Caso Shakira: sororidade tem limite?

Por Daniela Valenga e Jess Carvalho

Na primeira música a viralizar em 2023, Shakira, em parceria com Bizarrap, desabafa sobre as traições que sofreu. A cantora cita inclusive a atual namorada do ex-marido, acusada de ter sido amante.

Com a repercussão da música, Shakira recebeu elogios e críticas. Enquanto algumas pessoas se sentiram identificadas, outras disseram que ela não teve sororidade pela namorada do ex-marido. A discussão gerou uma pergunta:  sororidade tem limite?

Sororidade é um termo que surgiu em 1970, quando Kate Millett, escritora feminista da época, propôs essa palavra para definir sua proposta de união social entre mulheres.

Mais tarde, a filósofa mexicana Marcela Lagarde descreveu o termo como parte de uma nova forma de relacionamento: uma aliança entre mulheres.

“Uma experiência subjetiva das mulheres que as leva a buscar relações positivas e alianças [...] com outras mulheres, contribuindo para a eliminação social de todas as formas de opressão.” - Lagarde

Porém, escritoras como bell hooks, Vilma Piedade, Nathalí Macedo, entre outras, questionam o termo, sob a lente do feminismo interseccional.

bell hooks lembra que, em primeiro momento, o feminismo ignorou as questões de raça, e que mulheres brancas e negras vivenciam o mundo de maneiras diferentes.

“Embora o apelo à irmandade feminina seja frequentemente motivado por um desejo sincero de transformar o presente, expressando a vontade das brancas de criar um novo contexto de vinculação, não há a tentativa de assimilar a história.” - bell hooks

Em novembro de 2017, a brasileira Vilma Piedade lançou o livro Dororidade, onde descreve o conceito homônimo, que, segundo ela, transcende as limitações da sororidade. 

“Não é sororidade, é dororidade. É uma dor específica, que une todas as mulheres, mas que é agravada pelo racismo, que só a mulher preta, só a juventude preta vai sentir.” - Piedade

Além da raça, o termo sororidade também é problematizado a partir de questões de classe e de posições políticas, como colocado pela autora brasileira Nathalí Macedo.

“Eu não tenho sororidade com todas as mulheres apenas porque são mulheres. Eu me desentendo com mulheres. Eu discordo de mulheres. Eu combato discursos fascistas vindos de mulheres. O feminismo que acredito não fecha os olhos, discute.” - Macedo

A cientista política Lauren Rosewarne aponta uma contradição no conceito, pois, em sua visão, ele idealiza uma lealdade feminina baseada não apenas no gênero, mas na pretensão de uma ética compartilhada.

“Tenho certeza de que há casos em que o feminismo foi usado para fugir da responsabilidade pessoal. Pessoalmente, tenho usado o feminismo como forma de analisar meu comportamento e também como forma de racionalizá-lo.” - Rosewarne

A cientista social Laura Pires vincula o conceito de sororidade ao de reciprocidade. Para ela, uma mulher não pode deixar de ser responsabilizada por seus atos por conta da sororidade.

“É uma questão simples de assumir responsabilidade pelos próprios atos. Não quero ficar passando a mão na cabeça de ninguém em prol de uma sororidade.” - Pires

beel hooks também traz que o movimento feminista e a sororidade só podem avançar a partir a criação de um contexto em que possamos começar diálogos críticos e abertos umas com as outras.

“Quando criarmos esse espaço feminino onde pudermos valorizar a diferença e a complexidade, a irmandade feminina baseada na solidariedade política vai passar a existir.” - bell hooks

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E para você, qual é o limite da sororidade?