Nesta sexta-feira (7), o coletivo E.L.A.S, lança o curta-espetáculo “E agora, você?” que pretende chamar a atenção para o assédio e o abuso na Dança de Salão. A data escolhida marca os 14 anos da Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006. A exibição será às 21 horas, no Instagram @coletivo.par.
“A violência contra a mulher – seja ela psicológica, moral, física ou sexual, doméstica ou nos salões dos bailes ou ainda em grandes eventos de dança Brasil afora – tem que parar de ser vista como algo normal. Não é normal!”, defende a bailarina e coreógrafa Alexandra Klen, diretora e roteirista do curta.
Motivada pelo Movimento #Exposed – que ganhou força no Brasil no início de junho, envolvendo alunas de escolas secundaristas, a mobilização entre integrantes de dança de salão tomou corpo com a página @chegadeassedionadanca. Os relatos expõem situações de abuso sexual, entre eles o de meninas e adolescentes assediadas por um professor de dança de Florianópolis.
“Entrei para a dança em Florianópolis com 14 anos, e por anos fui assediada moral e sexualmente na escola onde eu era bolsista e depois professora pelo professor de tango […]. Nunca tinha conversado com ninguém sobre isso até pouco tempo e no meu longo processo de aceitação, hoje, decidi falar”, relatou uma profissional na página.
“E agora, você?”
O espetáculo reúne trabalhos que abordam a temática da violência contra a mulher. A maioria deles é de Dança a Dois, coreografias criadas em tempos e espaços distintos, mas que se complementam dramaturgicamente porque contam histórias de uma realidade comum. Seja pela narrativa textual, corporal ou poética, os artistas são guiados pelo caos do violino, através de infinitas portas forçadas e derrubadas Brasil afora.
O título do espetáculo é baseado no poema “José”, clássico de Carlos Drummond de Andrade, de 1942, e que aborda o sentimento de solidão e abandono, a falta de esperança e a sensação de quem está perdido na vida, sem saber que caminho tomar. Para as autoras do curta, esses sentimentos não são só de “Josés”. São também de “Marias”, e de tantas outras mulheres, talvez e, muito provavelmente, por razões muito diversas das de “José”.
O curta-espetáculo trata do sofrimento das mulheres assediadas e abusadas, mas quer provocar a reflexão de todos os atores envolvidos direta ou indiretamente nessas violências, por isso a escolha da pergunta título. “Poderíamos, sim, ter escolhido o poema ‘E agora Maria’, de Alice Ruiz, que faz uma paródia do ‘E agora José’, de Drummond. Reforçaríamos e reafirmaríamos a identidade de gênero pela subversão de elementos de memórias coletivas e individuais e usaríamos essa poética feminista como ação política dos olhares feministas nas artes. Sim, é um caminho. Mas também é um caminho incluir fragmentos de poesias de um homem [Drummond] e de uma mulher [Angélica de Freitas, autora de ‘Mulher de Vermelho’] e ver o efeito que isso causa”, destaca a diretora Alexandra Klen.
“É nosso papel como mulheres – e como mulheres-que-dançam – chamar as pessoas à essa consciência. Provocar um olhar mais profundo. Chamar à reflexão e também à responsabilidade. Enfim, educar. Existem vários caminhos para isso. Nós escolhemos a Arte”, explica Alexandra.
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Chega de assédio na dança
“A maioria das mulheres que passou por abuso sexual tinha características comuns: estava iniciando no mundo da dança. Percebemos que esses homens se aproveitam da falta de experiência e vivência das vítimas. Muitas garotas acabavam ficando em dúvida se aquilo era dança, se questionavam sobre o que acontecia, duvidavam do que sentiam. Identificamos esse padrão. Não quer dizer que não tenham acontecido abusos com mulheres que dançam há mais tempo”, conta Paula Brinhosa, professora de dança de salão e educadora popular, integrante do coletivo E.L.A.S.
Na página @chegadeassedionadança há cerca de 60 relatos de abusos, de importunação sexual, contra profissionais, praticantes da dança de salão. Havia mais relatos, mas muitos foram retirados em função da questão da legalidade, como explica a professora. “A página alcançou rapidamente cerca de 13 mil seguidoras/es, foi um boom na dança de salão. A gente como artista, professora, bailarina, nos sentimos mexidas a tomar ações e o grupo de criação do espetáculo foi uma delas. Esse espetáculo surgiu dessa necessidade de olhar e falar sobre isso, de dizer que a violência contra a mulher está na nossa sociedade e na dança de salão não é diferente”, assinala Paula.
A página reúne relatos de mulheres de todas as regiões do país e surgiu com a intenção de ser um espaço informativo e de acolhimento sobre a violência sexual contra as mulheres nesse segmento. “A proposta era principalmente avisar as mulheres sobre os abusadores que atuam na dança de salão. As publicações foram traduzidas para o inglês e espanhol. A página oferecia apoio psicológico com psicólogas parceiras. Surgiram muitos lugares de acolhimento na internet. Várias profissionais, como advogadas, psicólogas, fizeram live abordando a situação, além das integrantes da dança”, relata a entrevistada.
A denúncia e terapia coletiva sobre os abusos trouxe alívio, mas também ativou gatilhos por remexer em situações traumáticas, além de interferir na carreira profissional. “Para muitas a carreira acabou, elas se sentiram desestruturadas, e ainda tentam lidar com os traumas psicológicos”.
Não é possível saber, no entanto, quantos relatos se transformaram em denúncias formais na justiça criminal. “Talvez poucas denunciaram, porque isso não repercutiu. Rola muito medo de falar, por falta de provas às vezes, e também tem a questão da relação de poder, já que a maioria dos homens citados costuma ser profissionais de sucesso, geralmente nesses cargos de professor, alguns bem famosos internacionalmente”.
Toda a mobilização, no entanto, teve resultado prático no mundo da dança de salão. “Muitos locais de eventos cancelaram contratos com esses profissionais, nem todos infelizmente. Mas já é um movimento diferente pra gente que nunca viu nada nesse sentido”, anima-se a professora de dança.
Serviço:
Curta-Espetáculo: ‘E agora, você?’
Data: 07 de agosto de 2020
Horário: 21h00 – 21h30 (abertura com Rachel Mesquita)
Onde: Instagram @coletivo.par
Ficha técnica
Conceito e Pesquisa: Alexandra Klen, Carla Catharina, Paula Brinhosa, Rachel Mesquita e Thaísa Marques.
Trabalhos Coreográficos: Cacos, Não dá mais pra segurar, Poesia-Dança Abuso, Puta, Suave Coisa Nenhuma.
Participações especiais: Ana Karoline Mendes Alves, Alexandra Klen, Ana Passarinha, Ana Paula Pereira, Brigitte Wittmer, Carla Catharina, Lorena Tófani, Mapi Cravo, Paula Brinhosa, Rachel Mesquita, Sabrina Tavares, Sheila Aquino, Sheila Santos, Solange Dantas, Thaísa Marques.