Filhas da Terra: o contexto urbano atual no Sudeste, ocupações e ressignificações
Na Aldeia Multiétnica “Filhos dessa Terra” em Guarulhos, São Paulo, vivem 22 famílias, aproximadamente 70 pessoas das etnias Kaimbé, Pankarare, Pankararu, Tupi e Wassu Cocal. Muitos moradores da ocupação são estudantes que migraram de outras regiões do país como Vanuza Kaimbé, que veio da Bahia, indígena estudante do curso de Serviço Social na Pontifícia Universidade Católica (PUC), e seu filho que cursa Design. Ela foi uma das cinco pessoas diagnosticadas com a Covid-19 logo depois de reivindicar alimentação, internet e computadores para a universidade, como uma forma de apoio para a continuidade dos estudos.
“Não foi tão fácil para a PUC fornecer o computadores pra gente ter aula, continuar graduação à distância, para fornecer internet. Foi feito uma mobilização e começou por mim. Eu que comecei acionar a coordenação do curso de Serviço Social, foi uma mobilização do Serviço Social. Eu que disse que não tinha condições de estar arcando com um pacote de internet, eu não tinha computador e eu precisava terminar minha graduação. Eu fiz a mobilização e fui falando com o curso dos outros estudantes, para os bolsistas. E atenderam todos os bolsistas que são 100%. Foi fornecido computador e internet, e depois nós fizemos uma outra mobilização para fornecer pra gente também cesta básica. A gente fazia pelo menos uma refeição na universidade, em casa nós não estávamos tendo essa alimentação. Isso aumentou as nossas despesas, já que a gente já não tem muito. Perdemos os estágios também, eu estava fazendo estágio e recebia o valor de bolsa de R$ 900. Foi suspenso essas bolsas. Então a gente ficou numa situação de vulnerabilidade maior do que nós já estávamos. Aí a Reitoria entendeu e nos atendeu, todas essas reivindicações” relata Vanuza.
Como liderança ela afirma que na aldeia multiétnica não há lugar para machismo e para as violências contra as mulheres. Enfatiza que a luta contra a violência é de todas. “A gente já teve algumas questões de violência contra as mulheres indígenas por maridos indígenas e por outros não indígenas. Eu digo todos os dias, eu não admito nenhum tipo de violência aqui dentro. Se acontecer alguma coisa dessas eu mesma faço a denúncia. Aqui a gente, apesar de ser uma aldeia multiétnica com vários indígenas, nós mulheres, a gente nos protege, nos ajudamos mutuamente. A gente faz um trabalho de conscientização com os maridos, com os parceiros, porque a gente não vai permitir o machismo no nosso meio. A gente não aceita. Eu até brinco que aqui para ser liderança só mulher, o homem se quiser ele tem que ser o segundo representante. Aqui quem decide as coisas, quem decide as políticas, as direções aqui na nossa aldeia a maioria é decidida pelas mulheres”, esclarece.
A Comissão Pró-Índio de São Paulo indicava, em 7 de julho, ao menos 375 casos positivos em Terras Indígenas em São Paulo. O monitoramento da APIB informava sete mortes – entre os Guarani Mbya e os Kaimbé – no estado em 08 de julho. Os dados do Distrito Sanitário Especial Indígenas (DSEI) Minas Gerais e Espírito Santo revelam 45 casos confirmados segundo boletim informativo (09/07) da Plataforma de monitoramento da situação indígena na pandemia do novo coronavírus (Covid-19) no Brasil. Hoje no país são mais de 13.240 casos, 461 mortos em 127 diferentes povos indígenas.
MINAS GERAIS
Em Belo Horizonte, Avelin Buniacá Kambiwá, da etnia Kambiwá do Sertão de Pernambuco, é socióloga, professora e está assessora parlamentar no mandato das muitas na Gabinetona com mais de 90 ativistas. É fundadora do Comitê Mineiro de Apoio às Causas Indígenas que contribui em média com cem famílias indígenas que vivem fora que seu território de origem ou tem já como seu território de origem a própria Belo Horizonte, sendo 23 etnias, povos distintos de nações diferente e de outros países.
