Com mais de 30 anos de carreira, 11 álbuns de estúdio, 3 Grammys e 13 Grammys latinos, Shakira é considerada um fenômeno da música. Além do reconhecimento artístico, cantora e compositora também é destaque no ativismo e foi eleita embaixadora da Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) da Colômbia. O nome dela está em alta nas plataformas musicais e nas redes sociais nos últimos meses, especialmente pelo sucesso de canções em que desabafa sobre momentos do relacionamento abusivo com o ex-marido, o jogador Gerard Piqué.

A principal delas é a Music Sessions #53 em parceria com o produtor musical e DJ BZRP, que entrou para o Guinness World como a faixa latina mais vista no YouTube em 24 horas, com cerca de 63 milhões de visualizações. Mais que hit, a música que expõe o relacionamento abusivo, virou hino nas vozes de crianças e adolescentes de países da América Latina.

“Quando a música foi lançada, percebi que não tenho fãs, tenho uma irmandade de mulheres que passou pelas mesmas coisas, que pensam como eu e sentem como eu. É uma música para representar e dar voz às mulheres”, descreveu Shakira, durante uma participação no The Tonight Show Starring Jimmy Fallon.

O sucesso contagiante de Shakira não se restringe ao espanhol: há versões em várias línguas espalhadas pelo mundo, além da performance coreográfica que ultrapassa qualquer fronteira. “Shakira tem uma representatividade muito forte porque ela foi uma das pioneiras. Quando a gente pensa em diva pop, a gente fala tranquilamente em Britney, Madonna, Rihanna, Shakira. É natural”, analisa a pesquisadora Tatyane Larrubia.

Em entrevista ao Catarinas, Larrubia analisa a trajetória da cantora, a relação com os fãs e as questões que transformaram as últimas músicas de Shakira em fenômenos, como é o caso da Music Sessions #53, colaboração que foi incentivada pelo filho Milan, de 10 anos, como a cantora contou no programa do Jimmy Fallon.

Membra do laboratório de pesquisas em tecnologia e comunicação CULTPOP, Larrubia é doutoranda em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e faz estágio doutoral na Universidade Central da Flórida. Sua pesquisa gira em torno dos estudos de fãs, e, sobretudo, no papel deles como protagonistas na educação e na indústria criativa.

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Tatyane Larrubia | Crédito: arquivo pessoal.

Em outubro, após o término com Piqué, Shakira lançou a música “Monotonia”, que já dava alguns indícios do que motivou a separação. Em janeiro, no lançamento da “Music Sessions #53” com o BZRP, ela foi bem explícita em diferentes camadas sobre o relacionamento. A música viralizou e ficou em 1º em várias plataformas. Considerando o que se estuda sobre a cultura pop, quais elementos podem ter provocado esse viral?

Tem vários elementos. Existe muito a questão do voyeur, desse interesse do que acontece na vida das pessoas no geral, mas, principalmente, das celebridades. Ao se expor o relacionamento de duas pessoas famosas, isso gera uma curiosidade natural do ser humano. Hoje, as redes sociais têm cada vez mais força. Se uma coisa viraliza, ela potencializa alguma situação que antigamente talvez passassem despercebidas. E justamente pelo fato dela ser latina e os latinos terem uma presença muito mais forte nas redes sociais, isso com certeza faz com que esse caso tome uma proporção muito grande.

Mas eu acredito que o principal é o interesse pela vida do outro. Junto com a Shakira, a música Flowers, da Miley Cyrus, também foi primeiro lugar e fala do relacionamento dela com o Liam [Hemsworth]. Então, esse saber um pouco do que acontece em um relacionamento que tentam blindar para ser privado, faz com que isso tome proporções muito maiores.

Depois dessa música e das repercussões, muita gente aponta a Shakira como ícone feminista. Como se dá a relação entre divas pop e o feminismo?

