Conversa Avessa é uma publicação que une poema, artes visuais e ativismo para tocar nas feridas culturais que sustentam a violência contra as mulheres. Foi construído a partir de um chamado feito pela Abrasabarca a poetas e artistas visuais. O resultado pode ser conferido nesta primeira edição.
Uma parceria entre a coletiva de poetas Abrasabarca e o Portal Catarinas deu origem ao Conversa Avessa, um suplemento mensal sobre violência de gênero por mulheres poetas e artistas visuais. As poetas Adelaide Ivánova e Giulia Ciprandi, e a artista visual Kamilla Nunes integram essa primeira edição sob curadoria da Abrasabarca, abordando as violências doméstica e obstétrica. O projeto e edição gráficos são de elaboração da Abrasabarca.
“Nesse caso, Quando não casa, A mulher pare, O homem parte, E ponto Pra ficar virgenzinha de novo”, diz trecho do poema Episiotomia, de Giulia Ciprandi, que expõe em versos uma das faces cruéis da violência obstétrica.
“A taça, qu’inda que bem ruim me deixe ébria, console-me a alcoólica amnésia e olvide o que de fato é tal sentença: a mulher é culpada”, é trecho do poema “A sentença”, de Adelaide Ivánova, que aponta para a desigualdade de gênero no sistema de justiça.
Conversa Avessa
“Escrever, criar sobre e a partir da violência de gênero. Como lançar esse chamado? Tarefa difícil e, por vezes, terrível. Como se não bastasse o horror que cabe nas conhecidas e recorrentes violências sofridas pelas mulheres cis e trans em todos os tempos, vivemos sob o peso da pandemia e de um desgoverno genocida. Uma onda levantada no horizonte pronta para entrar em jorros nos nossos pulmões. Há muito o que fazer”. Essa parte da apresentação do suplemento pela coletiva dá o tom político dessa articulação.
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A chamada para as obras que serão compiladas também para as próximas edições envolveu 16 artistas, entre poetas e artistas visuais. “A ideia é justamente ampliar o contato, porque a gente entende a poesia como esse contato com a outra, o outro. Quando a gente fala de violência é sobre um assunto difícil. E a gente sentiu vontade de escutar, abrir para a conversa. Temos nos reunido e fizemos essa primeira edição, sempre tentando pensar na composição entre texto e imagem de forma que conversem”, afirma Juliana Pereira, integrante da Abrasabarca.
A integrante Ana Araújo relata que as artistas e poetas convidadas já faziam parte da referência de mulheres que escrevem sobre o tema. “A gente recebeu diversos textos e imagens, e na reunião para edição do suplemento o principal desafio foi construir essas conversas para entender quais textos e imagens dialogavam. Construir essa conversa também entre essas artistas que não tiveram contato umas com as outras. Elas nos mandaram os textos, a gente recebeu e propôs a conversa entre textos de pessoas que a princípio não tinham lido umas às outras”, conta.
Elisa Tonon, também da Abrasabarca, destaca que o suplemento tem o papel de abrir um espaço de escuta sobre o tema entre artistas e público em geral. “Foi importante todo o processo de construção que começou com a chamada às artistas, no sentido de como colocar em palavras, esse tema tão difícil, e como abrir esse espaço para a conversa e escuta que é o que esse material concretiza”.
Poéticas da convivência
A parceria entre Abrasabarca e Portal Catarinas começou há quatro meses com a série “Poéticas da convivência” que integra poemas sobre a rotina e reflexões suscitadas pelo isolamento social. A ideia de elaborar um suplemento inicialmente sobre a violência doméstica por meio da linguagem poética foi motivada pelo aumento da vulnerabilidade das mulheres durante a quarentena.
“A nossa dinâmica de criação passa pela escuta, pergunta lançada, saraus públicos em comunidades. A coletiva tem essa caraterística de agregar, compartilhar, e o exercício da poesia, escrita, passa por isso, então tem muito a ver com o que acreditamos, esse é mais um espaço para escuta, assim como a série Poéticas da Convivência”, afirma Lu Tiscoski, também da coletiva.
O monitoramento nacional da violência doméstica feito colaborativamente entre o Portal Catarinas em parceria com quatro mídias independentes também contribuiu para expandir o tema à narrativa poética.
A Abarsabarca surgiu de reuniões informais para ler poesias entre colegas da pós-graduação em Literatura da UFSC. Desde 2015, essas mulheres se integram na coletiva, articulando saraus, produção de publicações, como o “Abrasabarca”, em 2018, e o “Revoluta”, em 2019, além da participação no programa Quinta Maldita que promove saraus e outras ações culturais. Leia as colunas dessas poetas no Catarinas.