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“Hoje a realidade do país é que 38% dos indígenas brasileiros vivem nos grandes centros urbanos e querem se esconder essa realidade. A prefeitura diz que não é uma problemática da prefeitura colocando para uma questão de Funai. A Funai e a Sesai por sua vez dizem que é uma questão da prefeitura, que o indígena não está mais no seu território tradicional. No meio desse jogo de empurra os povos indígenas são os mais vulnerabilizados. Somos nós quem mais sofremos”, declara.
Segundo Avelin Buniacá Kambiwá, o Comitê Mineiro de Apoio às Causas Indígenas é uma organização de indígenas e não-indígenas que se reúne em rede como uma plataforma de segurança, física e alimentar, também com relação às crianças, ao acesso à saúde, para que se cumpram políticas públicas para a população indígena na cidade. Agora buscam apoio financeiro em uma campanha on-line. Nas 100 famílias, em torno de 300 pessoas, muitas são crianças, pessoas do grupo de risco, muitos idosos, pessoas que são atingidas pelo crime da Vale em Brumadinho e que ainda permanecem no território com muitas dificuldades.
“A gente tem um desafio muito grande que é diversidade étnica, não estamos em um só território em Belo Horizonte, então cada um mora na sua casa, paga aluguel, tem outras despesas, não estão podendo vender artesanato nas ruas, já é muito arriscado. A gente tem lutado em várias frentes, buscando suprimir e conter o máximo de dano possível, mantendo alimentação com as campanhas de doações de cestas básicas, também comprando fraldas, cobertores, que a gente adquiriu recentemente também parceria com a prefeitura que nos cede mensalmente através da DEPIR, que é a Diretoria de Igualdade Racial, alimentação do banco de alimentos e a gente têm mantido assim as famílias indígenas em Belo Horizonte e região metropolitana seguras”, relata a socióloga indígena.
Há alguns casos confirmados de coronavírus, alguns recuperados e outros já infectados. “A gente têm mantido o diálogo principalmente com a prefeitura porque precisamos entender, isso precisa ser dito para todo país, que a questão indígena não é uma questão apenas de Funai, um órgão determinado para isso, sendo que este está sucateado e sendo usado como máquina de destruição dos povos indígenas. As prefeituras têm que entrar nessa luta também, os estados, os governadores, os deputados estaduais, federais, os vereadores”, enfatiza Avelin.
Os dados do relatório Povos Indígenas do Brasil (2018) indicam que a Terra Indígena (TI) Kambiwá está localizada entre os municípios de Inajá, Ibimirim e Floresta, no Estado de Pernambuco. No século XVI, o extrativismo do pau-brasil gerou muitos conflitos entre indígenas e colonizadores, este apropriaram-se das terras para fazer as lavouras de cana-de-açúcar com trabalho escravo indígena. Logo depois a criação de gado impulsionou o desenvolvimento econômico expulsando novamente os indígenas de suas terras, que refugiaram-se em outras terras e no alto das serras na região. Os remanescentes desse processo constituem hoje os Kambiwá.
Segundo dados da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) estima-se que atualmente no território brasileiro estão presentes 305 etnias, falantes de mais de 274 línguas diferentes. O Censo IBGE 2010 demonstrou que cerca de 17,5% da população indígena não fala a língua portuguesa num total de 817.963 pessoas. Destes, 315.180 vivem em áreas urbanas e 502.783 em áreas rurais. Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), na América Latina vivem cerca de 45 milhões de indígenas em 826 povos que representam 8,3% da população.
*A série do Portal Catarinas Filhas da Terra: Mulheres indígenas em luta contra a pandemia Covid-19 irá publicar textos que irão abordar o contexto de como as mulheres indígenas estão vivendo na atualidade e de que forma a pandemia de coronavírus vem afetando o cotidiano dos povos indígenas. Acompanhe nossas postagens quinzenais e conheça o que as mulheres indígenas têm a dizer.
Equipe: Vandreza Amante (jornalista), Inara Fonseca (jornalista), Paula Guimarães (jornalista), Pietra Dolamita Kuawa Apurinã (conselho editorial) e Bruna Mairatã (ilustradora).