Existem várias vertentes dentro do feminismo. Não dá pra gente apontar “isso é feminista” ou “isso não é feminista”. O fato da Shakira se libertar de um relacionamento abusivo, expor isso e dar coragem para outras pessoas, é uma relação de empoderamento. Não temos como negar. Não é fácil expor o próprio relacionamento em uma escala mundial e em um momento de fraqueza. Isso sim é um empoderamento. Se trata de um relacionamento que era abusivo, ela foi vítima de uma traição, descobriu de uma forma muito pesada, então existe um empoderamento aí.

Claro que vão existir outras questões, porque ela fala de outras mulheres na música, pode se apontar a questão da rivalidade feminina, mas é muito complexo, nesse caso em específico, porque todo mundo sabe quem é a Shakira e todo mundo sabe que existia uma relação com o Piqué. Então você se relacionar com o Piqué sem saber que ele estava com a Shakira é meio estranho, e ainda comer a geleia, que você sabe que pode ser da Shakira, é meio estranho.

É natural que ela se sinta prejudicada, magoada, machucada, por essa outra pessoa, que vem a ser uma mulher. Independente, o Piqué poderia estar traindo-a com um homem e o sentimento seria o mesmo. É complicado a gente apontar muito a questão da rivalidade feminina porque estaríamos atacando a vítima, que é a Shakira.

E uma coisa interessante é que a canção não viralizou somente nas plataformas, mas também fora delas. Algumas semanas após o lançamento, as festas do carnaval começaram na América Latina e vimos que já tinha blocos e fantasias da Shakira, e até mesmo da famosa “geleia da Shakira”. Até hoje, vemos vídeos de crianças de todo o mundo dançando a música nas redes sociais, como no Tik Tok. O que pode explicar o impacto que a canção teve?

Os elementos da cultura pop afetam muito a sociedade, da mesma forma que a sociedade se afeta pela cultura pop. A cultura pop nada mais é do que um conjunto de artistas e produções que têm relação com o mercado, uma espera de lucro e é uma cultura feita para as massas. É muito fácil a gente criar essa relação com esses ícones da cultura pop, porque, principalmente, a gente se vê neles e eles se espelham na gente. Essa absorção acontece justamente porque existe uma relação muito maior do que qualquer outro tipo de produto que não seja tão ligado às massas.

Eu acho que a Shakira trouxe uma relação com o público, uma identificação com tudo que algumas mulheres já passaram.

Também tem a questão do voyeurismo e, se tratando da América Latina, especificamente do Brasil, da nossa cultura, a gente tende a tornar isso de uma forma leve e engraçada, transformar em um meme. É uma forma da gente absorver o que tá acontecendo e recriar. E a partir desse produto midiático, criamos outro significado, isso também faz parte da nossa cultura.

A Shakira não é um fenômeno de agora. Já são 30 anos de carreira, várias músicas que foram e são populares. Inclusive, outro vídeo que viralizou recentemente, foi a participação dela no The Tonight Show Starring Jimmy Fallon, em que ela pediu para a plateia ser somente com fãs e a energia contagiante, todos cantando a música e a interação dela com a plateia chamou muito a atenção. O que faz as pessoas acompanharem uma artista por tantos anos e qual relação que se forma entre artista e fã?

Essa é uma pergunta muito difícil e muito particular. É muito importante a gente entender que o fã tem sempre contextos diferentes, não há como mensurar o que é um fã baseado em uma escala. Existe aquele fã que vai comprar todas as revistas, todos os CDs, a pessoa tem aquela questão da materialidade. Existe aquele fã, a quem chamo na minha pesquisa de fã labor, que vai trabalhar para o artista, no sentido que ele vai criar um perfil nas redes sociais para falar sobre o artista, vai organizar um mutirão de votação para o artista ganhar um prêmio. Existe aquele fã que não tem a questão da materialidade, mas acompanha tudo que saí. É muito difícil a gente definir o que é um fã.

E outras categorias que precisam entrar nessa definição é a questão de classe, de gênero, de raça. Às vezes a pessoa mora no subúrbio muito distante da capital e é muito fã, por exemplo, da Shakira, que vai fazer um show em Porto Alegre. Às vezes, esse fã que é estudante, não trabalha, depende dos pais e eles não têm condições muito boas, ele não consegue ir a esse show, mas será que isso quer dizer que ele é menos ou mais fã?

