente do emprego ou não de violência física.

Como explicou o presidente da Comissão de Estudos da Associação Nacional da Advocacia Criminal de São Paulo, Marcelo Marcochi, por ter menos de 14 anos, o garoto tampouco tem condições para consentir a qualquer ato sexual. Mas, como maior de 12 anos, se provada sua participação, ele pode ser considerado, em tese, autor de um ato infracional. 

De acordo com o artigo 2 do Estatuto da Criança e do Adolescente “considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”. A menina, por ser menor de 12, não pode ser responsabilizada por crime nem ato infracional — em casos assim, será sempre vítima.

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