Organizações que atuam em defesa da justiça reprodutiva realizaram, nesta terça-feira (11), um ato de repúdio ao líder da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Uma coroa de flores foi colocada na entrada da Residência Oficial da Presidência da Câmara dos Deputados para simbolizar o sepultamento da infância brasileira em protesto contra o Projeto de Lei 1904/2024, proposto pelo Deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). 

O PL  propõe equiparar o aborto após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio, mesmo nos casos em que é legalizado. Caso a tramitação seja acelerada, o projeto de lei pode ser aprovado sem a devida análise pelas comissões, limitando o debate sobre o tema.

Havia expectativa de que o projeto fosse votado em regime de urgência nesta terça-feira (11); no entanto, ainda não foi levado ao plenário. Durante esse intervalo, Lira modificou a prioridade da pauta, dando destaque ao seu próprio projeto, o qual propõe alterações no Regimento Interno da Casa e está programado para votação ainda hoje.

A medida foi proposta após dois episódios na última quarta-feira (5), quando, ao final da sessão do Conselho de Ética, parlamentares se agrediram fisicamente após livrar André Janones (Avante-MG) da suspeita de “rachadinha”. Além disso, na Comissão de Direitos Humanos, a deputada Luiza Erundina (PSOL-SP), de 89 anos, passou mal e teve que ser internada após uma discussão sobre um projeto de lei.

Enquanto isso, organizações da sociedade civil pressionam Arthur Lira (PP-AL) e líderes da Câmara dos Deputados a não votarem o requerimento de urgência do Projeto de Lei 1904/24 através da campanha via e-mail na plataforma “Criança Não é Mãe”, lançada na segunda-feira (10). Mais de 77 mil pessoas já assinaram e a iniciativa ganhou repercussão nas redes sociais.

Em luto pela infância brasileira

Presente no ato em frente à residência oficial, Joluzia Batista, militante da Frente Contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto do Distrito Federal e articuladora política do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), disse à TV Câmara que o protesto é um ato simbólico que representa o sepultamento da infância brasileira.

“Trouxemos essa coroa de flores justamente para fazer esse ato bem marcante e dizer o absurdo da tentativa de pautar a urgência de um PL que vai retroceder o direito, sobretudo das meninas brasileiras de recorrerem ao procedimento de gravidez mais avançada, até 22 semanas”, afirmou. 

Manifestação contra PL 1904
Organizações em defesa da justiça reprodutiva durante protesto contra o PL 1904 na entrada da Residência Oficial da Presidência da Câmara dos Deputados. Foto: Matheus Alves

Segundo posicionou a Frente Contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, ao excluir a possibilidade de vítimas de violência sexual acessarem serviços de aborto legal sem serem criminalizadas, o PL 1904/2024 pune direitos já garantidos (embora ainda insuficientes) de meninas, mulheres e pessoas que gestam e fragiliza a politica pública de aborto legal quando escolhe punir a vítima em vez de tratar o caso como uma questão de saúde pública e de enfrentamento às injustiças reprodutivas. 

Além disso, a organização sustenta que a proposta pune profissionais da saúde, que poderão ser condenados por realizarem procedimentos para os quais são aptos e que salvam vidas.

“Estão tentando criminalizar de todas as formas e esse procedimento, dada a situação das meninas, é um procedimento realmente necessário porque geralmente gravidez em crianças só é descoberta em estado avançado porque envolve a desinformação. Muitas vezes as meninas não sabem o que está acontecendo no corpo delas, não sabem nem que foram vítimas de uma violência”, explica Batista. 

Ainda nesta terça (11), como estratégia para estimular que o PL 1904/24 entre na pauta e seja votado o quanto antes, a bancada fundamentalista realizou uma sessão solene na Câmara dos Deputados para homenagear o movimento Pró-Vida

A deputada Chris Tonietto (PL-RJ) apresentou o pedido para a sessão, justificando que o movimento “desenvolve inúmeras ações de conscientização da população sobre o respeito à vida humana desde a concepção”. 

Campanha pressiona Lira e lideranças da Câmara

Após convocação da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) no X (antigo Twitter), diversos fandons – contas oficiais de fãs – de artistas como Beyoncé, Lady Gaga, Black Pink, Taylor Swift e Selena Gomez, compartilharam a campanha.

Nomes da classe artística como Titi Muller, Jade Mascarenhas, Samara Felippo, Maeve Jinkings, Teresa Cristina e Luana Piovani também se uniram à campanha e se manifestaram nas redes contra o PL. 

A campanha “Criança Não é Mãe” alerta que a aprovação do PL 1904/24 proibirá totalmente o aborto por estupro após 22 semanas de gestação, afetando principalmente crianças e vítimas vulneráveis. Destaca ainda que 74.930 pessoas foram estupradas no Brasil, sendo 61,4% delas menores de 13 anos, em 2022, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Espantoso notar que, para o crime de estupro, a pena máxima é de 10 anos. E se a lei for aprovada, mulheres estupradas e profissionais que as atendem, quando as gestações têm mais de 22 semanas, estarão sujeitas/os à pena máxima de 20 anos”, destaca. 

Quem assina a ação, envia um e-mail ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL) e aos deputados Aureo Lidio (Solidariedade-RJ), Isnaldo Bulhões (MDB-AL), Altineu Cortês (PL-RJ), Odair José (PT-MG), Gervásio Agripino (PSB-PB), Adriana Miguel (NOVO-SP), José Nobre (PT-CE), André Peixoto (PDT-CE), Filipe Barros (PL-PR), Beatriz Kicis (PL-DF), Elmar José (União-BA), Luiz Antônio de Souza (PP-RJ), Antônio Luiz Paranhos (PSD-BA), Hugo Motta Wanderley (Republicanos-PB), Afonso Antunes da Motta (PDT-RS), Romero Rodrigues ((Pode-PB), Luis Henrique de Oliveira Resende (Avante-MG) e Frederico Borges (PRD-MG).

Ações coordenadas contra o direito 

O requerimento de urgência para o PL 1904/24 ocorre em meio a uma série de ações que visam barrar ou restringir o acesso ao aborto legal. A proposta foi protocolada em 17 de maio, no mesmo dia em que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM). 

A norma proibia que médicos/as de todo o país realizassem assistolia fetal, procedimento recomendado pela Organização Mundial da Saúde para a realização do aborto em gestações com mais de 22 semanas. 

No início de junho, o Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Cedaw) da ONU cobrou do Brasil a descriminalização e a legalização do aborto, após 12 mil meninas entre 8 e 14 anos serem mães em 2023. 

Organizações feministas e de saúde têm intensificado seus esforços para alertar a sociedade sobre as tentativas de dificultar o acesso ao direito. No Brasil, o aborto é legalizado em três situações: quando a gravidez é resultado de estupro; quando há risco de vida para a gestante: e em casos de anencefalia fetal. 

No entanto, propostas que implicam na criminalização do aborto em situações já previstas pela lei representam um retrocesso nos direitos reprodutivos e de saúde de meninas, mulheres e pessoas que gestam, especialmente as mais vulneráveis​.

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  • Kelly Ribeiro

    Jornalista e assistente de roteiro, com experiência em cobertura de temas relacionados a cultura, gênero e raça. Pós-gra...

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