E, essas situações se dão em contextos muito particulares: como acontece esse encontro do fã com esse artista? Quando ele começa a gostar? Em que momento da vida? Porque, por exemplo, quando somos adolescentes, temos muito mais tempo do que quando somos adultos, porque entram outras responsabilidades. O tempo vai modificando muita coisa.

Uma coisa muito importante para a gente apontar é da gente tirar essa ideia estagnada de que o fã é uma pessoa louca, que não tem mais o que fazer da vida. Na verdade, o fã ele traz muitas outras coisas, ele descobre tendências, ele é uma parte muito importante da indústria criativa. 

Aí entra também muitas questões relacionadas a gênero, porque isso geralmente vai se falar de artistas ligados ao pop, que é um público LGBT ou mulheres, e aí tende a se infantilizar isso, mas ninguém vai falar isso do futebol, que são homens héteros, e que muitas vezes sai briga no estádio porque X time não ganhou.

Recentemente Piqué fez um comentário diminuindo o público latino-americano. Shakira fez um tweet simples, em que ela manifestou orgulho de ser latino-americana, ao lado de emojis das bandeiras dos países da região. E esse tweet viralizou com interações entre moradores de diferentes países da América Latina. Sabemos que o mercado global ainda é muito focado nos Estados Unidos e alguns países da Europa, e que ocorre muita xenofobia com artistas de outros lugares. O que representa ter a Shakira, uma mulher colombiana, ocupando o lugar de uma das cantoras mais populares do mundo?

Eu acho que a Shakira tem uma representatividade muito forte porque ela foi uma das pioneiras. Quando a gente pensa em diva pop, a gente fala tranquilamente em Britney, Madonna, Rihanna, Shakira. É natural. Ela chegou em um patamar e protagonista bem interessante. Se não tivesse uma Shakira, não teríamos uma Anitta hoje. Da mesma forma, a Anitta está fazendo esse mesmo papel para o Brasil.

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Quando fala que a Shakira traz uma unidade latino-americana, isso é maravilhoso, mas quando a gente pensa no Brasil, isso é mais complexo, porque muitas vezes, a gente não se identifica como latino-americano.

A Shakira abre muitas portas até para a gente, movimento que a Anitta também está fazendo. E para isso, Anitta fez esse movimento de uma forma quase escravizada pelo mercado, ela precisou assumir uma persona de latina, começou a cantar em espanhol, fazer as rádios brasileiras cantarem em espanhol, para poder se introduzir no mercado. E era muito estranho ver a Anitta na posição de cantora latina, mas ao mesmo tempo, era importante porque não existe a representação do brasileiro lá fora.

Então, é isso, a Shakira tem essa grandiosidade, mas pro Brasil ainda deixa um pouco a desejar, muito pela barreira do idioma, faz com que a gente não se identifique tanto. E a Anitta, por mais que tenha criado a persona de cantar em espanhol, hoje, no VMA (MTV Video Music Awards, premiação musical dos Estados Unidos), ela consegue colocar um funk no palco.

Considerando tudo o que aconteceu nos últimos meses, mas também o que já acompanhamos da carreira dela há anos, o que explica a Shakira ser um fenômeno? 

O fato da representatividade latina é muito forte, principalmente porque ela abriu muitas portas, junto com a Jennifer Lopes e outras cantoras. Além disso, ela tem uma personalidade acessível. Quando a Shakira vai nos países, ela tenta falar os idiomas dos países. Ela cria vínculos com os lugares. É uma ideia muito do marketing, de aproximação com os clientes, e a Shakira sempre foi uma artista próxima, alguém popular, do nosso campo de afeto. E isso faz com que os fãs sejam mais fiéis. Também, o pioneirismo de trazer músicas em espanhol junto com o inglês, faz com que uma parte do mercado [de quem canta em espanhol] que era esquecido, seja valorizado.

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  • Daniela Valenga

    Jornalista dedicada à promoção da igualdade de gênero para meninas e mulheres. Atuou como Visitante Voluntária no Instit...

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