Ativista pela educação e proteção do indígena, Kerexu Yxapyry, 43 anos, é candidata a deputada federal por Santa Catarina nas Eleições 2022 pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Liderança indígena internacional, Kerexu, do Povo Mbyá-Guarani, é a primeira cacica Guarani reconhecida no Brasil e a primeira cunhã (mulher) coordenadora Tenondé da Comissão Guarani Yvyrupa – a maior organização do povo Guarani em defesa da Mata Atlântica – e da Comissão Nhemonguetá.

A candidata integra a coordenação-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), como representante nacional e internacional do meio ambiente e dos povos indígenas do Brasil. 

Kerexu é gestora ambiental e formada em Licenciatura Indígena pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Sua trajetória está ligada à luta pela homologação da Terra Indígena Morro dos Cavalos, em Palhoça (SC), onde mora e exerceu o cacicado. Em seu Território atuou ainda como orientadora pedagógica da Escola Indígena de Ensino Fundamental Itaty.

Mulher indígena, cisgênera e heterossexual, Kerexu é a nona candidata a responder ao questionário proposto pelo Catarinas para divulgar as candidaturas de mulheres comprometidas com a agenda política feminista, antirracista e LGBTinclusiva no estado. 

As entrevistas são publicadas diariamente por ordem de chegada.

Acompanhe a entrevista de Kerexu:

Conte sobre sua trajetória de vida/militância e quais motivações a levaram a disputar essas eleições.

Comecei minha trajetória de luta na educação indígena, em defesa do direito ao ensino específico que fortaleça a cultura dos povos indígenas. Depois, tornei-me cacica e passei a atuar em defesa da homologação do meu território, a Terra Indígena Morro dos Cavalos, em Palhoça (SC). A experiência nessas duas áreas me levou a ampliar minha atuação como coordenadora Tenonde da Comissão Guarani Yvyrupa, a maior organização do povo Guarani em defesa da Mata Atlântica. Então passei também a integrar a coordenação-executiva da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e, a Anmiga (Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade), como representante nacional e internacional do meio ambiente e dos povos indígenas do Brasil. 

Em 2022, lancei minha candidatura a deputada federal por Santa Catarina como parte de uma campanha nacional do movimento indígena para Aldear a Política e eleger uma bancada indígena no Congresso Nacional.

Foi a falta de justiça para o meu povo que me levou a querer assumir esse lugar na política partidária, para dar visibilidade na luta pelo território e proteção dos Territórios.

Kerexu_Yxapyry_candidata_deputada_federal_santa_catarina_psol_
Imagem: reprodução.

Você tem conseguido verba para a campanha? Como são divididos os fundos eleitoral e partidário entre as candidaturas? Você recebeu apoio e recursos do seu partido?

Sim, recebi verbas para a campanha a partir de acordos internos de priorização da minha candidatura no partido, PSOL, como mulher indígena em Santa Catarina. E seguindo critérios de distribuição do Tribunal Superior Eleitoral, que regulamenta esse repasse priorizando as candidaturas de mulheres negras. Como não há um dispositivo específico para as candidaturas indígenas, infelizmente, o montante recebido ainda é limitado para uma candidatura como deputada federal – ainda que proporcional à distribuição interna do partido. Mas o valor recebido este ano foi muito superior comparado ao que recebemos em 2018, quando fizemos mais de 10 mil votos com um repasse de apenas R$ 10 mil.

Quais as principais questões a superar hoje em relação à desigualdade de gênero? E quais suas propostas para resolver essa questão no cargo que você quer ocupar?

Como mulher e indígena, essa é uma questão que atravessa e que tenho como prioridade. Minha principal proposta nesse sentido, além da recuperação e fortalecimento de políticas públicas existentes que sofreram retrocessos no atual governo anti-mulheres e anti-lgbtqia+, é de combater a desigualdade de gênero a partir da base, ou seja, a partir da inclusão desse debate no sistema nacional de ensino. Como professora e educadora indígena, acredito que o enfrentamento à violência de gênero deve ocorrer principalmente a partir da formação em todas as instituições de ensino. A paridade dentro de todos os espaços, o salário também precisa ser de forma justa, pelo tempo de trabalho de uma mulher.

Atualizar esse sistema político, a máquina que manipula as mentes humanas, que exclui o que é diferente em nome do um progresso e desenvolvimento ilusionário, não valoriza o trabalho das mulheres, exclui a sociedade LGBTQIA+, não dá oportunidade de trabalho digno para a juventude. 

Criar programas de envolvimento para a transformação do sistema.

