Confira uma lista de preparos tradicionais da culinária sagrada afro-brasileira

Se você já ouviu o podcast “Alimentação Ancestral: Comida de Santo”, talvez tenha ficado curiosa para saber quais são os pratos tradicionais e por que são reproduzidos de maneira tão específica. Para começar, é preciso dizer que existem muitos candomblés e muitas umbandas, e cada um segue sua própria liturgia.

Além disso, diferente do que acontece no catolicismo, que tem a Bíblia como guia, as religiões de matriz africana cultivam a tradição da oralidade. “Não é dentro de um livro sagrado que encontramos as regras de como as bênçãos devem ser feitas, e sim nos saberes transmitidos do mais velho para o mais novo”, explica Camila Spolon, umbandista e pesquisadora da comida de Santo.

Outro ponto é que quando essas religiões foram remontadas no Brasil, tiveram que passar por uma série de adaptações para que pudessem se manter vivas em outro contexto. “Alimentos que existiam aos montes na África não são encontrados no aqui ou são de difícil acesso, então houve uma substituição de ingredientes como forma de preservação da tradição”, aponta a historiadora.

Comida e mitologia

Entre os mistérios compartilhados entre gerações, estão os itans, conhecidos como a mitologia dos orixás. Todo deus cultuado pelas religiões de matriz africana tem suas próprias histórias, e sua comida está relacionada às suas particularidades.

“Quando a gente fala de Ogum, estamos falando de um orixá guerreiro, logo, sua comida é feita às pressas, em uma panela só. São alimentos que exigem pouco tempo de preparo como a feijoada e o milho torrado”, exemplifica Spolon.

Obaluaê, por outro lado, é um dos orixás mais velhos e tem seu próprio tempo. “A comida de Obaluaê é a pipoca, porque pipoca não se faz sem óleo, e óleo quente não se faz rápido. Pipoca precisa de tempo e de silêncio para funcionar”, sinaliza a historiadora. 

Um terceiro exemplo emblemático é a comida oferecida a Oxum, uma orixá cuja história faz referência à fertilidade. Por consequência, suas oferendas remetem à fecundação e um dos alimentos mais explorados para esse fim é o ovo.

“Uma vez eu fiz o omolocum, uma oferenda para Oxum feita com feijão fradinho, azeite de dendê, cebola e camarão. Uma moça me perguntou para que servia aquela comida e eu disse que a preparamos para a deusa da fertilidade. É como se esses grãos fossem ovários e servidos em uma vasilha redonda como um ventre. Ela me respondeu que pra comer precisaria tomar duas caixas de anticoncepcional. Eu ri muito disso, porque é assim que as pessoas começam a entender que tudo que a gente come tem um porquê”, conta a quituteira candomblecista Isabel Cristina Ribeiro Rosa, autora do livro “Culinária afro-brasileira: sabores ancestrais”.

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Imagem: Arquivo pessoal Mãe Kátia D’Omolu.

Oferendas aos orixás

A seguir, você confere uma lista de oferendas aos orixás tradicionais do candomblé, algumas adotadas também pela umbanda. A fonte da maior parte das informações é o umbandista Gabriel Meissner, idealizador do Caminhos do Axé.

Abadô

Do iorubá “àgbàdo”, que significa “milho”, o abadô é um prato preparado com milho vermelho torrado e moído, misturado com farinha de mandioca, sal e açúcar. Pode ser feito também com amendoim. É oferecido a Obaluaiê, Oxumarê e Nanã, entre outros.

Abará 

Do iorubá “abalá”, que significa “bolo de arroz”, o abará é um bolinho de feijão-fradinho moído, camarão seco e cebola, temperado com azeite de dendê e pimenta, enrolado em folhas de bananeira e cozido em banho-maria. É oferecido a Iansã e aos orixás Obá e Ibeji.

