O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou por unanimidade, nesta terça-feira (20), a instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra a juíza Joana Ribeiro Zimmer, que perguntou à menina de 11 anos, grávida por estupro, se ela “suportaria ficar mais um pouquinho” com a gestação. Como mostram imagens obtidas pelo Portal Catarinas e The Intercept Brasil, Zimmer induziu a criança a não abortar, apesar do direito dela ser assegurado na legislação brasileira, por se tratar de violência sexual e gravidez de risco. Os membros do CNJ entendem que Zimmer impôs crenças pessoais durante a audiência.
“Constata-se a existência de elementos indicativos de desvio de conduta da juíza Joana Ribeiro, por meio da qual, em aparente conluio com a promotora Mirella, procedeu desvirtuamento do instituto do acolhimento institucional de modo a subjugar a vontade lícita da criança no sentido de interrupção da gravidez decorrente de ato infracional análogo ao crime de estupro de vulnerável”, argumentou o relator do caso, o corregedor nacional de justiça ministro Luis Felipe Salomão, que teve como base a reportagem produzida pelo Portal Catarinas e The Intercept Brasil.
Na audiência, que ocorreu em 2022, além de perguntar se a criança “suportaria ficar mais um pouquinho”, Zimmer se referiu ao feto como bebê, disse à menina de 11 anos que ela veria o feto “morrendo e agonizando” após abortar, questionou a criança sobre sua expectativa em relação ao bebê e se, como presente de aniversário, ela gostaria de escolher o nome do bebê.
“Como é perverso um adulto se dirigir a uma criança e colocar no colo dela a responsabilidade por um aborto”, afirmou o conselheiro Marcello Terto e Silva, ao votar a favor do parecer.
O advogado e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), uma das organizações que levaram o caso até o CNJ, Nuredin Allan, falou pelas organizações e apontou que a conduta da juíza viola a lei 13.431 de 2007, que trata sobre a escuta especial em audiências que envolvem crianças para garantir a proteção e o cuidado da vítima, e a lei 14.245, de 2021, também conhecida como Lei Mariana Ferrer, que coloca que os presentes em uma audiência devem zelar pela integridade física e psicológica da vítima.
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“É vedado a qualquer magistrado, representante do Ministério Público, colocar preceitos morais, religiosos ou de legenda de partido no âmbito, sobrepondo-se a questões legais. Temos um estado laico e um poder judiciário que deve ser independente de crenças religiosas. A abordagem da magistrada e da promotora é uma abordagem de um extremismo religioso que claramente é contra o aborto”, declarou Allan durante a audiência.
Ao acompanhar o voto do relator, os outros conselheiros manifestaram indignação pela atuação da juíza. “A lei não autoriza jamais um juiz a cometer violência emocional, moral e psicológica contra uma criança de 10 anos”, destacou Jane Granzoto Torres da Silva. “Como também colocado pelo relator, os elementos do alto demonstram o medo, o desespero de uma criança de estar em uma sala de audiência, com uma juíza que deveria dar apoio à criança, fazendo perguntas que ela não poderia responder”, complementou.
Salomão informou que a juíza não atua mais na vara de infância e, por isso, não pediu o afastamento das funções, porém, foi questionado por outros conselheiros. “A magistrada quebrou a imparcialidade que deve reinar na atividade jurídica e, se é assim, não importa se ela não está mais na vara de infância, é questão de perfil, é questão de manutenção da magistratura, e se ela não é imparcial, ele não deveria manter-se na função”, colocou Marcos Vinícius Jardim Rodrigues.
Durante a votação, o conselheiro Marcio Luiz Coelho de Freitas citou a criminalização das advogadas Daniela Felix e Ariela Melo Rodrigues, apontadas, sem provas, como suspeitas do crime de violação de sigilo. “Qual a função do sigilo neste caso? É proteger a vítima. A quebra desse sigilo, me arrisco a dizer, foi uma medida que se lançou à vítima para se proteger contra uma violência institucional de que ela estava sendo vítima”, ressaltou.
O Conselho Nacional de Justiça acompanha o caso desde que veio a público, em junho de 2022, quando sete conselheiros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) assinaram uma representação para que a Corregedoria Nacional de Justiça acompanhasse a apuração na Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina sobre a possível infração dos deveres funcionais por parte da magistrada Joana Ribeiro Zimmer.
Na época, o órgão informou que recebeu outras três representações sobre o caso – entre elas, a da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), que deu origem ao julgamento ocorrido nesta terça (20).