Assim como a luta pela vida, a luta das mulheres, a luta lgbtqia+ e juventude também é pelo direito à autonomia ao próprio modo de ser com território-corpo, ter o direito de não ser tutelados nem pela igreja, nem pelo Estado, ter o direito de ir e vir pela cidade, em segurança.

Direito de usar suas próprias identidades, com os próprios termos. Não terem que se esconder pra viver. Entender que assim como a floresta, a sexualidade também é diversa e múltipla. Precisamos desfazer aquele  “Cistema” com *C* implantado no poder. E vamos fazer validar o sistema do *S* de sociedade com saúde e sustentabilidade.

Quais os principais temas a serem debatidos, hoje, em Santa Catarina e no Brasil? Quais propostas você apresenta para pautá-los?

Tenho como eixos estratégicos de atuação: a defesa da Mata Atlântica e territórios indígenas, a educação pública e enfrentamento à violência e desigualdade de gênero.

– Defesa da Mata Atlântica e territórios indígenas. Desde 2015, realizo junto ao meu povo Guarani ações de proteção de todas as formas de vida da Mata Atlântica por meio de iniciativas do Centro de Formação Tataendy Rupá (SC), sendo referência na comercialização de cestas agroecológicas e orgânicas produzidas pelas famílias da comunidade para a região a partir de sistemas agroflorestais e plantios tradicionais; na retirada de monocultivos de pinus e eucaliptos de seus territórios e reflorestamento com espécies nativas do bioma Mata Atlântica; entre outras frentes de defesa da floresta, das águas e dos animais em seus territórios.

A proteção da Mata Atlântica é um compromisso assumido por mim desde o início da minha caminhada como mulher Guarani, educadora, gestora ambiental e liderança indígena de reconhecimento internacional em defesa da vida e da natureza.

A este compromisso vincula-se a proposta de garantir a defesa da Mata Atlântica e de seu Cinturão Verde com leis e políticas públicas que combatam a exploração da vida, o desmatamento, a poluição das águas, a extinção da fauna e flora de forma efetiva, mostrando para a sociedade brasileira caminhos originários para a proteção das florestas e biomas com conhecimentos e estratégias de cuidado da natureza que vêm sendo transmitidos pelos povos indígenas há milhares de anos.

E, por isso, a proteção das florestas e da Mata Atlântica significa também a demarcação dos territórios indígenas, visto que são os povos originários que comprovadamente vem defendendo 80% de toda a biodiversidade da Terra. A luta pela demarcação das Terras Indígenas é um direito garantido aos povos indígenas do Brasil na Constituição Federal de 1988 e o fortalecimento das ações que assegurem seu cumprimento fazem parte de seu compromisso com a terra, com o território e com a vida.

Educação pública com merenda escolar agroecológica e tradicional de forma regionalizada. Queremos valorizar e ofertar alimentos locais, beneficiando tanto os produtores quanto a saúde de nossos filhos, fortalecendo o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) que destina pelo menos 30% dos recursos para a agricultura familiar e prioriza a produção orgânica, reforçando a fiscalização e conscientização da sociedade. Em nível micro, isso significa crianças e adolescentes se alimentando com produtos de melhor qualidade e saudáveis; a nível médio, agricultores locais que conseguem superar a dificuldade para vender os seus produtos; e a nível macro, um enfrentamento direto à hegemonia do agronegócio e seu modelo de produção agrícola baseado no monocultivo, latifúndio e no uso indiscriminado de agrotóxicos.

– Enfrentamento à violência contra mulher, população LGBTQIA+ e combate à desigualdade de gênero. A violência contra mulheres, meninas e população LGBTQIA+ é uma difícil realidade presente nas diferentes regiões de nosso país. É urgente a implementação e efetivação de leis e políticas públicas voltadas à prevenção e ao enfrentamento das violências de gênero e étnico-raciais que assegurem os direitos das mulheres e pessoas LGBTQIA+, com atenção especial aos indígenas, negros, quilombolas, ribeirinhos e periféricos.

Como você pretende atender as diferentes especificidades das mulheres, contemplando em seus projetos as mulheres negras, indígenas, lésbicas e mulheres trans?

Essa é uma pauta prioritária da minha campanha à deputada federal por ser presente em toda minha trajetória como liderança indígena, mãe e avó, principalmente em relação às mulheres.  Enfrentamento à violência contra mulher, população LGBTQIA+ e combate à desigualdade de gênero.