Aberém ou abarém

Do iorubá abe’rin (“abe” significa “debaixo” e “rin” significa “úmido”), o aberém é uma comida oferecida a Omolu e Oxumarê, feita com milho ou arroz moído na pedra, envolvida em folhas de bananeira e cozida no vapor. Pode ser servida com caruru e mel de abelhas. 

Acaçá ou ecô 

Mais um prato que leva como base a massa de milho branco ou vermelho, que depois de cozida será embrulhada em folha de bananeira. Serve de oferenda a todos os orixás.

Acarajé

Acarajé é uma das comidas de Santo mais populares: uma espécie de bolinho feito de massa de feijão-fradinho ralado, temperado com cebola ralada e sal, frito em azeite de dendê. Pode ser servido com recheio de vatapá e molho à base de camarões secos. Geralmente é oferecido a Iansã, mas também pode servir de oferenda a outros orixás.

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Imagem: Arquivo pessoal Mãe Kátia D’Omolu.

Adó ou adum

O prato consiste numa mistura de farinha de milho com azeite de dendê e mel de abelhas. É tradicionalmente oferecido à orixá da água doce: Oxum. 

Aguidi

Do iorubá “àgìdí”, o mesmo que “èko”, ou seja, “alimento sólido feito de milho”. É uma espécie de bolinho de milho vermelho amolecido, ralado e cozido com rapadura, envolto em folha de bananeira. Em geral, é ofertado a Obaluaiê.

Ajabó ou caruru-branco

Prato à base de quiabo e mel. É uma comida de Iroko, o orixá do tempo, mas também pode ser oferecida a Xangô, Airá ou qualquer outro orixá como pedido de misericórdia.

Amalá

Uma espécie de caruru com pirão de farinha de arroz ou de mandioca, quiabo, azeite de dendê, camarão seco e cebola. No candomblé, o amalá costuma ser oferecido a Xangô. No Rio Grande do Sul, é comum chamarem de amalá qualquer comida votiva oferecida a um orixá ou entidade. Fala-se, por exemplo, em “amalá de Ogum” ou “Amalá de caboclo”. 

Axoxô ou oxoxô

Prato feito com milho vermelho cozido enfeitado com fatias de coco, que também pode levar mel ou melado de cana. Costuma ser oferecido a Oxóssi, Ogum, Olocum e Logunedé.

Cocada

Outra comida de Santo que também é prato típico brasileiro. Na umbanda, a cocada é usada como oferenda para as entidades conhecidas como baianos e erês.

Deburu ou guguru

Deburu, do iorubá “gúgúrú”, que significa “milho seco frito”, é a pipoca oferecida aos orixás Obaluaiê e Omolu. Ela também pode ser estourada no dendê ou no azeite doce.

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Pipoca oferecida aos orixás Obaluaiê e Omolu | Imagem: Arquivo pessoal Mãe Kátia D’Omolu.

Egbó

Egbó é o nome iorubá dado à famosa canjica branca, comida votiva servida a quase todos os orixás e principalmente a Oxalá. É feita de milho branco cozido ao qual podem ser acrescentados diversos elementos, como água, banha de ori, mel e azeite doce, entre outros. É uma comida apaziguadora e um símbolo de crescimento, de multiplicidade.

Ekuru

Ekuru é mais uma comida que representa prosperidade e multiplicidade para as religiões de matriz africana. Na Nigéria, é feita com inhame cozido amassado no azeite de dendê. Os brasileiros geralmente fazem com feijão-fradinho envolto por uma folha de bananeira.

Omolocum

Oferenda para Oxum feita à base de feijão fradinho, azeite de dendê, camarão seco e ovos.

Esta matéria faz parte do “Alimentação ancestral: identidade cultural e orixalidade na comida afro-brasileira”, projeto selecionado pelo Prêmio Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura – Edição 2021, executado com recursos do estado de Santa Catarina, por meio da Fundação Catarinense de Cultura.

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  • Jess Carvalho

    Jess Carvalho é jornalista e pesquisadora da bissexualidade. Atua como editora, repórter e colunista no Portal Catarinas...

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