Por Karla Garcia Luiz e Vitória Bernardes.
Há algumas perguntas que nos inquietam nos últimos tempos: quem são as mulheres com deficiência? Quem conta nossas histórias e constrói conhecimento sobre nossos corpos? Por que, mesmo que sejamos a maioria da população com deficiência, a relação entre gênero e deficiência ainda é recente? Historicamente, somos silenciadas por pessoas sem deficiência, por homens, por uma sociedade estruturalmente capacitista. Você já ouviu falar nessa expressão? Em linhas gerais, o capacitismo pode ser aqui compreendido como um conjunto de significados e práticas que institui um determinado tipo de corpo como ideal, oprimindo aqueles que em alguma medida dele divergem (CAMPBELL, 2009). Numa rápida comparação, o capacitismo está para as pessoas com deficiência como o racismo está para pessoas negras.
Dentro dessa estrutura que oprime nossos corpos com lesões e impedimentos, como alcançar mulheres com deficiência que, muitas vezes, não encontram sua luta representada, e dizer a elas que não estão sozinhas? O Coletivo Feminista Helen Keller de Mulheres com Deficiência tentou responder essas questões e construiu um material por meio do projeto “Sociedade Civil Construindo a Resistência Democrática”, apoiado pela União Europeia em parceria com ABONG, CAMP, CESE e CFEMEA.
Esse guia é, sem dúvida, um marco para o avanço das nossas lutas, não só pelo conteúdo e posição política que demarca, mas, sobretudo, porque foi elaborado, escrito, diagramado, ilustrado, revisado e organizado por nós, mulheres com deficiência. Nele, nós, mulheres com deficiência, assumimos o protagonismo necessário para contar nossa própria história. É uma tentativa de aproximação dos feminismos em relação à deficiência e vice-versa.
O Guia “Mulheres com Deficiência: Garantia de Direitos para Exercício da Cidadania”, foi lançado em 25 de maio e propõe os seguintes debates: contextualiza as mulheres com deficiência no Brasil, traz o resgate histórico sobre o movimento de pessoas com deficiência, modelos da deficiência e as contribuições ao e do movimento feminista. Além disso, aborda temas como saúde, direitos sexuais e reprodutivos, educação sexual emancipatória, educação, trabalho, violência e acesso à justiça. Detalhe: todos esses textos foram escritos por mulheres com deficiência.
Além das autoras integrantes do coletivo, destacamos as convidadas militantes e pesquisadoras que são referência à luta das pessoas com deficiência. Por fim, no último capítulo, convidamos companheiras sem deficiência de outros movimentos para apresentarem suas lutas e pensarem os aspectos que nos aproximam em busca da construção de “pontes”, diálogos, articulações entre diferentes movimentos feministas e de mulheres com a luta das mulheres com deficiência.
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O Guia pretende alcançar diferentes mulheres com deficiência, assim como movimentos de direitos humanos, pesquisadoras/es, legisladoras/es, profissionais da saúde, da educação e da segurança pública, além de trazer visibilidade para nossas histórias através de informações que embasem pautas e reivindicações para o exercício da nossa cidadania.
Sobre o coletivo
O Coletivo Feminista Helen Keller de Mulheres com Deficiência foi fundado em 21 de setembro de 2018, data escolhida por ser o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. Composto por mais de 50 integrantes que estão nas cinco regiões do país, atua em parceria com outras entidades, no controle social, na execução de projetos, participação em eventos e manifestações e no desenvolvimento de campanhas virtuais pelas redes sociais.
Quem foi Helen Keller?
Helen Adams Keller nasceu em 27 de junho de 1880, no Alabama, Estados Unidos. Em 1882, Helen contraiu uma doença chamada “febre cerebral” que a deixou sem visão e sem audição aos 18 meses de idade.
Mais que uma defensora das pessoas com deficiência, ela foi uma sufragista (lutou pelo voto feminino), discursou para a classe trabalhadora, defendeu o socialismo e é autora de doze livros. “Mesmo que não haja a necessidade de mencionar a sua deficiência, é necessário compreender que a surdocegueira era uma de suas características, assim como seu gênero feminino, que a fizeram ser quem era, com possibilidades e discriminações”, conforme explicamos no Guia.
Helen Keller recebeu muitas honrarias, como a Theodore Roosevelt Medalha de Serviços Distintos (1936), Medalha Presidencial da Liberdade (1964), entrou para o National Women’s Hall of Fame (1965) foi eleita como uma das Mulheres da Fama da Câmara Municipal (1965). Ademais, recebeu honorários graus de doutorado da Temple University, da Universidade de Harvard, Glasgow, na Escócia, em Berlim, Alemanha, Delhi, Índia, e de Witwatersrand. Além disso, foi nomeada como Membro Honorário do Instituto de Educação da Escócia.
A respeitada ativista conseguiu que o ministro da Educação do Egito criasse escolas secundárias voltadas para cegos e, em Israel, uma das escolas foi batizada com seu nome. Foi nomeada ao Nobel da Paz em 1953 e, quinze anos após sua nomeação, faleceu. Ela teve uma morte tranquila enquanto dormia, em 1° de junho de 1968. “Foram 87 anos de trabalho, persistência e muita esperança – sentimentos esses que devemos preservar por ela e por todas as mulheres com deficiência do mundo”, assinalamos no guia.
Referências:
CAMPBELL, F. K. The Countours of Ableism – the production of abledness. Palgrave McMillan: UK, 2009.
*Karla e Vitória são integrantes do Coletivo Feminista Helen Keller