A violência contra mulheres, meninas e população LGBTQIA+ é uma difícil realidade presente nas diferentes regiões de nosso país. É urgente a implementação e efetivação de leis e políticas públicas voltadas à prevenção e ao enfrentamento das violências de gênero e étnico-raciais que assegurem os direitos das mulheres e pessoas LGBTQIA+, com atenção especial aos indígenas, negros, quilombolas, ribeirinhos e periféricos.

Nesse sentido, além do enfrentamento pela base citado na pergunta anterior – por meio da inclusão desse debate no sistema nacional de ensino – destaco também o enfrentamento à violência obstétrica e os direitos relacionados à saúde da mulher e das pessoas com útero, tendo como foco a elaboração de projetos de lei que promovam o parto humanizado de qualidade pelo SUS nos hospitais públicos e territórios, garantindo o amor à vida desde o nascimento. E também a implementação e regularização do parto domiciliar seguro e acessível para pessoas gestantes que assim desejam parir seus filhos, a construção de casas de parto que sejam referências de acolhimento, atendimento de qualidade e que assegurem a saúde da mulher e pessoas com útero de forma integral, assim como o reconhecimento e a inclusão de parteiras e doulas indígenas e tradicionais

Na sua opinião, quais questões mais graves afetam as vidas da população LGBTQIA+. Quais suas propostas para enfrentá-las?

Na minha opinião é a violência e a falta de informações sobre direitos. E que a sociedade trata com preconceito como um defeito, praticando a homofobia, isso leva inúmeras principalmente jovens e adolescentes a cometerem suicídios quando chegam nesse lugar de se libertarem da prisão do patriarcado. Assim como a nossa luta pela terra e a luta das mulheres, a luta LGBT também é pelo direito à autonomia ao próprio território-corpo, de ter o direito de não ser tutelado nem pela igreja, nem pelo Estado. Destacamos nesse contexto:
– O direito ao movimento: ter o direito de ir e vir pela cidade, em segurança.
– Direito de usar nossas próprias identidades, com nossos próprios termos.
– Direito à visibilidade, não termos que nos esconder pra viver.
– Somos contra a monocultura da sexualidade, entendendo que assim como a floresta, a sexualidade também é diversa e múltipla.
– Lutamos pela garantia de políticas públicas pelo respeito, saúde, trabalho, educação e o reconhecimento de cada indivíduo dentro de sua formação e profissão.

E sobre as desigualdades raciais, quais suas propostas para superá-las?

A desigualdade racial e social, leva ao aumento da pobreza, com qualidade da alimentação reduzida nas comunidades. quando também as condições de moradia e a falta delas, falta de saneamento básico, saúde, a mortalidade infantil, violência e desemprego.

Uma outra forma de entender a desigualdade racial é a brutalidade policial com os jovens negros, fortemente pautada nos estereótipos raciais do negro como criminoso em potencial, e ainda os estereótipos em torno das mulheres negras, que oscilam assim como a dita incapacidade dos povos indígenas em assumir qualquer função. 

A superação passa pela promoção de programas de geração de emprego e renda, e acessibilidade as políticas públicas para grupos específicos: negros, indígenas, quilombolas, ribeirinha, mulheres e lgbtqia+. Passa também pela ampliação das cotas e das bolsas permanência nas universidades e manutenção dos programas estudantis.

Enquanto uma candidata feminista, como pretende atuar de forma a enfrentar os discursos reacionários que não admitem que as mulheres tenham autonomia plena sobre seus corpos, que acreditam na existência de uma “ideologia de gênero” e comprometem a implementação de políticas públicas, principalmente na área da educação, voltadas à equidade de gênero?

Como deputada federal, me comprometo a levar esse debate ao Congresso Nacional por meio de propostas que visem garantir a inclusão do combate à violência contra mulher e população LGBTQIA+ no currículo do sistema nacional de educação, além de assegurar a fiscalização, implementação e fortalecimento das políticas públicas já existentes voltadas ao enfrentamento à desigualdade de gênero no Brasil.

A sua plataforma política prevê o incentivo à participação da sociedade na discussão e elaboração de políticas públicas. De que forma?

Sim, com o preenchimento do formulário que está disponível no site: www.kerexu.com.br

O jornalismo independente e de causa precisa do seu apoio!


Fazer uma matéria como essa exige muito tempo e dinheiro, por isso precisamos da sua contribuição para continuar oferecendo serviço de informação de acesso aberto e gratuito. Apoie o Catarinas hoje a realizar o que fazemos todos os dias!

Contribua com qualquer valor no pix [email protected]

ou

FAÇA UMA CONTRIBUIÇÃO MENSAL!

Últimas